quarta-feira, 16 de abril de 2014











FARMÁCIA DE SERVIÇO



Fila na farmácia! Outro fenómeno sociológico, digno de teses de doutoramento, se nos dispusermos a ver com atenção... Hoje, com tempo e paciência, dispus-me a observar e VI muitas coisas, mesmo de pé, depois de dar o lugar a uma velhinha (- sim, sente-se, não faz mal, eu fico de pé... 
- Obrigada, é tão simpática minha querida! E fez-me aqueles sorrisos que as velhinhas bonitas sabem fazer. E eu, consolei-me com este gesto meu de boa ação à moda de escuteiro e continuei também em modo observação/absorção do que se passava à minha volta.) 
Vi velhinhos a passarem à frente, matreiros, fazendo-se valer dos seus ares frágeis e apanhando boleia da cordialidade de quase todos (sim, deixei, complacente... às vezes até é giro fingirmos que não percebemos...); vi velhinhos a desfiarem listas enormes de medicamentos para (quase) todos os orgãos do corpo; vi velhinhos a gastarem fortunas com quase todos os orgãos do corpo cansado, mas ainda, à força, eficaz; vi velhinhos a pedir FIADO, como se fazia antigamente na mercearia do bairro; vi velhinhos a pedirem que lhes ponham uma barrinha de cores nas caixas dos remédios, porque assim fica mais fácil de distinguir e porque muitos não sabem ler, ou lêem mal, ou não têm depois quem lhes leia aquilo; vi velhinhos a interceder à menina que já conhecem, porque ali passam a vida; vi velhinhos a queixarem-se que dos 4 euros a mais numa compra, "ai, é demais menina, que eu já não posso!"...; vi velhinhos com ar gasto e cansado.
Não vi só velhinhos hoje na farmácia enquanto esperava pela minha senha. Também vi a cara de outras gentes e outros mundos, imunes e longe de tudo isto, com outras realidades, carteiras e urgências, mas é nos velhinhos que vi que agora penso, ou não fossemos nós um país de velhos e não tivesse eu uma coisinha especial (talvez ternura?) pelos velhinhos, talvez os ache um bocadinho parecidos com as crianças, é isso! Talvez me interpelem as suas histórias de solidão, as suas famílias de abandono, as suas vidas hipotecadas a listas de medicamentos e pensões de miséria...

Não sei como serei quando for velhinha, ou se chegarei a velhinha, mas se lá chegar, gostaria de não ir à farmácia só comprar medicamentos, gostaria de ter ainda um sorriso de velhinha bonita e também que alguma menina simpática me desse, às vezes o lugar, sorrindo para mim. Seria sinal que nem tudo estaria perdido!



( Imagem em: ponteaudifonosflaiteqlo.tumblr.com)



Sem comentários:

Enviar um comentário