ALDINHA
Lembro-me dela como se fosse hoje. Era uma menina grande para a idade, negra como o carvão, com uns brincos de ouro daqueles que me faziam lembrar as minhas primas da aldeia do meu avô, que furavam as orelhas em bebés e depois punham umas linhas pretas nos buraquinhos, para que o furo não fechasse... depois, punham uns brincos de ouro, antigos e valiosos, que ficavam para a vida toda (...só furei as orelhas com 11 anos, lembro-me que queria muito, mas não gostava nada daquela ideia da linha preta, isso não, não queria com veemência!); a menina tinha uns olhos muito grandes, muito pretos, o cabelo era cheio daquelas trancinhas africanas, muito juntinhas e espetadas em todas as direcções. Tinha umas mãos muito grandes, com palmas esbranquiçadas que contrastavam com a negrura da pele em todos os outros pontos cardeais do seu corpo; esta menina desenhava muito bem e, teimosamente, as suas representações da figura humana eram sempre maravilhosas figuras femininas, loiras, de olhos muito claros, com uns cabelos muito brilhantes e compridos. Lembro-me que lhes pintava sempre as unhas de cores garridas e aquelas, eram sempre compridas. Às vezes, dizia-lhe que ela não era assim e que era importante tentar desenhar-se como era, que ela era linda, da cor do chocolate que eu adoro, mas a "Aldinha" (chamemos-lhe assim...) nunca desistiu daquela representação da beleza feminina. Era determinada, suave, mas decidida e sabia muito bem o que achava bonito. Por isso, contrariava-me sempre!
Um dia, já no final do primeiro período, tive o prazer de conhecer a mãe desta menina. Lembro-me que apareceu sem avisar, à hora do almoço e que eu a recebi com um misto de surpresa e curiosidade, pois estava tudo bem com a menina, não tinha havido um aviso, um recado, nada que me fizesse estar à espera de uma mãe que, julgava eu, era tão ausente! Recordo a conversa que tive com a senhora como uma lição de vida que ainda hoje, em variadíssimas situações relato e dou como exemplo. Era uma mulher enorme (a filha, grande, herdara-lhe a altura...), com um penteado africano muito típico, com um ar de trabalho, de vida dura, com gestos rápidos e um sentido prático que me desarmou. -"Não poderia nunca deixar de vir conhecer a professora da minha filha" - disse-me com ênfase, referindo que há muito desejava fazê-lo, simplesmente a vida dura que tinha a impedia de já o ter feito há mais tempo. Sei que a conversa durou algum tempo, entre considerações sobre a menina, sobre a escola e sobre a vida e foi sobre esta que me deu uma lição enormíssima: desde relatos sobre o seu dia-a-dia, passando por opiniões fortes e seguras que mostrava ter sobre as coisas, até à descrição dos 10 partos, do nascimento dos 10 filhos, todos em casa, indo logo trabalhar a seguir, tendo que trabalhar a seguir, até à nostalgia pelas ausências do marido... enfim, foi para mim uma lição de vida que senti como muito forte no momento e que nunca mais esqueci.
Hoje, em jeito de "rewind", comparo esta mulher maravilhosa, linda à sua maneira e cheia, a transbordar, de coisas boas e bonitas, com muitas mães "Barbies" que nos "passam" pelos grupos... tão lindas (será?), tão arranjadas, com ares tão importantes, tão supostamente sabedoras de tudo e penso que não sabem nada, que não emanam para fora nada do que é mais importante!... passam por nós e não "ficam" para sempre como esta mãe ficou.
Nunca mais vi a Aldinha nem a mãe. Não faço ideia do rumo que seguiram, presumo que a menina continue simples e encantadora como era, detentora daquilo que é mais importante para a vida: a preocupação e dedicação de sua mãe, a ponto de pôr a sua vida escolar, numa prioridade de agendamento muito importante, porque a considera, porque respeita, porque quer ser par!
E sabem? Lembro-me que a mãe tinha as unhas das mãos pintadas de cor muito garrida, embora o verniz estivesse gasto e a lascar. Quem sabe se, nas princesas que a Aldinha desenhava, não estava um pouquinho da sua mãe? Eu acredito que sim!
Querida Amiga, colega e Mãe:
ResponderEliminarPor nós passam MÃES e ... parideiras de ocasião! Digo "parideiras de ocasião" porque nelas tudo está minuciosamente tratado e até a "ocasião" mais favorável para o parto, de forma que até neste momento tão único e fantástico, os filhos não lhes empatem os programas já estabelecidos para as suas vidas. E como dizes e eu acho fabuloso "as Barbies"ao fim de 4 ou 5 anos após o parto, mas com apenas algumas horas de experiência( não mais que isso!) venham com ares de grandes experientes na matéria tentar ensinar e avaliar quem muitas vezes lhes corrige e trata os danos que causam nos pequenos seres que lhes chamam mãe! Também já tive ao longo dos anos muitas "Aldinhas" cujas MÃES ainda hoje recordo com muita saudade e me reconhecem na rua! Mas também já tive "Barbies" que hoje agradeço a Deus por me ter visto livre delas... (Foram menos... felizmente muito menos!) Beijinhos Gina
Antes de mais, quero dizer que adorei o post e adorei a resposta acima. A minha mãe era professora do ensino básico. Não sei se por isso ou outro motivo qualquer, tenho um respeito enorme pelas Educadoras e Professoras. Tenho tido sempre uma sorte imensa. Há sempre, entre nós uma empatia espontânea. Neste momento, por exemplo, estou aqui, com uma vontade enorme de falar com a Professora da minha filha mais velha (que está no 1º ano), para ela me dar alguns conselhos. A mim a maternidade trouxe-me a sabedoria de que nada sei. Tento ser o melhor que posso, mas em termos de pedagogia tenho muitas limitações...
ResponderEliminarQuantas "Aldinas" não passam nas nossas escolas?! Mas recordamo-nos de algumas em especial, por algum motivo. E mesmo as "mães ausentes" são, por vezes tão presentes como a mãe da tua "Aldina".
ResponderEliminarbeijinhos
http://tematicasetc.blogspot.pt/ Admiro a forma como escreve e por isso gostava da sua opinião sobre o meu blogue.
ResponderEliminarNão consigo aceder ao seu blog, provavelmente tenho aqui alguma definição de acesso bloqueada, mesmo sem saber...
Eliminarhttp://tematicasetc.blogspot.pt/
ResponderEliminartematicasetc.blogspot.com acho que assim já poderá ver
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