quarta-feira, 28 de agosto de 2013





























PÓS-OPERATÓRIO




A única vez que fui operada e sujeita a uma anestesia geral foi aos meus 21 anos, para uma cirurgia simples, com um pós-operatório também simples. Não me lembro de pormenores físicos do pós-operatório, a sério que não. Tenho uma memória cada vez mais seletiva, a sério, mas lembro-me que o meu pai estava lá, como uma figura imponente, talvez à espera que eu acordasse, talvez para ver como estaria. Essa recordação vem-me nítida, a da sua figura que tudo preenchia, de homem alto que era, talvez nervoso, expectante em relação à minha reação, ao meu acordar. Foi o meu pai a primeira pessoa que me lembro de ter visto depois da operação...

Tenho vivido nestas férias, assumo, num limbo que me tem sido conveniente, de anestesia, indiferença, distração, remate rápido das coisas para cantinhos esquecidos da memória, do cérebro, do entendimento. Foi uma opção de pré-férias, uma disposição séria a que me propus, para que pudesse desligar, descansar, desfrutar de outras coisas INTEIRAS que também existem e tem-me sabido bem, isto, mas não sou ingénua e sei que o tempo não pode parar, ou andar mais devagar só porque nós queremos fazer perdurar (como se para sempre) sensações que nos são agradáveis. Não, de facto, ainda não somos senhores do tempo assim, dessa maneira e ainda bem, porque assim, não sendo, seremos sempre obrigados a reagir, a começar a despertar destas doces letargias, sacudindo estas teias de inação que se foram criando ao sabor do nosso comodismo. É este alerta sonoro que vai soando cá dentro, devagarinho, ainda um bocadinho ao longe, fazendo acender luzinhas da consciência e da maturidade que nos fazem perceber que a vida real é mesmo assim, desta forma e que não há volta a dar a isto... as férias estão a acabar e com elas acabará também este limbo em que tenho vivido, pois as rotinas que reiniciarão irão empurrar-me para ritmos e logísticas que exigem que esteja bem desperta.
Por circunstancias variadíssimas, muitas delas profissionais, não sei como virá a ser este meu pós-operatório... imagino-o lento, longo, mas não agonizante. Tenho esperança que consiga reagir depressa, adaptando-me a novas realidades, com uma plasticidade que se descobre às vezes ter em situações novas, diferentes, com uma capacidade de ver o bonito e gostoso dessas coisas INTEIRAS, agora de outra forma, só pela razão de que elas continuarão sempre lá, na mesma... 
Hoje, quando a bola laranja de fogo do sol começou a cair até à linha do horizonte, tocando a água do mar, dando-me aquele espetáculo diário e gratuito de beleza sem fim, pensei neste meu pós-operatório que se aproxima e pensei, de imediato, no meu pai que, não irá estar lá comigo à espera que eu acorde, não me segurará na mão como fez há 20 anos, não me mostrará a sua ansiedade nervosa naqueles dois grandes olhos verdes que tinha, mas mostrar-me-á na mesma o caminho, fazendo-me ser forte e rápida na resposta e é nele que vou pensar quando o alerta sonoro que já oiço lá ao fundo, estiver aqui pertinho a fazer-me acordar!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013





PSSSIU... É SEGREDO!!!!


Lembro-me de imensas coisas que ele nos dizia e é agora com esta idade adulta e com filhos da idade que eu teria nessa altura, que me lembro mais. Não entendo estes fenómenos da memória. Talvez estejam ligados a alguma maturidade, dizem, e eu acredito, ou talvez o processamento que é feito das coisas da vida, seja um bocadinho parecido ao processamento dos alimentos, nutrientes e vitaminas, não sei... lentamente, depois da degustação, muitas horas depois, a absorção é feita, vitalizando, nutrindo, fortalecendo com o que é importante... as minhas amigas cósmicas dir-me-iam agora que sim, tudo é esta energia que pulsa na mesma direção e com a mesma intensidade... é engraçada esta ideia que não aprofundo! E sim, uma das coisas que o meu pai nos dizia era que quando acabávamos de ler um livro, devíamos saboreá-lo, apreendê-lo, processar a sua informação para ver que eco tinha em nós e isto, era imperioso fazer-se antes de começar a ler outro. A minha adição aos livros nem sempre me permite fazer isto, mas sinto esta recomendação como sábia e estou exatamente agora neste processo de absorção de informação e processamento, depois de ler DENTRO DO SEGREDO de José Luís Peixoto, Quetzal Editora. É um exemplar de literatura de viagens e é interessante o contraponto que o autor faz entre uma realidade forjada que lhe é apresentada a todo o instante e a sua própria realidade. Logo aí se percebe a sua opção: a escolha entre interpretar a realidade por um lado, ou por outro, (...) a escolha entre um olhar crédulo, ou desconfiado, benevolente ou maldoso... (p.p 146)

Os segredos... 

Às vezes sinto um peso grande, como se os meus ombros quase tombassem perante a força do que se quer dividir comigo quando me contam um segredo importante, especial, único, doloroso, sofrido, ou feliz. Aceito-o, ao segredo, como uma pecinha a mais dessa pessoa, que colo juntinho às outras que dela tenho. Normalmente, essa pessoa é especial e então, o segredo fica especial também. Outras vezes não sinto nada de especial quando me contam UM SEGREDO porque intuo rapidamente que o suposto segredo que me contam não é assim tão importante e, tal como me foi contado, também o terá sido a duzentas outras pessoas, embora de maneira diferente que o faz parecer único e então, esse segredo, transforma-se assim em qualquer coisa sem sabor, sem a magia das coisas e das pessoas importantes; ou acontece também o segredo ser falso, não ser autêntico, ser montado, forjado para parecer verdadeiro, porque é aquela imagem/realidade que se quer transmitir. Graças a Deus nesta última opção não me revejo muitas vezes. Acho que sou afortunada por fazer parte da vida de muitos segredos que acho verdadeiros, importantes, especiais, únicos, dolorosos, sofridos, ou felizes, como aqueles próprios dos grandes amigos e/ou cúmplices, como são os amigos e amigas verdadeiros, os companheiros, companheiras, namorados, namoradas, maridos, mulheres, irmãos, irmãs, mães, pais, ou todos os outros e outras que a nossa forma de vida quiser fazer encaixar na força das coisas
Acredito que a nossa sensibilidade nos fará sempre saber filtrar o segredo que nos contam e dar-lhe a importância que ele tem, guardando-o como a um tesouro, ou mandando-o para cantinhos menos importantes da nossa memória e maneira de estar. 
Acredito mesmo que, tal como o autor deste último livro que li relata, os segredos, quando fazem eco em nós, ajudam a que o nosso mundo faça mais sentido.

terça-feira, 20 de agosto de 2013











MODO VIDRINHO... quase cristal!


Dormi muito mal por causa do calor. Sim, sei que sou dependente do ar condicionado, refrigerado, climatizado, ou qualquer outra coisa acabado em "ado", mesmo que seja só refrescado, e então, dei voltas e voltas e voltas na cama sem conseguir dormir, o que é uma coisa que me irrita, porque, normalmente, é de imediato. Comecei a ficar irritada... o meu mais-que-tudo, dormia a bom dormir, indiferente a um ar que não se deixava respirar e eu, lá estava, efervescendo aquela irritação miudinha, que se ia tornando cada vez maior, à medida que a madrugada avançava. Resolvi vir deitar-me cá fora numa rede que temos pendurada na sacada desta casa que nos acolhe parte das férias. Essa rede balança-nos as sestas deliciosamente e foi aí, enlevada naquele embalo acompanhado de uma suavezinha brisa noturna e do barulho do mar lá ao fundo, que me fui deixando levar, adormecer lentamente. Claro que não foi um sono reparador, foi assim como que meio anestesiado, sensível aos barulhos que uma sacada, quase-rua não filtra, ouvia muita coisa que me ia fazendo acordar e fazendo mudar, oportunamente, de posição, mas tornou-se fresquinha esta noite, balançada, diferente... Amanheci meia estremunhada, claro, com vontade de ir lá para dentro para a cama grande, mas aí já não dava... barulhos diurnos, uma vida que se instala à porta de casa, o frenesim próprio do mar e da praia quase cá dentro, os miúdos a gritar, a solicitar, o calor a apertar e a apelar-me para um mergulho direto, ao qual não resisti...
Não sei se foi por isso, mas a falta de descanso fez-me estar toda a manhã meia angustiada, com uma lágrima fácil, pronta a sair, acompanhada de um tom de voz embargado, em modo vidrinho, quase de cristal... Uma sucessão de pequenos azares sem grande monta terão tido aqui algum peso, reconheço, mas não podiam explicar a onda nostálgica que me invadia! Esses azares não eram suficientes, até porque são inconsistentes quando postos ao lado das variadas e grandes e enormes sortes que tenho na vida e das quais tento sempre nunca me esquecer!! Mas a nostalgia persistia, envolvendo-me como um nevoeiro que, sem ser cerrado, me ofuscava o sol... 
Decidi aceitar esse nevoeiro em vez de lutar contra ele... para quê estar sempre em modo felicidade/boa disposição/sorriso/desembaraço/altruísmo? Fui ficando melhor, como se mal  tivesse  desistido de lutar, me viessem levezas de novo e a nuvem foi-se dissipando, ao sabor também dos amigos e da descontração própria do Verão... 
Sim, talvez fosse isso, mas claro, sei que a maior razão, a central de todas elas, aquela que estava lá no fundo, inconsciente, quase impercetível, mas muito viva para mim, era a já longa (para mim) ausência de uma das minhas filhas que chegaria hoje!!! Essa sim, era a razão do modo vidrinho all day long!!!
E pronto, ela chegou, sã e salva e feliz e de alma cheia e cansada e jovem e maravilhosa e com fome e com saudades de todos e com o seu jeito semi-docirezingão (palavra inventada agora...) e eu fiquei completa!!!!

Ai, ai, sei que isto foi uma pequena amostra de ausências que o futuro ditará e que a vida LHE ditará, mas pronto, isso é para depois, agora só quero mimá-la e querê-la só para mim e para os meus, debaixo da minha asa que sei que é grande e protetora, como a de uma coruja que olha em todas as direções para proteger os filhos, como já disse aqui (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2012/11/maes-corujas-e-muito-comum-em-jardim-de.html),
sentindo-me gratificada por ter cá dentro, a pulsar, um coração elástico (...), que me faz sentir, a 1000% um amor igual e desmedido por cada um dos meus filhos...( http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/03/coracao-elastico-e-parede-de-espuma.html).
Um beijo filhota!!!



sexta-feira, 16 de agosto de 2013





VERDADES DE LA PALISSE


É engraçado o que se observa num supermercado, seja nas filas das caixas, seja à espera dos atendimentos. Hoje, bati de frente com uma dessas sérias verdades, tão verdade como as de La Palisse...
Estava em jejum e era imperioso que comesse depressa, mas tinha decidido fazer as compras cedo, deixando a família toda a dormir ainda. Por isso, saí pé ante pé, antes que alguém desse por mim. O dia seria cheio e isso fez com que, um pouco empurrada pela necessidade, lá me tivesse decidido a ser das primeiras a entrar no dito supermercado para enfrentar um carrinho de compras, daqueles típicos de uma casa cheia de gente faminta, sempre! Resolvi ir tomar o pequeno-almoço na própria cafetaria do dito recinto para poupar tempo, julgava eu, já que era urgente que ingerisse cafeína, na esperança que essa me suavizasse um pouco o humor... não sou ninguém antes de beber o primeiro café da manhã!!... Lá chegada, eis a primeiríssima e inesperada  fila de gente que tivera a mesma ideia que eu! Bem, restava-me esperar, pensei, mas não pude deixar de sentir uma ligeira nervoseira (esta palavra existe?), como se não estivesse à espera e quisesse já despachar-me, mas que chatice, olha que isto, agora ainda tenho que esperar... 
Estavam três, ou quatro pessoas à minha frente e nenhuma delas parecia ter uma vida agitada, já que se prolongavam em demoras dignas de uma observação atenta: uma senhora idosa acompanhada de uma amiga que lhe estava a guardar a mesa preferida como se não houvesse outra, um senhor também idoso acompanhado de uma garota, talvez neta, ou sobrinha, que se ria muito das graçolas que ele levava o tempo todo a dizer, olhando depois à volta para ver se via nos outros olhares cúmplices de quem acha graça ao que ele dizia e um rapaz com um ar absolutamente zen que não sabia a diferença entre uma carcaça e uma baguete. Era portuguesíssimo sim senhor, mas não sabia e a funcionária explicava-lhe com uma mímica engraçada e expressiva, mas ainda assim não ia lá, o que a obrigou, solicitamente, a ir lá dentro, não sei onde porque demorou, (só sei que entrou por aquelas cortinas cerradas, de plástico, às tirinhas...) buscar ao vivo, uma dita baguete e uma dita carcaça, para que ele as visse e decidisse o que queria! Tudo isto ia levando eternidades, achava eu, mas para quê tanta simpatia, bolas, umas são de mais e outras de menos, exasperava eu! Ai o que a falta do café faz.... Eis que chega a minha vez... peço o que tenho a pedir, correspondo ao sorriso simpático da funcionária simpática e expressiva (consegui lembrar-me, mesmo em jejum, da recetividade que sinto sempre à simpatia dos outros!!), pago o que tenho a pagar e vou para uma daquelas mesinhas sem cadeiras, redondinhas, no meio dos caminhos, mesmo para comer em pé... Aí ainda vejo o velhinho que tentava ser engraçado a voltar ao balcão, com o galão na mão, já meio bebido e a pedir à menina (como ele dizia) que é tão simpática, que lhe ponha mais duas bolinhas de adoçante que assim está meio amargo... mas já bebeu quase metade, assim mais vale um pacotinho de açúcar, diz ela quase zangada, mas oh querida, assim fico com um amargo de boca, vá lá não seja assim!!! Lá foi ela outra vez lá dentro das cortinas de plástico buscar a embalagem do adoçante e lá voltou e lá estava na mesma outra fila de gente à espera! Agora, já eu observava de cafeína nas entranhas, suavizando-me o humor e já um ligeiro sorriso para dentro pude esboçar, rendendo-me ao fenómeno sociológico da questão! Talvez este momento do dia seja a hora social de muitas daquelas pessoas, o seu almoço ou jantar fora, a sua ida ao cinema, o seu passeio... talvez para muitos estes momentos sejam de deleite assim, puro e simples e não de pressa e confusão como para mim, mas, confesso, mesmo assim temperada e condescendente devido ao efeito da cafeína em mim, de certeza, não me atrevi a voltar ao balcão e a pedir à funcionária simpática e solícita que me embrulhasse a metade do pão que pedira e que não conseguira comer toda, receando que isso a fizesse desaparecer para dentro das cortinas de plástico à procura de um saquinho de papel onde eu o pudesse pôr!!! E assim, o acabei de engolir...



domingo, 11 de agosto de 2013



PIRRALHO




Estava lá sentada há muito poucos minutos, à espera que me trouxessem o café que pedira. O calor era medonho e ainda bem que vinha lá de baixo, da beira-mar, uma brisa fresquinha e suave que aligeirava a questão. Sentei-me à sombra, num puff que me aconchegou o momento. Por instantes estava sozinha e detive-me a observar à volta o que me rodeava. As posturas diferentes das pessoas, na praia, as idas e vindas para a água, a forma como se reúnem em grupos, as linguagens corporais que se assumem de relação com o corpo e de relação entre o corpo e o resto tudo que as envolve  e é sobretudo engraçado ver o que se observa com calma, quando temos tempo, quando o tempo não corre atrás de nós, sempre a dizer-nos o que fazer a seguir, quase em modo consciência, como o grilo do Pinóquio...

Os meus olhos seguiam nesta sinalética sem rumo certo, quando me detive a olhar para ele. Era um pirralho no meio de todos os outros, muito maiores que ele, mas fazia equipa, disputava a bola, rematava e lançava a preceito, sem rodeios, ou alguma timidez inesperada que lhe refreasse o estímulo. Sei que tem uma loucura por futebol, porque falo do meu caçula e portanto esta eficácia nas jogadas não me surpreendeu... o que me surpreendeu foram os cumprimentos, os gestos que ia fazendo no decurso do jogo. Este pirralho, saltava para o colo e costas dos outros recém-desconhecidos, cumprimentava-os com palmadas cúmplices e universais entre jogadores, como se se conhecessem há muito, gritava-lhes frases e/ou expressões de incentivo, dinamizando uns e outros e o próprio jogo e ESQUECEU-SE completamente de nós e das irmãs durante aqueles mais ou menos longos minutos em que durou o jogo de futebol naquela praia. Ele regateia muitas vezes a vinda para esta praia e eu sei que é pelas balizas que lá existem, onde estava, então a jogar.
Não reparei como se despediu dos seus recém novos colegas de equipa e ex desconhecidos, já que a sinalética do meu olhar seguiu naquela calorenta anestesia que aquele bar de praia me fez sentir, distraindo-me para outras coisas e também porque os breves momentos em que estive sozinha foram isso mesmo, breves e efémeros, devolvendo-me à minha vitalícia condição de mãe, mas sei que aquela breve observação que fiz daquele jogo daquele desporto a que todos chamam de REI me fez pensar que, de facto, é tão fácil entendermo-nos uns com os outros e que, de facto, há tantas linguagens universais que não passam pela voz, língua, ou palavras/frases/expressões orais... há linguagens que são mudas, mas que dizem tanto, da nossa natureza, da nossa capacidade, da nossa aptidão mais natural para a relação com os OUTROS, mesmo que isso se veja só num pequeno jogo de futebol de praia, entre um pirralho e outros grandalhões!!!


terça-feira, 6 de agosto de 2013





RUGAS DE EXPRESSÃO


A pessoa mais nova da mesa, para além de mim, tinha 80 anos e estivemos animadíssimos toda a noite. Eu adoro velhinhos. Não sei se tenho uma vocação escondida para a geriatria, mas encanta-me tudo o que dizem, as recordações que têm, a sabedoria que mostram nas pequenas coisas, as comparações que vou fazendo enquanto os oiço das realidades que relatam dos seus passados distantes e da VIDA DE AGORA. Enquanto lá estive à conversa com todos eles, tive pena que o meu mais-que-tudo estivesse ocupado numa outra conversa, noutra mesa, ou que as minhas duas filhas adolescentes também não estivessem disponíveis ali na hora para ouvir aquelas realidades tão distantes, mas tão recordadas, com tanto pormenor, tanta realidade, tanta clareza, tanto sentido de humor, como se o PASSADO, contado no PRESENTE, desse mote para o FUTURO.
São todos meus tios e tias avós, irmãos e irmãs da minha avó materna, que era a mais velha e que foi a que morreu mais nova, primeiro que todos os outros. Só uma outra irmã também já faleceu, pois os outros, restam quase todos, do alto dos seus 80 e muitos e 90 e tantos anos, cheios de lucidez, boa conversa, sentido de humor! Faltava lá uma tia, a mais nova, que não esqueci naquele momento e que foge a esta regra de lucidez e boa saúde, mas os desígnios da vida são mesmo assim, alheios à nossa vontade e intenção, mas lembrei-me dela naquele bocadinho, com muita força!
Gostei tanto daquele pedaço de tempo em que ali estive com todos eles e, tal como acontece sempre que vamos enchendo a alma de momentos assim, quis que todos os meus mais queridos ali estivessem também, sentindo aquilo que eu estava a sentir, mesmo que de outra forma, menos intensa, talvez, que eu sou assim, dada às nostalgias piegas, mas pronto, sentiriam, ou partilhariam comigo aquele pedaço de vida cheia, disso não tenho dúvidas!
Creio que é uma graça chegar a idades tão provectas assim, cheios de lucidez e inteligência, mesmo que as maleitas do corpo deformem tudo aquilo que nos reveste, que é físico e visível aos olhos dos outros. Então, ter um corpo velhinho que já precisa de bengalas ou outros acessórios de ajuda, ouvir mal, ver pior, ter muitas rugas de expressão que parecem  tapetes de pregas caídos no rosto, mas manter a conversa, a eloquência, o sentido de humor, será um fortúnio que não é para todos e eu, pela parte que me toca, senti-me abençoada por estar ali, naquele bocadinho e poder ser uma testemunha viva disso mesmo e sentir que um bocadinho daquelas memórias todas, foi passando pela história, pondo uma perninha em cada uma das gerações que os seguiu, vindo direitinha até mim!! Como se cada uma das rugas de expressão me dissesse qualquer coisa ao ouvido. E então, sem forçar, acolho essas memórias com ternura, delicio-me a ouvi-las e respeito-as muito, já que, o futuro só começa amanhã....

sábado, 3 de agosto de 2013





Hemisfério direito... OBRIGADA!!!





Enquanto adolescente e jovem, a ideia que fui construindo de ARTES, era uma ideia que passava por ESCULTURAS, PINTURAS, DESENHOS... 
Era uma ideia infantil, claro está, pouco consistente e sem a maturidade e largueza próprias que a idade adulta deve trazer. Admito que aí, nessa área, a nossa escola estava (e ainda vai estando), mal preparada, já que a educação para as artes se resumia às aulas de Educação Visual e de Trabalhos Manuais, como se chamava na altura. Tudo o mais que estivesse relacionado com esse assunto passava pela predisposição maior, ou menor da família, ou da envolvência de cada um para cultivar esta área, indo a exposições, apostando no cinema, na leitura, no canto, na música, priorizando esta vertente como pilar importante na educação dos filhos. 
Penso que tive a minha dose equilibrada disto tudo. Sem ser oriunda de um meio familiar que fosse exageradamente adepto desta área, beneficiei do privilégio de ter tido uma educação transversal, aberta a todas as formas de conhecimento, em que esta área artística tinha o seu lugar q.b, assumindo-se como um decalque que ficou para a maioridade, tornando-me numa pessoa sensível às variadas formas de arte que existem e então, sem ser expert, sou sensível à música, à fotografia, ao cinema, à pintura... Dizem que os canhotos têm o hemisfério cerebral direito mais operacional/desenvolvido e é nele que está o epicentro da sensibilidade para as cores, para o canto e música, para a expressão artística, para a criatividade, para o sentimento e emoções... Pois e sou canhota, sim senhor e agora? Talvez isso me tenha predisposto tanto para estas outras formas de linguagem... 

E hoje, ao fim da noite, depois de um jantar maravilhoso de família e amigos, onde se bebeu café ao luar, com o barulho da estrada lá muito ao fundo, sem atrapalhar, com um tal amigo de que já falei aqui neste blog (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/01/pedacinho-de-ceu-hoje-o-dia-seguiu-numa.html), que é uma pessoa que tem o condão de me encantar, precisamente porque tem outras formas de linguagem que tanto prezo e que as impregna de determinação, segurança e doçura, falou-se no poder que a arquitetura tem de falar, referindo-se, a propósito disto que os espaços, os símbolos, os lugares também falam connosco, gritando-nos mensagens que devem ser ouvidas, mesmo sem vozes humanas!
Deduzo que só alguém com uma grande inteligência emocional poderá dizer isto, que considero absolutamente verdadeiro. E assim se explicará o efeito que os espaços têm em nós, deixando-nos mais ou menos soltos, livres, oprimidos, ou sufocados...
Será que sou um bocadinho artista também por ter sido tão sensível a isto e por ter logo, no momento, feito uma lista mental e ultra rápida de espaços assim, onde me sinto mais ou menos bem e de lembrar em cada um deles essa linguagem dos símbolos, da arquitetura? Talvez, quem sabe, o meu hemisfério direito me essa porçãozinha de arte e eu... agradeço, porque, como dizia Anatole France,  o artista deve gostar da vida e mostrar-nos que ela é bonita....