A MENINA DOS SEUS OLHOS
Pela primeira vez em muitos anos de serviço, tenho na minha sala uma criança de etnia cigana. Não aquele cigano já algo "aculturado", onde se percebem alguns traços, já disfarçados por aculturações sucessivas, mas aquele cigano muito marcado, quase "puro", diria (com cheiro a fumo e tal e tal...).
Esta menina tem sido mote para algumas reflexões em "flash", como costumo dizer, porque apressadas e paralelas às mil e uma tarefas diferentes que executamos diariamente. Já serviu para me questionar interiormente sobre o fenómeno da inclusão, tal como nos é pedido, já serviu para recordar muitos e muitos aspectos alusivos a este povo (que tive oportunidade de aprender na disciplina de Antropologia Cultural, do 10º ano do liceu, em que fizemos um trabalho, durante o ano sobre os ciganos e tivemos oportunidade de visitar repetidas e demoradas vezes um acampamento próximo da escola); já serviu de mote tantas e tantas vezes perante o grupo, para explorar conversas e temáticas sobre o sermos "todos diferentes, todos iguais", sobre a "aceitação" e tolerância; já serviu para me eternecer com os seus Pais, ambos pouco mais velhos que a minha filha mais velha (a mãe, em especial, é linda e muito simpática, tem uma cara e sorrisos maravilhosos e conquistou-me pela simpatia ingénua que denota... será que intuíu que a qualidade que mais admiro nas pessoas é a simpatia???!); enfim, a minha doce "moreninha" (chamemos-lhe assim...) tem sido um "diamante em bruto" que me tem obrigado a ajustar-me às suas realidades, para a poder, da melhor forma, integrar num grupo de meninos tão diferentes de si, tão exigentes e, às vezes, tão... rudes para ela.
A minha moreninha é vaidosa, vem sempre muito coquette e limpinha, (ao contrário do que se poderia inicialmente supor e ao contrário de outros meninos ciganos lá da escola) é curiosa e muito voluntariosa. O único problema é que é tudo tão novo, tão novo, tão novo para ela, que a defesa quer arranja é estar sempre, sempre, sempre, sempre (até à exaustão) a perguntar aquilo que já sabe: "é para fazer isto, professora?; "agora vou para ali, professora?"; "queres que eu pinte? com as minhas canetas?"... Já tentei que me chame Paula (gosto mais que me chamem Paula), mas ela não consegue... intuo que seja para seus Pais, e por consequência para ela, por imitação, um tratamento mais reverencial, mais respeitoso!!! Aceito... Reinicio as minhas tentativas sucessivas de integrá-la, e os meus apelos sucessivos à "santa paciência", para que, mesmo no tom já exasperado ("o que é, querida???"), perceba ternura! Afinal, é disso que todos os meninos, iguais e diferentes precisam.
Hoje, a minha moreninha andava atrás de mim (é a nossa sombra!) a repetir-me qualquer coisa que não percebia. Eu, ocupada, (quem não está com 25 meninos sôfregos, sempre me movimento?) tentava perceber o que dizia, mas às tantas, intuí que precisava parar, debruçar-me sobre ela, fixar-me naqueles dois lagos pretos, que são os seus olhos (infelizmente tortos, mas encantadores na mesma, como se o brilho, indiferente ao resto, trespassasse para fora) e perguntar-lhe: "diz, princesa, o que queres?" A minha moreninha, repetiu-me aquilo que vinha dizendo, teimosamente, há minutos... "sabes professora, o meu pai dizeu-me que eu sou a menina dos olhos dele"...
Senti-me abençoada por ouvir aquilo... afinal, apesar de tudo, somos MESMO todos iguais!!!
Quem dera que a minha filha pudesse dizer o mm do pai dela ... mas infelizmente ela terá que se contentar em ser sómente a menina dos meus olhos ;)
ResponderEliminarFiquei deliciada a ler " A menina dos seus olhos", fez-me lembrar a ciganita que eu tive um ano na minha sala, também chegou como um "diamante em bruto" e fez uma evolução maravilhosa ao longo do ano. A minha menina também tinhas uns olhos lindos, mas eram azuis e infelizmente também eram tortos e bem tortos, mas era um amor.
ResponderEliminarEste post parece-me ser uma continuação do meu, numa realidade diferente e que tão bem conheço. Tu consegues, aos poucos fazer essa integração. Ao fim ao cabo, tal como eu dizia no meu post, são crianças e são feitas da mesma fibra. Mais tarde, infelizmente, a sociedade encarrega-se de fazer essa segregação e distinção. A comunidade cigana é inclusimente a própria a fazer essa exclusão, uma comunidade que se rege pelas suas próprias leis e costumes, em detrimento das leis do país. Eu conheci a realidade dos ciganos adultos em 2 anos em que dei aulas à noite de alfabetização. E ao longo do ano, desenvolvi com eles, laços uma relação de professora alunos que, ainda hoje, passados mais de 10 anos, ainda me conhecem quando me cruzo com eles e vêm ter comigo.
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