PIRRALHO
Estava lá sentada há muito poucos minutos, à espera que me trouxessem o café que pedira. O calor era medonho e ainda bem que vinha lá de baixo, da beira-mar, uma brisa fresquinha e suave que aligeirava a questão. Sentei-me à sombra, num puff que me aconchegou o momento. Por instantes estava sozinha e detive-me a observar à volta o que me rodeava. As posturas diferentes das pessoas, na praia, as idas e vindas para a água, a forma como se reúnem em grupos, as linguagens corporais que se assumem de relação com o corpo e de relação entre o corpo e o resto tudo que as envolve e é sobretudo engraçado ver o que se observa com calma, quando temos tempo, quando o tempo não corre atrás de nós, sempre a dizer-nos o que fazer a seguir, quase em modo consciência, como o grilo do Pinóquio...
Os meus olhos seguiam nesta sinalética sem rumo certo, quando me detive a olhar para ele. Era um pirralho no meio de todos os outros, muito maiores que ele, mas fazia equipa, disputava a bola, rematava e lançava a preceito, sem rodeios, ou alguma timidez inesperada que lhe refreasse o estímulo. Sei que tem uma loucura por futebol, porque falo do meu caçula e portanto esta eficácia nas jogadas não me surpreendeu... o que me surpreendeu foram os cumprimentos, os gestos que ia fazendo no decurso do jogo. Este pirralho, saltava para o colo e costas dos outros recém-desconhecidos, cumprimentava-os com palmadas cúmplices e universais entre jogadores, como se se conhecessem há muito, gritava-lhes frases e/ou expressões de incentivo, dinamizando uns e outros e o próprio jogo e ESQUECEU-SE completamente de nós e das irmãs durante aqueles mais ou menos longos minutos em que durou o jogo de futebol naquela praia. Ele regateia muitas vezes a vinda para esta praia e eu sei que é pelas balizas que lá existem, onde estava, então a jogar.
Não reparei como se despediu dos seus recém novos colegas de equipa e ex desconhecidos, já que a sinalética do meu olhar seguiu naquela calorenta anestesia que aquele bar de praia me fez sentir, distraindo-me para outras coisas e também porque os breves momentos em que estive sozinha foram isso mesmo, breves e efémeros, devolvendo-me à minha vitalícia condição de mãe, mas sei que aquela breve observação que fiz daquele jogo daquele desporto a que todos chamam de REI me fez pensar que, de facto, é tão fácil entendermo-nos uns com os outros e que, de facto, há tantas linguagens universais que não passam pela voz, língua, ou palavras/frases/expressões orais... há linguagens que são mudas, mas que dizem tanto, da nossa natureza, da nossa capacidade, da nossa aptidão mais natural para a relação com os OUTROS, mesmo que isso se veja só num pequeno jogo de futebol de praia, entre um pirralho e outros grandalhões!!!
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