domingo, 30 de dezembro de 2012

 
 
 
 
MENINO BONITO
 
É um rapaz lindíssimo, moreno, com o cabelo muito escuro, encaracolado, um sorriso aberto e muito meigo, uns olhos amendoados também escuros e uma irreverência que, acho, lhe fica bem. É o retrato de um rapaz bonito, muito bonito, com qualquer coisa de maravilhosamente exótica, misturada com uma doçura de trato, à qual sou sempre sensível. É desportista, moderno, culto e responsável. A irreverência que o caracteriza é como todas as irreverências que, quando em doses certas, são atraentes, saborosas, dão um quê de exentricidade que sempre me encantou e que, acredito, encantará também a muitos outros. É uma irreverência que não o afastou de um percurso académico normal e meritório, sempre concluído em cada ciclo com distinção e facilidade, o que lhe foi abrindo portas, fazendo espreitar oportunidades que não caém do céu, surgem, muitas vezes devidas a muito trabalho e a uma competência que se adivinha desde cedo. Tudo isto, parceiro de alguma sorte, mas também da responsabilidade, cultivada desde cedo por seus Pais. Para eles também o mérito, muito mérito! Este mérito, fê-lo ter algumas experiências várias relativas à sua formação e trabalho, algumas delas fora do País, o que, sendo hoje cada vez mais comum, pela falta de oportunidades que existem cá, é sempre, acho, um passaporte para uma visão diferente do mundo, das coisas, das pessoas, das gentes, sabores, saberes, cheiros, calores, ares e tal e tal, que nos faz maiores, com olhos de gigante para perceber aquilo que não cabe cá, neste retângulo pequenino, que pode também tornar pequeninas as nossas visões... por isso é tão importante "ir para fora", ver, ouvir, saber outras coisas, oferecidas aos sentidos pelas idas, as físicas e aquelas que são também dadas pela leitura, por exemplo, que é uma VIAGEM encantadora onde podemos também embarcar, que nos leva para fora de nós... Mas, voltando ao "protagonista"... a paixão que mostra pela vida, materializou-se também através de alguém que conheceu numa das suas idas e vindas. A maravilha da sua juventude, fê-lo abraçar esse amor pequenino que foi crescendo, arriscando, tentando sobreviver à distância, às dificuldades, às diferenças culturais, ao tempo que ia passando... e ele arriscou.  Depois de algumas intempéries, decidiu e atravessou um oceano, indo atrás deste amor, propôs-lhe um projeto de vida, ofereceu-lhe um amor maior, aquele que ele próprio lhe poderia dar. E este amor, na sua total liberdade, recusou!
Esta história nada terá de extraordinário para todos e será igual a tantas outras que lemos nos livros, vemos nos filmes, mas quando ma contaram, fiquei embevecida por este rapaz que me diz tanto, e pela coragem e romantismo que teve ao ARRISCAR. A pessoa do amor deste rapaz, é-me completamente indiferente, não a conheço e não a julgo, pois terá as suas razões que, para ela, serão legítimas também. Calculo que nem ele próprio a julgue e sei que isto será uma aprendizagem muito válida, que o fortalecerá. Mas hoje, nesta reflexão quero centrar-me só no gesto que ele teve: risco, projeto, aposta, coragem, amor! Hoje, nesta reflexão, quero dizer-lhe que o que ele fez é digno de uma história de amor dos maiores e melhores escritores, ou guionistas, pois o amor será sempre intemporal e será sempre retrato das nossas vidas, tão banais, mas com tanto para refletir (já disse mil vezes que sou uma romântica!). Quero dizer-lhe que nunca se poderá prever tudo ao milímetro, todas as voltas, voltinhas, curvas e desvios que a vida sempre terá e que, por isso, se tem mesmo que arriscar, às vezes. E hoje, quero dizer-lhe também, na minha total liberdade, que acho que a pessoa do seu amor não o merece, pois o amor, aquele de que se está a falar aqui, exige risco (nem sempre com doses bem calculadas...), aposta, confiança e algum arrojo! Hoje quero dizer-lhe que tenho a certeza que a sua irreverência e romantismo sempre o irão acompanhar e caracterizar e que o completarão, como homem, numa vida de mérito e responsabilidade, mas será ao lado de alguém que feche os olhos, lhe dê a mão, respire fundo e o acompanhe, mesmo que com algum receio, mas com muita, muita confiança... lado a lado, como marcas deixadas na areia...
BOA SORTE, menino bonito que me diz tanto!!!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

 
 
 
 DOCE CLICHÉ
 
Todos os anos é a mesma coisa, é como se de um cliché se tratasse... uma ideía que se repete, as mesmas palavras de sempre, expressões que, de tão utilizadas e repetidas, quase se desgastam e se afastam do significado original... assim parece que se vive o Natal, aquele que nos circunda por todo o lado. Sinto sempre uma certa anestesia, nestes dias, sobretudo naqueles que o  antecedem. Aliados a esta "dormência", um certo nervoso miudinho e muita, muita falta de paciência (cada vez mais...) para tudo o que constela à volta da quadra: compras, correria, campanhas de boa-vontada, peditórios, etc, etc, etc. Ouve-se dizer (e penso que é um dado quase científico!) que a idade nos vai alterando. Céus, então devo mesmo estar a ficar velha, diferente... ou então, mais seletiva com o que realmente me importa, não sei! Sinto até um certo alívio quando tudo passa, quase como se o voltar à velha rotina de todos os dias, fosse um remédio certeiro para a normalidade da vida, que é tão boa, tão terapêutica, tão feliz!
Por outro lado, "feridas antigas" reecruscedem nesta quadra, exarcebando-se de tal forma que quase tomam conta de mim... uma saudade grande, grande de tesouros que já não tenho e que fizeram (e fazem!) parte da minha vida, da minha história, uma nostalgia que paira no ar à minha volta, enfim, uma atmosfera de "lágrima ao canto do olho", só interrompida pela agitação própria de três vendavais que vivem comigo e de um ombro enorme, quentinho e saboroso  que me acompanha e ampara quando fragilizo! Esta sensação de segurança contrabalança a outra, de alguma tristeza e olho vezes sem conta para um presépio pequenino que tenho na sala, feito com figuras de barro pintadas de cores alegres, com uma velinha acesa sempre ao centro e centro-me (tento, com força!) naquela simplicidade ali retratada e assimilo que essa deve ser a mensagem de todos os Natais... tão simples, tão fácil, tão feliz, tão gratuita...
E assim vivi estes dias: um pouco afastada da rotina e "pairando" por aqui...
E ao reler o que acabo de escrever, pergunto-me se não estarei a ser exigente demais... se calhar, a melhor maneira de serenar será aceitar tudo isto, sem procurar uma exuberância de sentir, que nem sempre se consegue ...sentir!
E assim, aceitando esta "resmunguice interior" e deixando de lutar contra ela, fico talvez preparada e não posso deixar de sorrir e de agradecer (muito, muito!) perante aqueles clichés tão verdadeiros e nada prejurativos: o passear na praia todos juntos, o tirar fotografias palermas sem sentido, o beber café nos mesmos sítios saborosos de sempre, o sentir daquele sol de Inverno delicioso e daquele ventinho, irmão da brisa, o acordar mais tarde com mais alguns de nós enroladinhos uns nos outros, tipo "salsicha em lata", o ver filmes antigos, ou novos no sofá da sala, o fazer e inventar receitas de Natal, o inalar de cheiros conhecidos, o acender a lareira, o andar de pantufas todo o dia, o ler livros pendentes, ou descobrir novos, o burburinho constante de uma casa sempre cheia de gente!
E aí, quando faço isto, parece que a mensagem feliz daquele presépio pequenino se agiganta e toma agora conta de mim, e pergunto, "cadê a lágrima teimosa?"
Um sorriso natalício para todos...
FELIZ NATAL!
 


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

 
 
 
TRISTEZA FUNDA
 
 
Nesse ano tive um grupo muito giro, com crianças maioritariamente de quatro anos, mais pequeninas portanto, que o normal. Eram mais meninas que meninos e a maioria delas muito coquete, lembro-me bem. Muito extrovertidas, amiguinhas algumas desde a creche, "despachadas" e muito autónomas. ELA ERA UMA DELAS. Lembro-me em especial dela porque era mesmo das mais novinhas, já entrou tarde, tinha acabado de fazer quatro aninhos. Tinha o cabelo escuro, liso, cortado a direito com uma franjinha; usava sempre um ganchinho de cada lado e era muito feminina: trazia muitas vezes bandoletes diferentes, casaquinhos a condizer, era uma bonequinha. Fazia algumas birras, lembro-me que era das mais mimadas, talvez por ser das mais pequeninas do grupo e por nunca ter frequentado Jardim-de-Infância nenhum. Os Pais eram muito ocupados, mas presentes, preocupados. Apesar de não aparecerem muito por lá, (tinham um negócio por conta própria) mostravam-se presentes, faziam-se sentir e notar e eu simpatizava com eles. Eram práticos e dinâmicos. Ela tinha um irmão bebé que aparecia na cadeirinha, ou ao colo da mãe, sempre à pressa.  Esta menina ficou inscrita na minha memória, não por nada em particular, mas porque estava inserida num grupo que me disse muito, com o qual estive três anos, num Jardim-de-Infância e escola onde me senti sempre muito bem e onde conheci colegas para a vida! (lá está, a "variedade forçada" do meu percurso profissional, vai-me dando estes apontamentos de cor, como já tenho referido por aqui...)
Essas minhas voltas profissionais, levaram-me dali e perdi o contacto diário com estes meninos e meninas, embora, curiosamente, desses anos tenham ficado outras ligações consequentes extra vida profissional: a cabeleireira, a esteticista e outras pessoas desses tempos... que ficaram! Soube mais tarde, e já noutra escola que ELA tinha sido atropelada violentamente e que esteve em coma muito tempo. Lembro-me que na altura senti um choque,  - Meu Deus, que horror, coitadinha da miúda e dos Pais, mas que coisa, como foi? Esse choque, que adveio da brutalidade do que me contaram, foi no entanto filtrado pela distância a que estava... tinham passado alguns anos, lembrava-me perfeitamente dela e dos Pais, mas parecia-me despropositado ligar, dizer alguma coisa, parecia que a "lonjura" de tempo em que tinha estado com ela, me afastava de um propósito que poderia, noutras circunstâncias, parecer normal. E nunca telefonei... Ía sabendo dela por colegas dessa cidade (o mundo é tão pequenino!) e continuava a pensar muito, sobretudo, nos Pais, mas nunca telefonei! A mãe "passava-me" no pensamento, muito esporadicamente e acho que essa "passagem" era sempre de ternura, mas nunca parava muito para pensar nisso...
Hoje, sentada numa esplanada da minha cidade, vi passar a mãe, com o irmão, que já não é bebé e que já não vem na cadeirinha, ou ao colo. Reconheci-o logo, tem as mesmas bochechas gorduchas e a mãe, bonita e bem arranjada, olhou-me com um sorriso tão largo e espontâneo que soube instantaneamente ser verdadeiro! Desviou-se da sua rota e veio ao meu encontro. Abraçou-me e o "neurónio paralelo" do meu cérebro, ao mesmo tempo daquele abraço, pensou,  - que curioso, não a imaginara nunca tão efusiva, parecera-me sempre uma mãe relativamente distante!!! Sorria quando falava comigo e, mais ou menos 10 segundos depois da conversa ter começado, com aquelas frases de circunstância inevitáveis, do como está?, há tantos anos!!!, então?... escorreram-lhe duas grossas lágrimas daqueles olhos brilhantes, vindas do fundo de uma tristeza sem medida, assim que começou a falar DELA. Que sim, saíra há tempos de um coma prolongado, que sim, já vai falando, reconhece os mais chegados, às vezes parece que fala mesmo para percebermos o que quer dizer, mas o andar, Paula, esse está difícil, nunca mais será a mesma... Ao mesmo tempo que a ía ouvindo, apetecia-me perguntar-lhe como fora, em que fase está o processo do atropelamento, como aguentaram tudo isto, como reagia o irmão, como não percebia eu própria o porquê de nunca lhe ter ligado... mas não consegui... fixei-me nas outras e outras e outras lágrimas que lhe saíam, mas no sorriso ao mesmo tempo e fiquei esmagada quando me disse, do alto do seu coração de mãe que se lembravam muito dos meus tempos de Educadora da filha e que ELA gostava muito de mim. Esta mãe, do fundo da sua tristeza conseguiu dizer-me isto e eu ali, sem ela saber, prometi a mim mesma que nunca mais,  apesar das distâncias em tempo e em espaço, ficaria com alguma coisa para dizer!
É para ELA e seus Pais que me apetece GRITAR hoje, FELIZ NATAL e muito obrigado por me mostrarem que há gente tão corajosa, apesar da tristeza!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

 
 
NO FUNDO DA ÍRIS
 
Todos os anos é a mesma coisa nesta altura do ano: agitação por todo o lado, luzes, música de fundo nas ruas, gente de um lado para o outro, pressas, um frenesim interior que nos vai anestesiando, festinhas e festarolas em todo o sítio com a justificação do costume: é Natal, é Natal!... E assim se vai passando,sem darmos por isso, esta quadra! Depois, na televisão, os mesmos filmes e/ou séries do costume (ontem deu o "Sozinho em casa" outra vez, dá para acreditar?), as mesmas notícias, a mesmas reportagens sobre a Lapónia, os meninos e meninas que uma, ou outra Associação lá conseguem levar, as mesmas músicas de Natal nas rádios, as mesmas compilações de êxitos, ou pseudo-êxitos natalícios, o mesmo elencar de iniciativas de caridade, boa-vontade, altruísmo, ajuda aos sem abrigo, sem família, sem.... NADA!!!
Sempre me senti um pouco perdida com isto tudo! Sempre me fez confusão todo este agitar à minha volta, mas, paradoxalmente, nunca consegui fugir dele, afastar-me, ou rejeitá-lo. É como ser levada por uma corrente gigantesca, da qual me apercebo, mas contra a qual não posso (ou não consegui ainda...) lutar. É um barulho constante, constante e o barulho, às vezes, não deixa pensar...
Por estes dias, junto a tudo isto um olhar triste nas pessoas. Tenho parado em pequenos "flashes" para olhar para o ANÓNIMO ao meu lado, na rua, na fila do supermercado, nos cafés, nos semáforos, nas filas de trânsito e há qualquer pontinha de sombrio lá no fundo das íris! Aquela sensação de ambiente natalício contangiante de que falo nas primeiras linhas deste texto, é a mesma sensação viral que se sente nas pessoas. Parecem-me quase todas tristes! De facto, aquilo que se relata, aquilo que sabemos, ou que nos é dado a saber pelos media, aquilo que achamos que é vivido pelas pessoas como consequência destes tempos economicamente muito difíceis, será a pontinha minúscula de um iceberg de dificuldades que toda a gente, de uma maneira, ou de outra vai sentindo, por estes dias. Mesmo se olharmos para os "fundinhos" das íris todas, nunca poderemos saber a dimensão das dificuldades e sofrimentos de muitos que se viram/vêm sem emprego, sem nada do que tinham, que às vezes já era tão pouco...
Ninguém, de uma maneira ou de outra, poderá estar imune a isto! É um mal muito maior que nós, completamente alheio à nossa vontade ou poder de mudá-lo, é como se vivessemos todos num "espartilho" de forças que são apertadas por outros, que não nós...
Não sei como ultrapassar isto, ou como ignorar esta sensação de impotência que me/nos assola também de vez em quando, apesar de me esforçar por elencar os momentos felizes e de achar sempre que são muito mais que os outros; mas é verdade: esta "tristeza flutuante " anda no ar e contagia-me também, aos pedacinhos... E aí, mesmo sem saber muito bem o que fazer, porque a anestesia às vezes é geral e leva-se tempo a acordar, mesmo sem saber se irá resultar, mesmo estando eu própria a sentir um bocadinho da tristeza que vejo nos outros, apetece-me "mergulhar" para o fundinho dos olhos deles e dizer-lhes que ÍRIS também quer dizer "borboleta diurna que vive em choupos, ou salgueiros e cujo macho mostra, nas asas, reflexos de cor, ou pó aromático obtido de algumas plantas, ou conjuntos de faixas coloridas que circundam as imagens fornecidas pelas lentes, ou ainda, uma variedade de quartzo irisado, considerado pedra preciosa. E assim, fico um pedacinho menos triste, porque acredito que o vírus passará e as coisas boas continuarão a ser as maiores!


(Definições de Íris, retiradas de Dicionário de Língua Portuguesa, 5ª edição, PORTO EDITORA)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

BEATRIZ
 
O seu bisavô paterno terá sido um homem alto, loiro, muito culto, auto-didata e pai de uma família numerosa. Dizem-lhe as tias avós que era parecido com um ator de cinema... Provavelmente terá "bebido" desde cedo o espírito aventureiro dos pescadores, já que foi para além mar, muito pequenino, ao colo de sua mãe, fugindo com a família, de uma miséria sistémica no seu País. A sua bisavó paterna, doce menina, aos quinze anos, orfã de mãe e criada por uma irmã mais velha, também acabou de crescer num trópico quente, onde se fez mulher e onde conheceu o seu homem, marido e pai dos 7 filhos. Esta sua bisavó, conta-lhe a sua mãe, era muito calma, bem-disposta e divertida. Já viúva, vivia com uma das filhas, mas alternava as estadias mais ou menos prolongadas, na casa de cada um dos seus. Por isso, sua mãe a conheceu tão bem... já ela, a conheceu, mas era pouco mais de bebé quando a bisavó faleceu...
Do lado materno, tinha tido um bisavô alto, muito bonito, culto e bom orador. O nome "JOÃO", flutuou, depois dele, pelas gerações seguintes. Adorava ler e, sobretudo, conversar. Tinha estudado mais que os irmãos, talvez levado pela ânsia de um conhecimento que não lhes era dado como agora... Sua mãe diz-lhe que ele era conhecido na família por ter sempre assunto para conversar, por contar histórias da sua aldeia, por ser determinado e, às vezes, um bocadinho obstinado, levando-o a falar dos assuntos com muito ênfase, quase confundido com teimosia! Sabe que este bisavô minhoto, também nos trópicos, se perdeu   de amores por uma doce menina, algarvia, o que para sua mãe, sempre fora sinal de mistura importante de coisas, valores, energias, conhecimentos, costumes, todos eles misturados num calor de hemisfério sul, temperador e vibrante!
Do lado do seu pai, também bisavós lutadores, como quase todos dessa geração privada de tanto conforto e regalias como agora; gente que lutou contra condições de vida muito violentas, criando filhos e filhas com muito sacrifício, trabalho e, sobretudo, valores que queriam fazer perdurar. Gente que viveu sem uma liberdade de opinar, dizer, gritar, revoltar-se, negar-se a; mas que, mesmo assim soube dar valor à vida! Deste lado, recorda-se, ela própria, da doce "bisavó Xica", valorosa, crente e com uma lucidez desarmante, mesmo velhinha, velhinha...
Destes bisavós valorosos, resultaram os seus avós que tantas histórias têm para lhe contar e que, sendo tão diferentes entre si (do lado paterno e materno) a amam muito, lhe querem muito bem e a amparam, na ajuda que dão a seus Pais.  Seus avós, o elo da cadeia imediatamente anterior a seus Pais, serão sempre para ela, a linha de partida mais próxima e menos remota de uma rede de afetos tornada gente, pelos anos fora e tornada ainda mais próxima nas pessoas de seus Pais. Estes, terão tido a sorte de se conhecer cedo, partilhando uma fase da vida em que tudo parece explodir de alegria, crescendo juntos, afastando-se e tornando-se a unir sempre que o seu crescimento a isso os influenciava, mas acabando por ficar juntos, abraçando um projeto de vida e de amor que existe até hoje e que, acreditam, perdurará para sempre. Não é essa a base das histórias de amor?
A sua mãe, é uma romântica, tem da vida esta perceção adocicada, mas não se acha ingénua. Talvez esta doçura lhe dê uns olhos diferentes, só isso. Destes Pais que se amam, resultou ela própria e seus irmãos, rostos agora do amor  deste homem e desta mulher.
Dizem-lhe que o seu nome significa FELICIDADE (BEARE, aquela que traz felicidade...) e é assim, muito feliz que esta mãe hoje lhe fala, querendo dizer-lhe tudo isto, falando-lhe desta forma das suas raízes mais antigas, daquilo que caracterizou mais a fundo os seus progenitores e os outros antes deles, dizendo-lhe que hoje, que faz 15 aninhos e que, por isso, começa a deixar os olhos de menina e a ganhar uns de mulher, deverá sempre ter consciência daquilo que a antecedeu, de quem é, assumindo tudo o que herdou dos seus, mesmo aquilo que se herda e não se vê, pois a sua mãe (e seu pai também) acreditam que essas heranças serão sempre as mais importantes! É como se, ao falar-lhe assim, a ajudasse a perceber todos os genes que a compõem, nesse mosaico genético que nos torna tão ricos.
A FELICIDADE que o seu nome traduz é a maior prenda que seus PAIS lhe querem dar, sempre, sempre, mostrando-lhe o caminho, compondo-lhe as pedrinhas à sua passagem, mas acreditando muito que o conseguirá fazer sózinha, quase, quase a partir de agora...!
Parabéns, filhota!!!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

 
 
 
FRONTALIDADE, PRECISA-SE...
 
Dizer as coisas "olhos nos olhos", nem sempre é fácil, sobretudo se temos ao nosso dispor milhares de formas de comunicar virtualmente, sem vermos o recetor da mensagem, ou pelo menos, sem o vermos de forma palpável, próxima. Esta distância pelo meio facilita-nos muito a vida porque nos dá um dispêndio de energia preguiçoso e egoísta, controlado só por nós, transformando-nos nos únicos agentes controladores do tempo que se leva a dizer o que se quer, o sítio onde se diz, o que se diz, o destaque dado a isto, ou àquilo. 
Por outro lado, não existe, genericamente falando, de forma completamente assumida por todos como prioridade e valor a explorar, a "cultura da frontalidade", ou porque temos o cuidado (às vezes excessivo!) de sermos consensuais, ou porque não queremos ferir suscetibilidades alheias, ou porque é mais fácil, ou porque "logo se vê o que dá", ou porque não queremos denunciar a "fonte", ou porque "amanhã já lhe passou", ou até porque "me terá passado a mim, quem sabe?"... e os assuntos passam, são ultrapassados por uma vida que não pára e por uma rotina de tempo que corre ao nosso lado, anestesiando-nos e fazendo-nos adiar, muitas vezes, o que deveria ser urgente e quase inadiável! E os assuntos, no dia seguinte, na semana e mês e anos seguintes já não são urgentes, já não são prioritários, alguns até já não são significativos. E este fomento da frontalidade, que nos faria crescer um pouco, quem sabe, perdeu a sua oportunidade! Isto aplica-se a todas as esferas da nossa vida: relações inter-pessoais mais ou menos próximas, amorosas, profissionais, informais, familiares, ETC, ETC, ETC.
Como fugir a esta rotina "centrifugadora", que é a vida que levamos, é quase impossível (porque somos pessoas normais, integradas numa vida normal de todos os dias, com cores e cheiros, ritmos e pressas próprios...), há que priorizar isto, criando momentos, predisposições, intenções de... sermos frontais, transparentes e verdadeiros! ASSERTIVAMENTE, SE POSSÍVEL...
Às vezes penso nisto! Não só porque já fui confrontada com a irreversibilidade da ausência de pessoas muito, muito queridas e importantes para mim, uma irreversibilidade dolorosa, porque definitiva, transformada numa ausência forçada (não sei como seria se tivesse a certeza de ter ficado, para com essas pessoas, com coisas por dizer...); como também porque tenho filhos em idades que exigem de mim, como mãe, atuações constantes, vigilâncias apertadas, na retaguarda, "achegas" frequentes relativas às suas formas de sentir (ainda bem que tenho um PAR à altura para esta vitalícia e dura e desafiante e constante e árdua e deliciosa tarefa de educar...). Com os meus filhos, tento sempre que não caiam na tentação de se escudarem atrás do virtual, tão comum e tão inevitável... tento que falem "olhos nos olhos", que enfrentem os problemas, que sejam frontais, que não fujam de realidades nem sempre sorridentes. Não sei se irão seguir o meu/nosso conselho, mas tenho a certeza de que este é o caminho... mais duro, mas mais certo! No fim, sei que se sentirão melhor!
 
 
 


domingo, 9 de dezembro de 2012


 
     OREJA DE VAN GOGH , "JUEVES"
 
 
 
"Olhaste-me e o teu SORRISO prendeu-me..."
 
Hoje, uma das minhas filhas mostrou-me, entusiasmada, um pequeno vídeo do Youtube com uma canção de um grupo espanhol totalmente desconhecido para mim (Oreja de Van Gogh), música essa que é uma homenagem a todas as pessoas que morreram no atentado da estação de metro de ATOCHA, em Março de 2004, em Madrid. A música é bonita, entra facilmente no ouvido, mas foi sobretudo o pequeno vídeo que me chamou a atenção. Nesta história de pouco mais de três minutos são relatados encontros entre pessoas totalmente desconhecidas entre si, cujos olhares se cruzam naquele instante! O olhar... a importância deste "pequeno grande" pormenor... associado a ele, o sorriso, outro "pequeno muito grande"...... (acredito que o mundo será sempre dos "pequeninos"!)
É inevitável dar-me para falar agora sobre isto, sobretudo se associar às emoções rápidas que este pequeno vídeo me fez sentir, a constatação de que um atentado terrorista é assim, violento, inesperado, devastador e sobretudo, imparcial, atingindo o mais comum dos mortais, interrompendo histórias de vida que existem, ou que estão a começar, com uma violência inqualificável! A minha filha dizia-me: -"Ai mãe, só me imaginava ali, já viste?" Também eu, filhota, também eu me transpus para aquelas carruagens e/ou para aquelas plataformas de acesso e vi que, de facto, tudo aquilo acontece, pode acontecer... a normalidade de todos os dias (..."de lunes a viernes"...), as rotinas que nos anestesiam, mas depois, o inesperado daquelas pequenas grandes histórias de amor entre duas pessoas que podem começar assim, por um olhar, por um toque fortuito, por um acaso. Quando isso acontece, o tempo pára, a vida muda, como diz a canção (ponham no Youtube a versão com "lyrics" para irem acompanhando a história que é contada, cantando...), o acaso faz-se história, até que é interrompido pelo inesperado brutal que tudo destrói!
Essa imprevisibilidade da vida, esta rapidez com que ela pode mudar, esta NOSSA pequenez face àquilo que não podemos controlar, faz-me pensar na importância do SORRISO e do OLHAR. Nunca serão demais, nunca os acharei vãos, nunca verão o seu encanto genuíno substituído por mil palavras.... essas, leva-as o vento, mas se forem precedidas, ou acompanhadas por um sorriso, até parece que vemos a alma, lá ao fundo.
Há sorrisos falsos? Há olhares duvidosos? Certamente que sim... Mas se um sorriso faz conquistar o mundo e "saltar" um muro gigante? SEM DÚVIDA; e se um olhar faz ver um pedacinho da alma? Também acredito...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

 
 
 
GENERATION GAP
 
Quando me imaginava com filhos (sempre quis ter três!), gostava de pensar que iria ser uma mãe jovem, moderna, "desempoeirada" e muito amiga deles... (imagino que transportamos sempre para os filhos, os modelos que tivemos com os Pais e eu assim fazia). Imaginava ter com eles, quando adolescentes, uma relação de confiança, como aquela que sempre tive com meus Pais, utilizando a mesa do jantar para pôr a conversa em dia, os assuntos em discussão, os consensos a atingir, num clima de confiança e responsabilidade que, não estando isento de conflitos salutares, me/nos permitia fazer muitas coisas, mas também me/nos dava a responsabilidade de sermos dignos da confiança que meus Pais sempre depositaram em nós. Era um "dar e receber", ao mesmo tempo. E eles "pediam-nos contas" da responsabilidade que nos davam e eu, tentei sempre não falhar! Nem sempre consegui, mas hoje, adulta, considero que no essencial não falhei mesmo! Tive as rebeldias próprias de qualquer adolescente normal e, costumo dizer, ainda bem, já que é natural que assim seja, é salutar, faz crescer, ponderar, equacionar, questionar-se, zangar-se com o instituído, e isso é importante ser feito, ser vivido. Nunca gostei de adolescentes/jovens, excessivamente "certinhos", pois acho que não é bom. Esta "generation gap" sempre existiu e deve continuar a existir sempre, é da natureza humana.
 Nunca fomos (EU, OS MEUS IRMÃOS E TANTOS AMIGOS COM QUEM PARTILHEI ESTA FASE DA MINHA VIDA... ALGUNS, AMIGOS ATÉ HOJE!) adolescentes/jovens "amorfos", sem vontade própria, centrados em atividades paradas, sem dinâmica. A minha adolescência e juventude foram recheadas de experiências juvenis, encontros, partilhas, acontecimentos com gente de muitos sítios, o que me aumentava o leque de conhecimentos, amizades, trocas de afeto. Era importante, esta dinâmica! Os movimentos juvenis ligados à juventude, como o Escutismo, por exemplo, sempre fizeram parte da minha vida, mostrando-me um cenário muito grande de experimentação e vivenciação de tudo o que aprendia em casa e na escola.
Não tinhamos um acesso à informação tão rápido (à distância de um click) como os miúdos têm agora, não tínhamos tantas atividades extra-escolares, não tínhamos tantas hipóteses de nos mexermos tão pouco, não comíamos tanto (acho eu!), não "falávamos" virtualmente, mas "olhos nos olhos", não tínhamos telemóveis que nos tentassem a afastarmo-nos das conversas "ao vivo", enfim, não tínhamos uma série de coisas que os meus filhos têm agora e que assumem como um dado adquirido, um direito inegável e que às vezes, não deve ser visto assim... estes direitos devem ser ganhos, conquistados e isso era-nos ensinado! Os meus Pais eram a referência absoluta, exercendo para connosco, uma autoridade dinâmica, consertada, discutida, mas efetiva, não se demitindo daquilo em que acreditavam e do que determinavam... era quase como que se fosse uma "democracia q.b"; o limite estava sempre muito bem definido e isso, à posteriori, considero que foi essencial para o meu/nosso equilíbrio. Os limites bem estabelecidos dão segurança e isso vê-se logo desde pequeninos!
De tudo isto me lembrei hoje, ao ouvir, casualmente, num transporte público, a conversa entre três adolescentes, provavelmente da idade das minhas filhas mais velhas: uma relatava a discussão que tinha tido com a mãe, referindo-se a esta com termos que até me custa reproduzir aqui, relatando que se zangara e ameaçara que saíria de casa se a mãe não a autorizasse a isto, ou àquilo, seguindo com o relato das respostas desesperadas da mãe, medrosa perante as reações da filha, com medo do que pudesse fazer. Os amigos que a acompanhavam riam e valorizavam, com valentia "balofa", a atitude da primeira, que sim, os Pais são uns "cotas", dando a esta palavra um sentido altamente prejurativo (e não aquele até ternurento que se usa às vezes), pelo que me fui apercebendo da conversa; continuavam incentivando-a a sair de casa, que sim, os "Pais tinham que aprender, o que é que pensam, não nos podemos rebaixar". A linguagem utilizada por todos era bastante vernácula, até, como se isso fosse sinal de "estatuto".
Ainda bem que as minhas filhas se "zangam" connosco, às vezes, ainda bem que têm amuos e rebeldias que considero salutares e que às vezes, confesso, até me fazem rever-me nelas quando tinha a sua idade, ainda bem que não concordam com tudo, será sinal que contestam, que argumentam, que equacionam, ainda bem que não nos contam tudo, já que nesta idade, a "mãe e o pai nunca serão os melhores amigos"; mas ainda bem também, penso, que não me demiti nunca do meu papel e responsabilidade e que, sobretudo, não prescindo daquilo que será sempre o mais importante nas relações inter-pessoais (também nas de Pais e filhos...): o respeito. Esse, no final de tudo, deverá imperar sempre. E no futuro, acredito que serei aquela mãe das primeiras linhas deste texto.
AVÓ PAULA
Falar das ligações familiares simples, elencar e identificar os membros da família, a importância maior e/ou menor que têm na nossa vida, é uma tarefa comum e recorrente em Jardim-de-Infância, fazendo, evidentemente, as devidas proporções e adaptações à idade das crianças dos nossos grupos. Isto ajuda-as a saber quem são, de onde vêm, que raízes têm, como se organizam familiarmente. Por isso, se "chega" muito facilmente aos avós e, às vezes (algumas crianças de 5 anos, fazem-no com facilidade...) aos bisavós. Assim foi com o meu grupo este ano... um grupinho de crianças mais velhas, falou com naturalidade, dos "pais dos avós"! Deu-me um impulso!!!! Apeteceu-me falar da minha bisavó materna (a única que conheci) e "indo atrás" deste impulso, apercebi-me, com agrado, da panóplia de memórias que "vêm" atrás... é incrível o que fica guardado sem nos apercebermos, naquele cantinho escondido do cérebro, esperando o botão ON para aparecer!!
Nasceu "um ano antes da era", dizia, por isso podíamos saber sempre com prontidão a sua idade; tinha uns óculos de massa redondinhos, castanhos, aqueles cujas lentes fazem aumentar os olhos que, julgo, eram para o claro, deixando-nos ver a sua vivacidade, quando ela existe (e existia!); usava o cabelo puxado para trás, preso num carrapito feito com imensas voltas esféricas, de uma trança grisalha. Curiosamente, embora fosse muito velhinha, o cabelo não era branco, mas sim grisalho. Não me lembro da sua voz... tenho ideia de uma figura magra, ligeiramente curvada (muito ligeiramente...), com olhos grandes e um sorriso largo e doce que passou à filha mais velha, minha avó. Era uma mulher não muito alta, do que me recordo. Usava sempre umas saias compridas e prendia o carrapito com muitos ganchos, daqueles fininhos, próprios para cabelos muito grandes. Recordo que gostava de a ver pentear-se. Meticulosamente, todas as noites penteava o longuíssimo cabelo e deixava a trança comprida estendida, com que dormia e depois, de manhã, via-lhe as ondinhas desfiadas ao longo daqueles fios grisalhos, tão grandes, que ela, outra vez, enrolava. Como eu gostava de vê-la fazer isso ao cabelo... e eu, que tinha sempre o cabelo curto, "impingido" por um espírito muito prático da minha mãe, enlevava-me de deleite ao vê-la pentear-se! Ninguém lhe chamava "Maria Paula". Era a "avó Paula", para todos...
 Esta figura povoou a minha infância mais remota, servindo de elo de ligação com uma série de primos, do meu lado materno. Acredito que entre mim e todos eles, haverá esta cumplicidade de memória, afetos, cheiros e cores que vinham daquela doce avó e daquela doce casa que nos congregava a todos, qual matriarca. Era uma casa grande, que ainda existe, embora abandonada. Quando lá passo à porta, ativa-se em mim uma memória viva de tudo isto, como se "mergulhasse" num mar de lembranças e retalhos de vida que recordo com um sorriso! Fecho os olhos e vejo uma casa com um corredor enorme com muitos quartos do lado direito, no final uma sala mais ampla, que lembro, servia de cozinha, ou sala de estar e lá ao fundo um quintal maravilhoso com um poço proibido. Flutuam em mim, memórias de vozes de crianças, provavelmente primos e primas que compunham sempre este cenário vivo, juntamente com seus pais, meus tios e tias. A minha mãe era das netas mais velhas e eu e meu irmão mais velho (o mais novo, cresceu sem a conhecer), bisnetos que, com netos, filhos, genros, noras e vizinhos (é curioso como me lembro, perfeitamente, dos vizinhos...), compunham um "mar de gente".  Sempre tive, do lado materno e paterno, uma família muito grande, que bom, adoro!
Não me lembro da voz desta avó, mas, curiosamente, lembro-me das colchas, da cor das camas, dos mobiliários, da boneca grande, que estava sempre fechada, à espera da "prima da Alemanha", do cheiro da canja, das malgas esmaltadas de café com leite e pão com manteiga, das brincadeiras entre tantos e tantos primos, de um quadro lindo com uma moldura escura de um anjo da guarda que velava a cama de uma criança que dormia...
Esta bisavó Maria Paula (nome que a minha mãe queria para mim, "rejeitado" na parte da "Maria" pelo meu pai... só o "Paula", ficou...) teve seis filhos e filhas. A mais velha era a minha avó, a tal que lhe herdou o sorriso. Por ela e pela minha mãe passaram histórias daquela avó, que a fazem parecer saída de um filme, ou livro de época (o noivo desterrado para a 1ª grande guerra, a tristeza que sentiu quando soube da sua morte nas trincheiras, a lembrança viva do regícidio do rei D. Carlos, as papas de milho quentinhas com torresmos, o magazine Borda d'água que gostava de comprar...)
É assim! Hoje há bisavós muito mais jovens que esta minha bisavó... muito mais modernas, sem tranças grisalhas enroladas, sem óculos de massa redondos, sem malgas de uma qualquer bebida a fumegar, mas espero que as que existem hoje, em todas as milhares de formas de se ser avó, ou bisavó, saibam povoar a nossa vida de afetos, pois esses, perdurarão para sempre!


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

 
NINHO
 
Hoje tive um dia difícil, daqueles em que tudo o que fazemos parece despido de significado, quase ôco, submerso numa atmosfera e logística maiores que nós, o que nos faz sentirmo-nos espectadores à parte e, paradoxalmente, atores, ao mesmo tempo, como se vissemos em perspectiva, "ali ao lado", tudo o que está a acontecer no nosso dia. Racionalmente sabemos que o sol "está lá, por trás da nuvem", que é tudo passageiro, tal como este mal-estar será, mas, nestas ocasiões, o emocional impera mesmo e essa certeza de "sol" fica por isso  mesmo, distante como ele... 
Talvez a palavra "difícil" com que classifiquei o meu dia seja excessiva, comparando-o ao dia de milhares e milhares de pessoas à nossa volta, mesmo "aqui ao lado", à nossa porta, nas nossas escolas, nas nossas ruas, nos nossos bairros... Não é preciso ir para o "outro lado do mundo", pois  se assim fosse, então o meu  "dia difícil" seria reduzido à insignificância das coisas pequeninas perante o peso das brutalidades que conhecemos em tantos lugares! Este "exercício de humildade", suavizará o cinzentismo que imperou hoje e disciplinar-me-á o ego, fazendo-me ver que sou pequenina, muito pequenina, mas pronto, hoje estive grande parte do dia assim, cinzenta... Quando estou assim há um pensamento que me suaviza sempre: o de voltar a casa, o de chegar ao fim do dia e ter, gratuitamente, aquilo tudo para mim: o amor dos meus e o meu amor pelos meus, com todas as formas humanas, mundanas, espontâneas, informais, aguerridas, suaves, ou extemporâneas que esse amor usa para se mostrar! Sou do signo Caranguejo e, embora nunca tenha ligado muito ao Zodíaco, matéria perante a qual sou absolutamente leiga e pouquíssimo mais que curiosa, dizem os entendidos que esta priorização do lar, este espírito "caseiro" e maternal será próprios destes nativos... assim será, não sei, acho piada, só... Prefiro pensar que sou como a andorinha-fada, que tem, para toda a vida, o mesmo ninho.
Esta sensação de "NINHO" produz sempre em mim o efeito de um lento e suave unguento, é uma sensação tão forte, que quase a consigo materializar, porque lhe dou forma, cheiros, cores, rostos e nomes  e é uma sensação absolutamente vencedora, porque é minha, não tenho que a repartir com ninguém e reduz "a cinzas" qualquer contratempo... Sinto-a baixinho, repito-a inconscientemente, ao mesmo tempo que a nuvem negra passa no céu e esgrimo com ela, nuvem, argumentos invencíveis que lhe descobrem o sol lá por trás...! No fim, o meu NINHO vencerá sempre e o sol sairá sempre detrás da nuvem! Será uma graça, acredito, sentir isto... e esta sensação "cozy" (do inglês, confortável, aconchegante, acolhedor...), que é tão boa, sinto-a também perante alguns sítios onde já trabalhei! Sabe-se que algumas aves fazem os seus ninhos com pedaços de tudo o que encontram:pedacinhos de terra, pêlos de animais, pedrinhas, bocadinhos de lixo; fazem-nos também em sítios muito variados: buracos na terra, ramos de árvores, paredes de pedra, lagos, margens de rios... numa variedade orgânica e habitacional interessante e rica. Também eu me sinto em casa, com aquela sensação de "abraço" gigante, em alguns sítios por onde já passei. Graças a Deus tenho tido a sorte de ficar sempre com "um bocadinho" dos sítios por onde vou passando, levada pelo meu percurso profissional. Esses bocadinhos que trago têm a forma de pessoas, experiências, referências, lembranças que me vão preenchendo, aos pouquinhos... há bocadinhos mais significativos que outros, mas todos têm uma porção de espaço em mim. E hoje, no final deste dia cinzento, ao chegar a uma escola onde trabalhei e onde fui assistir a uma conferência, ao ver afixado numa parede de entrada uma frase que dizia qualquer coisa do género:" vale a pena trabalhar numa escola onde há gente que sabe sorrir", tive a certeza de ter chegado a casa e tive a certeza (racional e emocional) que o sol, afinal, esteve sempre lá, aquecendo o meu ninho!
'Bora sorrir?
 
 
 
 
 
 
 
 


domingo, 2 de dezembro de 2012

 
 
 
ARAUCÁRIAS
 
Tenho muitas vezes o dilema interior entre o ficar a dormir ao fim-de-semana e o ir fazer caminhadas, corridas, passeios pedestres... digo que "tenho muitas vezes este dilema", porque fico dividida entre duas coisas que GOSTO MUITO de fazer!
 Sempre fui desportista, pratiquei natação de competição alguns anos, a atividade física sempre fez parte da minha vida, embora não de forma obssessiva e é uma coisa que me dá gosto, mas deparo-me, nesta fase com sensações de cansaço mais ou menos frequentes, com necessidades muito sentidas de preguiça, de "ronha" que me sabe tão bem! Acho que até tenho conseguido equilibrar as coisas, não renunciando a uma, ou a outra, já que ambas se apresentam como necessidades preementes a satisfazer... o descanso matinal ao fim-de-semana assume-se como um "bónus" delicioso que finda uma semana de trabalho e de alvoradas involuntariamente obrigatórias e a atividade física é uma obrigação para uma vida saudável. Então, os últimos fins-de-semana têm conseguido ter momentos desses, de caminhadas longas, corridas, passeios pedestres... São sempre momentos de inspiração, quer pela paisagem que se vê, quer pelos enquadramentos vários que assumem, quer pelo sentimento de "dever cumprido" que trazem consigo. Há sítios tão lindos e tão perto de nós!! À custa de muito os vermos quase que passam despercebidos e incólumes à nossa indiferença!
Hoje tive um desses momentos. Fui fazer uma caminhada à beira mar, acompanhando o percurso da duna primária de uma praia próxima... senti a brisa levezinha a entrar-me para os pulmões, deixando um misto de odores que, sôfregamente inalei; vi bandos de corvos marinhos que formavam uma nuvem negra no céu, em forma de V, gigante; ouvi o grasnar de gaivotas; vi mariscadores dobrados sobre si próprios, tempos e tempos infindos e, instintivamente,  gabei-lhes essa capacidade e... paciência (!), vi casais, velhos, novos, sós e acompanhados e pensei, que giro, todos tiveramos a mesma ideia para este pedacinho da manhã de hoje e fiz isto tudo, vi isto tudo, enquanto conversei, aos bocadinhos, parando às vezes quando o ritmo cardíaco acelerava, dando sinal de que as caminhadas se querem, preferencialmente, silenciosas!... porque será?
Então, sugeriram-me (tenho um artista cá em casa...) fazermos este ano a árvore de natal, utilizando uma daquela ARAUCÁRIAS velhas que se vêm por ali. A Araucária é uma árvore típica da América do sul e também da Austrália. No Brasil é conhecida por "pinheiro do Brasil". Vive há mais de 200 milhões de anos, tem um tronco recto, quase cilíndrico e ramos pequenos, verticais. Adapta-se bem às condições de luminosidade em solos a pleno sol, que é onde cresce, preferencialmente. Está em riscos de extinção, nos seus países de origem. Confesso que não sei se a árvore que vimos e à qual me refiro aqui será exactamente (com aquela exactidão científica) essa, mas é muito parecida, o que me leva a mim, um espírito livre e muito distante das classificações botânicas a classificá-la desta forma (que me perdoem os entendidos...). Tive uma reação rápida, impulsiva e espontânea de negação (sou tão diferente do meu artista!!!) Que disparate! Que feia! Não..., nem pensar!! Os olhos de artista que me acompanhavam começaram a elencar-lhe qualidades: é excêntrica, é diferente, chama a atenção no meio do resto por causa de qualquer coisa que não sei bem o quê... ouvi, ouvi com atenção e, despercebidamente, comecei a olhá-la de soslaio... sim, de facto, era interessante... No meio da restinga destacava-se com um não sei quê qualquer...sim, tinha um encanto subtil, sim, talvez fosse verdade!
Pensei de imediato naquelas pessoas que, sem serem bonitas, são vistosas, chamando a atenção para si próprias, de forma tão natural que nem se apercebem, aquelas pessoas para as quais, se olharmos com atenção, mesmo que seja de soslaio, descobrimos uma beleza muito própria e única! Serão aquelas pessoas que fogem do padrão tradicional e comummente aceite como belo, mas que o são, mesmo, mesmo de verdade, suportando a ideia de que a maior beleza deve ser aquela que é o mais pessoal possível, aquela que tem um toque único de cada um!
Acredito que a minha Araucária vá ficar lindíssima como árvore de Natal, fazendo lembar aquela história do pinheirinho (já muito adaptada de ano para ano e por isso, já com uma grande dose de "invenção", mas maravilhosa e perpetuada pelas "asas" das histórias e lendas) que, tendo sido a única árvore que quis acolher um passarinho ferido, não se importando com a "desarrumação" que isso causaria às suas agulhas, se transformou na árvore mais bela da floresta, passando a mensagem de beleza, amor, ajuda e tantas outras coisas boas.
Feliz Natal!!!!
 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

 
 
 
 ALDINHA
 
Lembro-me dela como se fosse hoje. Era uma menina grande para a idade, negra como o carvão, com uns brincos de ouro daqueles que me faziam lembrar as minhas primas da aldeia do meu avô, que furavam as orelhas em bebés e depois punham umas linhas pretas nos buraquinhos, para que o furo não fechasse... depois, punham uns brincos de ouro, antigos e valiosos, que ficavam para a vida toda (...só furei as orelhas com 11 anos, lembro-me que queria muito, mas não gostava nada daquela ideia da linha preta, isso não, não queria com veemência!); a menina tinha uns olhos muito grandes, muito pretos, o cabelo era cheio daquelas trancinhas africanas, muito juntinhas e espetadas em todas as direcções. Tinha umas mãos muito grandes, com palmas esbranquiçadas que contrastavam com a negrura da pele em todos os outros pontos cardeais do seu corpo; esta menina desenhava muito bem e, teimosamente, as suas representações da figura humana eram sempre maravilhosas figuras femininas, loiras, de olhos muito claros, com uns cabelos muito brilhantes e compridos. Lembro-me que lhes pintava sempre as unhas de cores garridas e aquelas, eram sempre compridas. Às vezes, dizia-lhe que ela não era assim e que era importante tentar desenhar-se como era, que ela era linda, da cor do chocolate que eu adoro, mas a "Aldinha" (chamemos-lhe assim...) nunca desistiu daquela representação da beleza feminina. Era determinada, suave, mas decidida e sabia muito bem o que achava bonito. Por isso, contrariava-me sempre!
Um dia, já no final do primeiro período, tive o prazer de conhecer a mãe desta menina. Lembro-me que apareceu sem avisar, à hora do almoço e que eu a recebi com um misto de surpresa e curiosidade, pois estava tudo bem com a menina, não tinha havido um aviso, um recado, nada que me fizesse estar à espera de uma mãe que, julgava eu, era tão ausente! Recordo a conversa que tive com a senhora como uma lição de vida que ainda hoje, em variadíssimas situações relato e dou como exemplo. Era uma mulher enorme (a filha, grande, herdara-lhe a altura...), com um penteado africano muito típico, com um ar de trabalho, de vida dura, com gestos rápidos e um sentido prático que me desarmou. -"Não poderia nunca deixar de vir conhecer a professora da minha filha" - disse-me com ênfase, referindo que há muito desejava fazê-lo, simplesmente a vida dura que tinha a impedia de já o ter feito há mais tempo. Sei que a conversa durou algum tempo, entre considerações sobre a menina, sobre a escola e sobre a vida e foi sobre esta que me deu uma lição enormíssima: desde relatos sobre o seu dia-a-dia, passando por opiniões fortes e seguras que mostrava ter sobre as coisas, até à descrição dos 10 partos, do nascimento dos 10 filhos, todos em casa, indo logo trabalhar a seguir, tendo que trabalhar a seguir, até à nostalgia pelas ausências do marido... enfim, foi para mim uma lição de vida que senti como muito forte no momento e que nunca mais esqueci.
Hoje, em jeito de "rewind", comparo esta mulher maravilhosa, linda à sua maneira e cheia, a transbordar, de coisas boas e bonitas, com muitas mães "Barbies" que nos "passam" pelos grupos... tão lindas (será?), tão arranjadas, com ares tão importantes, tão supostamente sabedoras de tudo e penso que não sabem nada, que não emanam para fora nada do que é mais importante!... passam por nós e não "ficam" para sempre como esta mãe ficou.
Nunca mais vi a Aldinha nem a mãe. Não faço ideia do rumo que seguiram, presumo que a menina continue simples e encantadora como era, detentora daquilo que é mais importante para a vida: a preocupação e dedicação de sua mãe, a ponto de pôr a sua vida escolar, numa prioridade de agendamento muito importante, porque a considera, porque respeita, porque quer ser par!
E sabem? Lembro-me que a mãe tinha as unhas das mãos pintadas de cor muito garrida, embora o verniz estivesse gasto e a lascar. Quem sabe se, nas princesas que a Aldinha desenhava, não estava um pouquinho da sua mãe? Eu acredito que sim!


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

 
 
 
MUSTELA
 
Na minha sala de Jardim-de-Infância, que será sempre uma fonte inesgotável de inspiração, mesmo que não esteja à espera, ou a pensar nisso, há uma menina que esteve alguns dias privada da presença da mãe, estando entregue aos cuidados do pai e outros familiares que partilharam entre si as idas e vindas da escola e muito bem! Notou-se logo no comportamento da criança a ausência da mãe! Mais sensível, "choramingosa", "queixinhas" dos outros o tempo todo, havia ali qualquer coisa que passava quase despercebida, mas que se notava de diferente. Isto fez-me pensar num sem número de coisas: na forma como sempre vivi a maternidade, na forma como os outros (neste caso, as outras) a vivem), no papel do pai na estrutura familiar, na relação com outros familiares que nos aumentam o leque de afetos, no toque maternal que só a mãe pode dar.
Enalteço aqui todos os pais do mundo e todos aqueles que, sobretudo, vivem as tarefas referentes aos filhos, assumindo-as como suas, estando presentes nas suas vidas, sendo para eles uma referência de amor, presença, contacto, brincadeira... Enalteço aqui o meu próprio marido, pai dos meus três filhos, que foi sempre e é-o todos os dias, um super pai e companheiro, reduto mais sagrado da minha intimidade e amor!
 Hoje em dia, atrever-me-ia a dizer que quase todos os pais são assim! Aquela ideia, muito "estado novo", de ausência afetiva do pai que, simplesmente assegurava a vertente económica da família, mas que da vida dos filhos pouco sabia, penso que está ultrapassada na maioria dos casos, e ainda bem! Vejo isso nas escolas, quando vejo cada vez mais pais a assumir tantas coisas na vida dos filhos, vejo isso nas conversas com as mães, que assumem os maridos/companheiros como parceiros absolutos nesta história vitalícia de educar, vejo isso nos próprios pais que vão, participam, perguntam, se interessam. Salvas as devidas e sempre presentes exeções, é cada vez mais assim. Nunca me tinha acontecido, como neste ano, ter três, ou quatro crianças cujas mães não conheço, mas sim os pais... é assim, os paradigmas a que estávamos habituados vão mudando, a vida das pessoas e as suas formas de se organizarem também, e nós cá estamos para irmos "processando" todas estas informações, como um longo e constante "processador de texto", desta vez com caracteres vivos e palpáveis, à nossa frente!
Ainda bem que assim é e ainda bem que, mesmo quando não há este contacto tão assíduo com a escola (apesar de tudo, ainda é assegurado, na maioria dos casos, pelas mães) os pais são presentes e ativos na vida dos filhos e aqui "encaixo" todos e todos e todos aqueles casos que conheço de amigos, conhecidos, familiares. O importante será o "encaixe" que se faz das vidas uns dos outros nas vidas de cada um, como um puzzle vivo, nas nossas casas. Assim, dará sempre certo, ou pelo menos... quase sempre!
No entanto... ai, ai, que me desculpem todos os super pais, maridos, companheiros... no entanto, no entanto... aquele toque, aquela palavra final, aquele adivinhar dos pensamentos, aquele "ver no escuro" (como a coruja, do post anterior), aquele cheirinho a MUSTELA que perdurará todo o dia, esse, todos esses, penso que serão exclusivos da mãe!...E aquela menina do início do post dizia-me hoje: -"Olha Paula, a minha mãe hoje pôs-me creme, não estou cheirosa?"

terça-feira, 27 de novembro de 2012

 
 
MÃES CORUJAS
 
É muito comum em Jardim-de-Infância trabalhar-se o tema da família e compreende-se porquê. Trata-se de perceber as relações familiares simples, as nossas origens, o que está "antes" de nós e "antes" dos nossos Pais, como se imaginássemos uma escadinha para trás com vários degraus (aliás, às vezes utilizo esta imagem da escadinha para explorar esta genealogia simples com o grupo). Isto ajuda a estruturar o pensamento, a perceber quem somos e de onde vimos.  
A família é a nossa célula mais nuclear, a nossa matriz mais importante, com a qual ficamos marcados, se não para sempre, pelo menos durante aquela fase da vida em que ainda não temos autonomia para decidir sozinhos e precisamos de um "fio condutor".
Já adultos, teremos a liberdade de "filtrar" o que não queremos e aproveitar, "sorver" o que é bom, o que podemos aproveitar para nos caracterizar um bocadinho, fazendo da nossa matriz anterior, um pouquinho da nossa própria identidade adulta.
 Então, será importantíssimo perceber o "barro" de onde vem a criança, contextualizá-la num cenário de relações inter-pessoais que podem explicar tanto acerca de si. Este tema da família é absolutamente transversal e pode ser abordado aquando de uma série de oportunidades, situações, temáticas, assuntos, conceitos! Compreendo e contextualizo muito melhor uma criança se conhecer a sua estrutura familiar e posso partilhar que tenho tido imensos exemplos de famílias nada ditas "tradicionais", em que se respira amor, matriz, valores e eficácia afetiva, daquelas eficácias que se reproduzem para outros com quem depois nos relacionamos... é como uma teia que vai ficando com muitos fios, vindos todos da mesma aranha!
É interesante "receber" com os grupos de meninos e meninas das nossas escolas, todas as formas novas e diferentes que há de famílias. É interessante ver como essas formas novas, "povoam" a nossa sociedade, interpelando-nos a uma aceitação que deve ser natural e não forçada. É interessante observar que em todas as formas de se dizer FAMÍLIA, quase nunca (quase, quase...) se perde a ideia de núcleo, de "ninho", de referência afetiva e social. O peso de uma MÃE pode ser dado a uma AVÓ, o encanto de um PAI pode ser transferido para um AVÔ, "COMPANHEIRO DA MÃE", PADRINHO, ou outra pessoa que naquela época, naquela vez, com aquelas pessoas, fez as "vezes de" e fê-lo eficazmente! É "ninho" na mesma, "porto seguro", sempre...
Não interessará a forma, interessará sim, a eficácia pedagógica e afetiva daquele conjunto de pessoas a quem se chama FAMÍLIA.
Às vezes, a família muda... às vezes, a nossa maneira de ver o mundo muda e, empurrados, ou não, conseguimos (ou queremos) fugir da teia inicial que foi sempre tão importante! Às vezes, vamos nós criar uma outra família, distante da primeira, daquela que nos gerou; outras vezes será próxima, quase parecida porque não queremos libertar-nos daquela matriz tão importante! 
Quereria muito que em qualquer família, houvesse sempre "olhos de amor" que achassem sempre os seus filhos "os mais bonitos do mundo", porque seus e únicos... um pouco como a coruja da fábula de La Fontaine, que pediu à águia para olhar pelos seus filhos, "os mais lindos, de bicos mais perfeitos, no ninho mais maravilhoso". Penso que haverá sempre "mães" ("titulares" biológicas do "cargo", ou não...) que olharão em todas as direções, como a coruja, vendo no escuro, aquilo que os outros não vêm com o intuito de proteger o seu filho! E por isto, ainda bem!
 
P.S- Obrigado amiga Kuláudia pela imagem ternurenta das corujas que partilhei do teu mural e que me serviram de "click" inspirador...


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

 
 
 
 
 
 
Edelweiss
 
Hoje tive um dia particularmente cheio de coisas boas: afetos, família toda reunida, sobrinhos e filhos (já são tantos quando se juntam!!), olhinhos a brilhar por todo o lado, e o dom da vida, celebrado mais uma vez, desta vez sob a forma de um aniversário que é só mais uma das infinitas maneiras que existem de agradecer por estarmos vivos! No final deste dia saboroso, tive ainda um toque de "canela" a adoçá-lo: uma ida ao cinema, que é um programa que adoro! Embora os bilhetes de cinema estejam exageradamente caros e existam cada vez mais formas de ver tudo o que vai estreando na tela, não há o que substitua uma ida ao cinema para absorver o escurinho, o som, a emoção, o "mergulho" que damos naquela história que nos preenche durante aqueles minutos.
Fui ver o "Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Bordéus", um filme de João Correa e Francisco Manso. Confesso que só tinha ouvido falar neste cônsul, há cerca de 2 anos, creio, num programa de televisão em que se votava para eleger o melhor português de sempre... Dou cada vez menos importância à televisão, ou melhor, sou cada vez mais seletiva com aquilo que gosto de ver, mas lembro-me deste programa, onde se falava de uma série de personalidades da nossa história, mais remota, ou mais recente, e depois se elegia, por votação, aquela personalidade "eleita" pelo "público". Fiz logo a ligação direta para o "Schindler português", como aliás penso que é comum a quase todos os que viram também o filme "A lista de Schindler" (Steven Spielberg, 1993). 
Este tema da segunda guerra mundial é-me particularmente caro, não sei se por ter uma carga humana, dramática, verídica, muito grande, como se também por ter estado em Auschwitz, por ter passado por aquele portão de ferro, com letras também de ferro, que dizem "Arbeit macht frei" ( "o trabalho liberta"), por ter visto tudo aquilo, do alto dos meus 18, 19 anos... Lembro-me também de um outro filme, desta temática, que vi há muitos anos ("A escolha de Sofia", de Alan J. Pakula, 1982), do qual me lembro até hoje e através do qual me apaixonei para todo o sempre pelas interpretações da Meryl Streep... Enfim, pedacinhos disto e daquilo que me fazem ser sensível a este tema. E hoje lá esteve ele, retratado pela eloquência de um cônsul português à época, que contra tudo e contra todos resolveu agir pela sua consciência, obedecendo aos seus códigos mais sagrados de conduta e não se desviando daquilo que o faria sentir-se inteiro, completo e equilibrado: a ajuda genuína aos outros, de forma gratuita, forte e verdadeira. Fiquei outra vez enlevada pela história e apeteceu-me saber os nomes de todos e todas os muitos anónimos que também ajudaram, salvaram, milhares e milhares de pessoas. Acredito que nos nossos intímos, as sensações de orgulho e admiração incluam também, todos esses e essas (Irene Sandler, Maximiliano Kolbe, etc, etc, etc...).
Aqueles meus "neurónios saltitantes", fizeram logo uma ligação direta para uma flor, a EDELWEISS... Esta flor é típica da Áustria e Suíça e nasce nas montanhas rochosas dos Alpes, entre pedras frias e superfícies agrestes de difícil acesso. Tem raízes muito fortes e profundas, que lhe permitem resistir a temperaturas muito violentas. Nada do senso comum faria prever que uma criatura tão linda nascesse num sítio tão difícil, mas nasce e é, inclusivamente, o símbolo de um desses Países. Viram o filme, "A Música no Coração"?... A família Von Trapp foge dos nazis, pelos Alpes, ao som desta música (Edelweiss), que faz parte dos nossos códigos musicais!
Que bom poder ver pintas de cor no meio do negro! Que bom testemunhar a vida de ternura, afeto e verdade, nas suas formas mais genuínas, no meio da miséria humana! Que bom, que bom...
Bons cheirinhos!!!!
 


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

 
 
 
BOM-DIA!
 
Antes de entrar, de manhã, gosto muito de ir beber café, não só porque o meu organismo está dependente da cafeína e este café da manhã completa o meu despertar TOTAL, funcionando como o último "apito" do despertador, como também porque gosto daquele bocadinho de tempo em que estou sozinha, ou acompanhada e dou dois dedos de conversa, descontraio, rio um bocadinho e me preparo para iniciar um novo dia de trabalho. Pelo tempo de distância que levo a chegar ao destino, aliado a uma conjugação de horários dos miúdos cá de casa, isso tem sido possível até hoje. Parece que se não consigo este pedaço de "preguiça", não começo bem o dia...
Hoje tive oportunidade de estar sozinha nesse bocadinho de tempo e, como bebi café em frente à minha escola, detive-me a observar, à distância, a azáfama da entrega das crianças. Foi giro ver a paragem dos carros, o sair, o vestir dos casacos de uns e de outros, o adivinhar de birras e resmunguices logo de manhã, a desenvoltura (ou não) com que alguns Pais lidam com isso, as posturas corporais de reação aos beijinhos de despedida, aos últimos acenos... É engraçado como alguns comportamentos de algumas crianças, se explicam melhor depois de observada a forma com são entregues de manhã. De facto, tudo se conjuga em nós, como se o nosso dia (e o dos miúdos também) ficasse marcado pela forma como acordamos e vivemos as primeiras horas.
Este "filme" em perspectiva fez-me fazer um  "rewind" para a minha própria vida... A relação que sempre procurei estabelecer com a escola dos meus filhos (proximidade, cumplicidade), a forma como procurava "entregá-los", a forma como aproveitava esse tempo de ida para lá, os "toques de alvorada" cá de casa, as logísticas dos pequenos-almoços, lancheiras, casacos, recados, assinaturas, dinheiro para as senhas, lembretes para os almoços, etc, etc, etc... Lembrei-me das aventuras de ter de fazer tudo isto sozinha, muitas vezes, quando os horários do meu marido não coincidiam com os meus, da "ginástica" que uma mãe faz para gerir tudo isto e ainda cumprir um horário de trabalho, de chegada à escola dos filhos, de sonos persistentes, de birras, de pequenos-almoços vomitados e depois, a capacidade que tem de ter para "desligar" este interruptor e "ligar" outro, que lhe dá, à mãe, outra forma, a de profissional! De tudo isto me lembrei hoje, da janela, enquanto observava a chegada à escola de dezenas de crianças.
Tive a sorte de ter os meus filhos em Jardins-de-Infância e escolas de primeiro ciclo (o mais novo está agora no 4º ano...) onde podia entrar e muitas vezes, partilhar com as funcionárias e/ou colegas, os suspiros apressados das manhãs, sorrir, mesmo que a correr, acenar de fugida, mas acenar, e sobretudo, olharmo-nos mutuamente uns aos outros! Tive tanta sorte! Pude sempre dar um "lamiré", mesmo que rápido com quem de direito, entregar o "tesouro" por um dia, a alguém que visse de frente, intuir rapidamente, com o olhar, o ambiente que se respirava! Tive mesmo muita, muita sorte! Sei que há escolas diferentes, onde isto não é possível por todas as razões que se conhecem (logísticas brutais de mega centros escolares, onde tudo tem que ser célere e "oleado" de outras formas e onde o contacto com os Pais, terá que se fazer de outra maneira, privilegiando outros "palcos" que não os contactos - ainda que fugazes - da manhã, ou da tarde) e também nessas haverá imensas coisas boas (não contesto!); e sei também que há outras escolas, onde tudo se fazia assim e agora, por motivos que nos transcendem, se passou a fazer de outra forma, interpelando aqueles mais convictos destas realidades e anseios, a inventar novas formas, maneiras diferentes de "respirar o ar"... Tudo bem! Escolas perfeitas nunca haverá, como refiro às vezes, mas não abdico de achar que fui privilegiada por poder dizer, todos os dias, "olhos nos olhos", BOM-DIA, às professoras dos meus filhos!


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

 
 
 
BROTHERHOOD
 
Imagino o nosso cérebro com uma série de ligações diretas, "fiozinhos" aos quais chamamos neurónios que se conectam e fazem interligar as coisas, umas às outras, em frações de segundos. Só isso explica o que nos acontece às vezes que é o estarmos a pensar numa coisa e imediatamente o pensamento "voar" para outra, e outra, e outra... Isso acontece-me muitas vezes nas viagens de carro (como falei num post anterior), onde estou meia anestesiada pela embalagem da velocidade, música, rotina, itinerário, pensamentos e lembro-me disto e logo a seguir daquilo, e daquilo e daquilo...
Hoje tive oportunidade de ter uma conversa com alguém acerca da relação entre irmãos. Gosto muito de conversar, é mesmo uma das minhas coisas prediletas para fazer... ter uma boa conversa, com alguém que nos é querido, com quem temos sintonia de assuntos e interesses, ou mesmo com quem não tem, mas onde se assume a eloquência das ideias, sem arrogâncias ou preconceitos em relação à nossa opinião (e à do outro também...). Considero isso um tempo muito bem gasto e foi o que me aconteceu hoje, neste pedacinho de conversa boa... Ao falar sobre a relação de irmãos, lembrei-me dos meus irmãos e da relação que sempre tivemos!. Acho que pudemos mesmo (e ainda podemos!) praticar ao vivo todas aquelas coisas importantes que dizem os livros e que depois se aplicam mesmo na prática: um "palco" de afetos e conflitos saudáveis que nos fazem crescer!
As minhas recordações mais longínquas da infância, aquela primeira infância da qual já não sabemos se nos lembramos por nós, ou por aquilo que nos foram contando, como se a memória fosse um retalho bem cosido de tudo, são com o meu irmão mais velho, de quem tinha só 22 meses de diferença e que cresceu, por isso, comigo. Infelizmente, sofro agora da irreversibilidade da saudade e da sua ausência permanente, mas ser-lhe-ei eternamente grata por me ter ensinado a ser irmã, por ter brincado comigo, por me fazer hoje, com 40 anos, recordar tantas e tantas e tantas coisas da nossa "velha infância" e sorrir. Transmito a cada um dos meus filhos, sempre, a presença do tio Nuno e tenho a certeza que teria sido (se é que não é, pela lembrança, pelo indelével que passa ao colo da ternura...) um ótimo tio. O Nuno será sempre um irmão que continua a não caber em qualquer post, de qualquer blog, será sempre uma presença tão forte e tão vital na minha vida que o sinto como vivo! 
O meu irmão mais novo, tem de mim 8 anos de diferença, é fisicamente muito parecido comigo e sinto que a nossa sintonia floresceu, naturalmente, com a idade adulta, já que ele era para mim um "bibelot" que eu levava para todo o lado (os meus pais faziam-nos, a mim e ao Nuno, enquadrar o miúdo nos nossos programas!) e a quem tinha que esconder algumas rebeldias da adolescência, senão o "puto" ia contar tudo à mãe e ao pai! Tinha para com ele algum ascendente maternal, ia levá-lo à escola, preparava-lhe o lanche, era a "mascote", quase... é engraçado como alguns amigos do tempo da adolescência se lembram dele, muito loirinho, muito redondinho... A vida empurrou-nos naturalmente para a idade adulta, onde, já "pares", nos mantemos unidos, sempre, sempre!
A relação que sempre tive (e tenho) com os meus dois irmãos, marcou aquilo que sou hoje e tenho a certeza que esteve, talvez insconscientemente, na base do meu desejo (felizmente partilhado pelo meu marido) de ter mais do que um filho. A relação que tive com os meus irmãos proporcionou-me o maior cenário de afetos do mundo, naturais, espontâneos e, sobretudo, verdadeiros. Dizia hoje na "tal" conversa boa, que ser irmão, dá legitimidade para falarmos, para dizermos o que nos vai na alma, para tentarmoss sempre "chegar ao outro", simplesmente porque gostamos dele e esse, será sempre o maior ascendente do mundo! Sei que às vezes não é assim e tenho muitos amigos que são distantes dos irmãos, por vicissitudes da vida, por comodismo, seja pelo que for. Às vezes, a vida corre e nem paramos para pensar, para nos questionarmos... é assim e pronto, mas também sei que aos meus filhos quis dar a maior herança de todas: terem-se uns aos outros!


terça-feira, 20 de novembro de 2012

 
 
TCHI KONG
 
 
Vi hoje publicado no mural de uma amiga do Facebook, uma frase que me chamou a atenção: "É extraordinária a quantidade de barulhos que há dentro do nosso silêncio!", de António Lobo Antunes. Confesso que, apesar de ser uma leitora (muitas vezes) compulsiva, nunca li nada deste autor, a não ser um livro que é uma compilação das cartas de amor que escreveu à sua primeira mulher, aquando da sua comissão de serviço na guerra colonial (D'este viver aqui neste papel descrito, Edições D. Quixote, 2005). Fiquei "apaixonada" pelo autor, pelo estilo que imprimia às suas "escritas de amor" pois vi um jovem recem-casado, médico, vibrante e emotivo que tinha, pela sua mulher, um amor desmedido, dizendo-lhe, "gosto tudo de ti", quando queria dizer que a amava. Os relatos sofridos da guerra e da gestão da distância deliciaram-me (sou uma romântica, pois então...), retratando situações verídicas, o que sempre me encantou, mas, inexplicavelmente, ou não, não me atraíu mais nada do autor que inicio a ler e desisto, porque não "cola"... (deixo isto em "aberto", aberta a novas surpresas literárias, quem sabe?)
 No entanto, achei muita piada à frase acerca dos barulhos que o silêncio tem, pois penso muitas vezes em como é difícil fazer silêncio... se conduzo, oiço música, se cozinho, oiço música, a televisão está ligada muitas vezes sem ninguém a estar a ver, em casa há o barulho de fundo, constante, dos miúdos, no trabalho existe uma "banda sonora" vibrante e contínua que nos acompanha a toda a hora, se vamos beber café "ali ao lado" é comum haver uma televisão ligada com vozes irritantes que gritam, em vez de falar, na rua, há barulhos contínuos e a nossa cabeça, é também um turbilhão de pensamentos, a mil à hora, que não param, programam o momento seguinte, o ingrediente seguinte, o dia seguinte, o diálogo seguinte. E isto, passa-se de forma tão rápida no nosso cérebro, em frações tão milimétricas de segundo, que já nem nos apercebemos! Por isso o silêncio custa tanto, está tão longe dos nossos códigos habituais de conduta.
Consigo fazer, com os meus grupos de crianças, momentinhos pequeninos de silêncio, diários, às vezes esporádicos, espontâneos, nada programados, que servem para "ouvirmos os barulhos da escola, fora da nossa sala"; "o bater do nosso coração"; "a nossa respiração"; "o nosso silêncio"... "- O nosso silêncio tem barulho, Paula?" -"Sim, claro que tem, queres ouvi-lo?" Acaba por ser um pedacinho lúdico e engraçado, que contraria a "maré gigantesca" que se vira sempre contra si. Acham piada, aguentam uns segundos, abrem os olhinhos em batota para espreitar a expressão do colega do lado, semicerram os olhos para fingir envolvimento, embora o sorriso trocista os traia, mas no final, ficaram curiosos com o silêncio...no final, sentiram a respiração a acalmar, o suor a desaparecer, a calma a chegar.
Trabalhei durante dois anos num Jardim-de-Infância no campo, onde dezenas de coisas ao mesmo tempo se conjugavam para um trabalho harmonioso (um dia, faço um post sobre esse lugar... de afetos que ainda hoje perduram!) e onde descobri, por intermédio de um menino delicioso, o momento do TCHI KONG. O tchi kong, segundo ele, era um momento de silêncio que fazia com a mãe no yoga, quando a acompanhava e que "trouxe" para a escola, na hora das novidades. Por brincadeira, começámos a imitá-lo, a introduzir o TCHI KONG todos os dias na nossa rodas das conversas, à tarde, antes da história! Aos bocadinhos, brincando, rindo, experimentando mesmo, conseguiamos já fazer momentinhos de TCHI KONG mais longos, proporcionais à sua capacidade de quietude e tão, tão bons!
Não sei se ouviamos o silêncio, que continuará sempre a ter barulhos, mas sei que era bom ouvir, a meio do dia, o bater do coração, só, sem mais nada!
 


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

 
 
 
 A ROSINHA MAIS BONITA
 
Há oito anos que não trabalho em Faro. Tenho tido a sorte de não ficar colocada longe de casa, o que é muito bom nos dias de hoje e esse fator faz com que as minhas idas e vindas para o trabalho resultem em viagens de 15, 20, ou 25 minutos, conforme a escola de colocação, o que tem resultado em  transformação do tempo de condução em tempinhos de "profilaxia mental", ora de arrumação das ideias, ora de mudanças de registo mental, ora de ouvir música nas rádios preferidas,  ora de ir acompanhando, em flash, as notícias, ora de pôr as conversas telefónicas em dia sem miúdos (filhos...) atrás de mim a gritar : "MÃAAAAAEEEEE!".... Nunca terei para os meus filhos o "dom", às vezes tão conveniente (podia ser só um bocadinho... às vezes... rápido...), da invisibilidade!!
 Tenho a graça (e digo graça, porque acho que é uma sorte...) de mudar COMPLETAMENTE de registo antes e depois do trabalho. As viagens de carro servem para, se for para lá, ir "entrando" na logística de lá; e se vier para casa, para ir "entrando" também na logística de casa, o que me faz "desligar" o interruptor de forma quase total, dentro da medida em que isso é possível. Considero isto uma sorte, de facto, pois com a vida profissional (absorvente!!!) que tenho e também com a vida pessoal ocupadíssima, entre filhos (sempre prioritários!) e outras ocupações extra trabalho, seria muito complicado se trouxesse uns assuntos para "dentro" de outros, quase como se ficasse enredada numa teia elástica de coisas para resolver. Assim, "compartimento" o cérebro, os tempos livres e o que há para fazer, em função das prioridades de tempo! Será uma defesa que o meu organismo arranjou, acredito...
Nestas viagens de carro, nunca muito longas, dou por mim, tantas vezes a imaginar chegar a casa e ter tudo feito: jantar, mesa, compras, cozinha, máquinas de lavar, roupa, lancheiras, mochilas, etc, etc, etc... Imagino a sensação experimentada por algumas amigas do que seria ter uma vida assim: poder ocupar-me só dos meus filhos, tratar com eles dos seus assuntos, ir buscar, ir levar, ficar a ver sem ter de ir ao supermercado pelo meio, estar sempre calma porque sem pressas, ter a casa sempre arrumadinha, enfim, enfim, enfim... nessa mesma viagem de carro, imagino logo a seguir que isso, me tiraria o que hoje tive! E aí vem aquele pensamento, um pouco cliché, mas verdadeiro: "a rosa mais bonita também tem espinhos"!
Cheguei a casa muito cansada... normalmente à segunda-feira isso acontece, é o rescaldo de fins-de-semana que nunca são "pasmacentos", é um final de dia quase interminável com uma série de outras coisas que se seguiram ao trabalho e é um sem número de coisas que há para fazer em casa, a essa hora fatídica, o que, mesmo com muitas ajudas que vou tendo aqui do meu núcleo familiar, se transforma sempre num pensamento... cansativo!!!
O jantar programado até era simples, as miúdas estavam divididas ainda nas atividades, com o pai à sua espera e estava só com o meu filho mais novo que RESOLVEU querer ajudar-me a fazer o jantar! -"Ai não, filho, que levo mais tempo, isto está uma confusão, a mamã sózinha faz mais depressa, vai brincar um bocadinho, blá, blá, blá..." Ele insistiu veementemente (hoje estava para aí virado) e ainda bem... reconheço que às vezes a vida nos mostra pedacinhos de coisas boas assim, destas formas inusitadas, sem estarmos à espera, ou programados para isso. Enchi o peito de ar e intuí (lá está a "amiga" intuição...) que seria bom acolher a sua vontade, mesmo que levasse mais tempo, mesmo que me sujasse tudo, mesmo que tivesse que ir buscar o banco da despensa porque não chega ao balcão e que estava com uma tonelada de coisas em cima, mesmo que não se calasse um segundo, mesmo que não me deixasse ouvir a música que ponho sempre na cozinha enquanto cozinho, mesmo que, mesmo que, mesmo que... Foi tão bom!!! Ficou felicíssimo, com este NADA tão grande, assim que o pai e irmãs chegaram, foi a primeira coisa que lhes disse, eu esqueci-me do cansaço por momentos e vi esta minha "rosinha mais bonita" a encher-me de felicidade, mesmo com os espinhos diários do cansaço!
Agora, já se esqueceu e já voltou às suas diabrices de sempre, já estou outra vez "enredada" em tarefas domésticas para gerir, já me zangeui porque não levantaram a mesa, já chamei toda a gente porque eu e o pai não somos empregados, porque têm de ajudar, porque não sei a que horas vou sair hoje desta cozinha, etc, etc, etc, mas sabem, o cheiro da minha rosinha ainda perdura aqui no ar e então, eu não me importo... por hoje!!!


domingo, 18 de novembro de 2012

 
 
 
 
 
 
A CASA DA MINHA MÃE
 
 A par de todas as outras vezes que lá vou, gosto também de ir, ao domingo, almoçar a casa da minha mãe! Para além de me saber muito bem não ter de fazer o almoço nesse dia (ai cozinha, cozinha que nos absorves, que obrigação mais vitalícia!!!), é uma tradição que quero preservar, que quero incutir aos meus filhos, pois considero que é muito importante, terem vários cenários de afetos verdadeiros, marcantes, recheados de cantinhos cheios de significados diferentes. É quase como se os afetos pudessem (e podem, de facto!) ser vividos em muitos sítios diferentes.
A casa da minha mãe é assim e ela, como está algumas vezes fora, sempre que cá está, é certo e sabido que lá fazemos os almoços de domingo, estendidos também às presenças do meu irmão, cunhada e sobrinho. Sinto a casa dela como uma "zona de conforto" à qual todos recorremos e vamos ter, sempre que possível.
A minha mãe é uma avó jovem que não se encaixa no prototipo da "avozinha que se senta à lareira a fazer renda!" (vai havendo cada vez menos avós assim...) A minha mãe nunca soube fazer renda, aliás, era avessa às costuras e lavores e foi a minha saudosa e doce avó materna (a avó Lurdes) que tentou, afincadamente, ensinar-me essas virtudes. Eu, canhota em tudo o que fazia, dificultei-lhe o ensino, pois fazia tudo ao contrário, do lado errado, começando pelo fim, o que a aborrecia e impacientava e isso, aliado à minha muito pouca vontade de aprender tais lides, à minha irrequietude e rebeldia, se mostrou muito conveniente para mim... Era o pior que me podiam pedir...
A minha mãe encaixa-se no prototipo de avó disponível e cheia de ensinamentos para dar aos netos, apesar de ter (e muito bem!) uma vida própria... é tão bom quando temos vida própria e mesmo assim todos os nossos amores se encaixam lá... Acho muito engraçada a relação dela com os meus filhos, cada um deles, respeitando os seus diferentes feitios, acho piada ao gosto que eles têm (mesmo as miúdas, que são mais velhas!) em ouvir as histórias que ela conta da sua infância, num hemisfério sul tão distante, tão quente, tão exótico e tão cheio de episódios que lhes soam, agora, a caricatos!
A casa da minha mãe tem muitas fotografias. É engraçado, pois acho que herdei dela o gosto de ter fotografias (muitas!) espalhadas pela casa. Acho que dá um "ar de lar", é quase como se esses flashes de memória nos fizessem sorrir continuamente... na casa da minha mãe já não vive o meu irmão mais velho, nem o meu pai, que serão sempre redutos sagrados da minha vida, outros meus amores mais profundos e autênticos, transformados agora numa lembrança suave e numa saudade que não tem fim; mas na casa da minha mãe eles estão, nos cantinhos, nas conversas, no ar que se respira e isso é tão autêntico, tão bom e tão estruturante para quem está a crescer!
Todos precisamos de raízes, todos precisamos de uma história, num tempo, num espaço, com pessoas que se revelaram importantes para nós, com personagens que ainda vivem ao nosso lado e que têm tanto para nos contar!
É assim, a casa da minha mãe... mesmo moderna e cheia de novas tecnologias, mesmo agitada, porque enche connosco, que somos muitos, mesmo informal, porque espontânea e prática... é cheia daquilo que é mais importante: afeto, raízes e história! E é exatamente isso que quero passar aos meus filhos!