quarta-feira, 27 de março de 2013



SORRISO TEIMOSO

Tenho estado "mergulhada", completamente submersa, numa leitura que me está a prender completamente às 900 e tal páginas de uma história de várias famílias, que atravessa todo o século XX. (Trilogia "O SÉCULO"  -livros I e II, de Ken Follet) Para quem, como eu, adora apontamentos históricos, com um quê de quase verídicos, não poderia ser melhor. Esta obra é uma trilogia, com três livros, acho que o terceiro está ainda a ser ultimado pelo autor, mas, embora ainda vá a meio do segundo, já anseio pelo terceiro, pois estas personagens tomaram conta de mim, numa adesão deliciosa que me tem preenchido. Parecem-me pessoas quase reais, com um bocadinho de mim, ou de outros que conheço, em cada uma delas e acho mesmo que quando um livro "toma assim conta de nós", é porque se apresenta como maravilhoso. É assim para mim a leitura: uma compulsão que quando resulta, é melhor ainda!!! Confesso que a adesão tem sido tão grande que alguma (muito pouca) televisão e também este meu querido blog, têm ficado um pouco para trás, embora sinta que tenho sempre "assunto para escrever", como dizia a canção...!!!
Hoje, por inerências "logistíco-familiares" (se é que esta combinação de palavras existe...) tive que "tirar" o dia para tratar de uma série de assuntos junto de repartições públicas, acompanhada do meu filho Pedro, que se revelou num ajudante muito bom, a tirar as senhas, a adivinhar logo para que balção tínhamos de ir, a conversar sobre uma série de coisas que ia vendo... não pude deixar de pensar em tantos e tantos meninos e meninas que não têm nunca esta pequeníssima experiência que em si não terá nada de mais, mas que pode ser uma experiência de vida interessante, para "gente grande tão pequenina" como o meu filho mais novo.
Enfim, no último atendimento a que fui sujeita, tive de esperar algum tempo. Observei o design do espaço envolvente e de facto, estava giro: open spaces por todo o lado, apelando a uma psicologia moderna dos atendimentos (contacto visual e pessoal quase personalizado e não o horroroso e antiquado buraquinho tão alto que quase nos impedia de ver quem nos atendia!), quadros de design também moderno, setores com cores distintas conforme os assuntos a tratar, legendas coloridas e apelativas por todo o lado, fotografias grandes a preto e branco de gente sorridente e feliz, gente bonita, pude reparar, como que de propósito postas ali para suavizar as esperas e os assuntos, às vezes, "pesados"... Achei interessantes estas analogias... detive-me a pensar nelas por uns bocadinhos, ao som da voz do Pedro, sempre, sempre a "martelar-me" os ouvidos... (mas este miúdo não se cansa???)
De repente, este "feitiço" relativamente agradável quebra-se como que por encanto, já que sou atendida de forma eficiente, relativamente rápida e eficaz, por uma pessoa que, qual "ave rara" que paira num espaço até agradável, não sorri! Opá, dos breves minutos que durou este atendimento, a sua postura corporal, facial, gestual, esteve tão rígida, tão rigída que até tive receio que se partisse de tensão... Eu acho que sorrio de mais, às vezes até me sinto meio deslocada, apatetada, mas ele (o sorriso) sai assim, sem eu querer e mesmo assim, com uma imunidade "musculada", nada do outro lado!!! Destoava naquele espaço, a senhora... estaria mal-disposta, farta, aborrecida, descontente com a vida, desejosa por se ir embora, talvez!!! todos temos dias maus... mas que destoava, era certo! Nem as piadas espirituosas e engraçadas do Pedro, que estava inspirado, lhe serviram... Bem, desisti de procurar causas e de compará-la ao espaço envolvente. Resolvi o que tinha de resolver e desisti, a sério, do meu sorriso teimoso! Paciência, talvez o "estigma"/rótulo/perfil do "funcionário público", aquele meio pejorativo que se ouve por aí, seja afinal verdadeiro, mesmo que só um bocadinho, à força dos anos de "implantação"... 
Despachei-me e não resisti a uma pergunta final, tratando a senhora pelo nome que tinha na plaquinha que a identificava... respondeu-me de pronto e agradeci, preparando-me para vir embora, enquanto arrumava a papelada na bolsinha que levava... aí vi, ténue, ténue, como um nevoeiro que se dissipa quando a manhã já vai alta, um sorriso tímido e um gesto de assento com a cabeça. Bem!!! Finalmente, pensei!!! Afinal retribuir sorrisos até resulta um bocadinho!!! Ela vai voltar de certeza, no segundo seguinte à sua eficácia muda e séria, mas naquele bocadinho, achei-a mais bonita, pelo menos mais parecida à fotografia enorme de um rosto anónimo de homem lindo que estava por trás dela, mesmo ao centro.
E vim-me embora, menos chateada com o meu sorriso teimoso! 

segunda-feira, 18 de março de 2013



REDUTOS SAGRADOS

Em criança dizem-me que era travesso e muito arisco. Tinha um cabelo loiro, quase branco e era o quarto de sete irmãos, todos seguidos e criados por uma família pobre em posses, mas muito rica em afetos e valores que transmitia. Tinham o mar "à porta de casa" e eu, em segredo, sempre achei que isso lhes moldara, a todos, os temperamentos e as maneiras de ser. Os relatos que o meu pai me fazia da sua infância e outras coisas que eu juntava de "pedacinhos" que as minhas tias acrescentavam, fizeram-me perceber que foi feliz e que teve, nas figuras de seus pais, referências fortes de autoridade, valores e muito afeto.
Na idade adulta, tornou-se num homem muito bonito: loiro, de olhos verdes, grandes, magro e atlético, quase tendo um "quê" de ator de cinema. Sentia isso sempre que via fotos que a minha mãe guarda das suas juventudes e do seu tempo de namoro. Em segredo também, sinto-me feliz por ver que o  meu filho mais novo é tão parecido com ele, quase um clone, dando à genética uma força, de facto, intransponível e tão visível.
Quem o conheceu sabe que era um homem íntegro e com um enorme sentido de justiça, para além de que procurava com uma eficácia naturalíssima exercer essa justiça com um grande sentido pedagógico. Tinha sempre uma mensagem a dizer, um reparo construtivo que nos deixava a pensar nas coisas, um toque de assertividade às vezes não imediatamente vista, mas muito presente. Era um homem determinado, mas não teimoso, autoritário, mas meigo, não muito caloroso no trato, mas tremendamente assertivo e muito seguro e inteligente, o que me deu sempre (e aos meus irmãos também...) uma sensação de "rede" que estava lá sempre, quase invisível, mas presente. A relação que tinha com a minha mãe e que a minha mãe tinha com ele, serviu-me, sem eu saber, de modelo para construir eu agora, ao longo dos meus dias e meses e anos, o meu próprio desenho de relação a dois: íntima (porque só dos dois, com verdades escondidas e partilhadas só nessa esfera tão pequenina e ao mesmo tempo tão grande que é dimensidão de duas pessoas que se amam), sagrada (porque intransponível e com redutos e "cantinhos fechados" ao que vem de fora), prioritária (porque com vida própria, às vezes exigente) e própria (porque única e irrepetível), com traços de afetividade, mimo, exteriorização do que se sente, valorização do que se quer, registos de atuação, formas de estar, únicos e relativos a cada PAR.
A sua forma de ser pai, serviu-me também, sem eu saber, para admirar muito o que fez por nós e a forma como era pai: firme, determinado, organizado, previdente e sempre presente, mesmo quando trabalhava muito, porque conseguia transmitir-nos que a cumplicidade que tinha com a minha mãe fazia com que estivesse sempre lá, como que ligado por uma rede invisível mas sentida, vista, como aquelas luzes de presença que fazem os meninos deixar de ter medo do escuro. Enquanto cresci, talvez estes efeitos fossem ficando marcados sem que me apercebesse. Enquanto crescemos, absorvemos de tal maneira tudo o que nos rodeia, nas várias frentes, que a maturidade não acompanha ainda o processamento que tem que se fazer de todas as informações, é tudo muito rápido. Quando cresci, abracei uma profissão e um projeto de vida, parece que todos os "imputs" que recebi dele, se manifestaram, como um efeito feliz de uma educação que resultou. 
Não sei porquê que hoje resolvi lembrar-me disto. O meu pai é uma presença tão forte na minha vida e um "cantinho" tão secreto, sagrado e saborosamente único, que nenhum blog do mundo lhe poderia prestar tributo. Esse, presto na vida de todos os dias e no testemunho que dele dou aos meus filhos, continuamente; mas sei lá, talvez por amanhã ser o dia do pai, talvez por gostar de explorar com os "meus" meninos dos meus grupos, a importância do pai nas nossas vidas, talvez porque é uma figura que lhes é essencial, talvez porque os nossos neurónios saltitem de vez em quando para aquilo que nos é importante e caro... não sei, apeteceu-me falar assim um bocadinho dele e dizer-lhe que foi o melhor pai do mundo e que foi crucial para eu ser a pessoa que sou hoje, tremendamente feliz!... MESMO!!!!!

quinta-feira, 14 de março de 2013


O QUE É INVENTAR?
(D., 5 anos)


"Inventar é pensar do princípio..."
 
T., 5 anos

Que os grupos estão cada vez mais difíceis, já sabemos; que a vida nas escolas se revela diariamente como uma luta constante contra super, mega, hiper logísticas, de dentro, de fora, daqui e dali, que nos dificultam a tarefa de ESTAR com os nossos meninos da forma que julgamos mais plena, também não vai sendo novidade; que a vida das famílias é diferente da que era há uns tempos, devido a todos os muitos condicionantes que se nos/lhes apresentam, também vai sendo um "lugar comum"; que o nosso desalento vai correndo o risco de se tornar crónico e silencioso, é uma constatação quando falamos com os nossos PARES profissionais (o que nos leva/ me leva, sobretudo a reagir, instintivamente a essa ideia, recusando-me a "navegar" numa maré de pessimismo), que, que, que..... é verdade e sinto diariamente a necessidade de fazer estas catarses, mesmo quando estou e fico "zangada" com contrariedades tão evitáveis... mas, pronto, aceito tudo isso, centrando-me no grupo, nos meninos que suavizam tudo (ainda!), mas custa-me muito a constatação da dificuldade que os meninos e meninas vão tendo cada vez mais em IMAGINAR/INVENTAR/CRIAR/FAZER-DE-CONTA...
Todos os profissionais de educação, sobretudo os colegas do Pré-Escolar fazem variadíssimas vezes por dia e assumem como naturais as estratégias de recriação, dramatização, invenção. O lúdico assume-se assim como um aliado indispensável à promoção das atividades, à sistematização de conceitos, à transmissão de conhecimentos, que depois se servem da VIDA de cada um para se consolidar. E aí, temos como grande aliada, a idade da criança. No entanto, sinto, com alguma apreensão, a dificuldade que algumas crianças vão tendo em entrar em jogos de imaginação, em que tenham que recriar situações imaginárias e "conduzi-las" num fio condutor de uma história que não é real, mas inventada, ali na hora.
Há poucos dias desenvolvi com o grupo uma atividade que tinha como objetivo levá-los a imaginar e inventar o fim de uma história que, não acabaria ali no livro, daquela forma, mas que continuaria na nossa imaginação, criando-se e ganhando forma, obtendo, no final, outro desfecho. A imaginação seria aquela "coisinha mágica" que temos na cabeça e no coração e que nos ajuda a... CRIAR! Apesar de todos os condicionantes que podem interferir na atividades, senti, com uma clareza (quase) cortante que lhes era difícil este jogo, não  lhes foi apelativo, apesar de todo o meu esforço para os envolver... "colaram-se" à história original , repetiram-na, ou inventaram finais pouco imaginativos e muito curtos, sucintos, sem magia, rápidos e pouco encantadores. À exeção de duas, ou três crianças, foi assim... Refleti... analisei condicionantes (e são muitos...), revi a minha postura, reavaliei e envolvência, contextualizei o tipo de grupo e percebi, com algum alívio que a causa é, em grande parte, exterior a mim, embora eu não esteja isenta, nunca estamos...!
Os meninos e meninas não vão sabendo brincar, tendo que criar: está tudo feito; os meninos e meninas não vão perdendo tempo a pensar: está tudo pensado, só têm que "clicar", acionando, ou "deletando" a operação; os meninos e meninas não vão sabendo interagir: brincam muito mais sozinhos, mesmo quando estão acompanhados; os meninos e meninas não vão perdendo tempo a imaginar porque todas as cores e formas e tamanhos e modos, estão já feitos por medida; os meninos e meninas não vão achando graça a esta história do "inventar", porque alguns já não sabem o que isso é...
Pois é!... foi o que senti... confesso que não sei bem o que fazer, embora, instintivamente, perceba que é um desafio para mim/nós, como profissionais; confesso que fiquei um pouco confusa, "digerindo" por algum tempo, esta constatação, mas, no final, sei que haverá sempre um pai e/ou uma mãe que pensem nisto, que sejam sensíveis a estes assuntos, um Educador de Infância, ou Professor que recuse também o tal desalento silencioso, um tutor, ou adulto cuidador, que obrigue o IMAGINAR, o RECRIAR, o FAZER-DE-CONTA a entrarem de rompante nas nossas vidas e casas e escolas e a instalarem-se por algum tempo, mesmo que seja só um bocadinho.
 
'Bora lá?

sábado, 9 de março de 2013




TULIPAS AMARELAS


Hoje ofereceram-me tulipas amarelas. Adoro tulipas amarelas, mas bem, tenho que ser completamente sincera, a cor foi escolhida por mim, pois de três ramos diversos que se me apresentaram, eu escolhi as amarelas. As tulipas, para mim, têm que ser amarelas, não sei porquê, tal como as papoilas são vermelhas e os malmequeres brancos. Nem os imagino de outras cores, que se calhar existem na diversidade botânica deste mundo... 
Gostei do ramo, gostei da cor, do cheiro e, sobretudo, da atitude de quem ofereceu. O pai de uma menina da minha sala, quando a foi buscar, levava três ramos de tulipas para oferecer às três adultas da sala. Surpreendeu-me a sua atitude, já que é um pai não muito próximo, com quem nem estou sempre, ao contrário do que se passa com outros. No entanto, o mais interessante de tudo, foi o que ele me disse a acompanhar o presente. Tem um português "arrevesado", já que é de outra nacionalidade e então, a sua fluência da nossa língua, não é boa. Tenho que me aproximar muito e ouvi-lo com muito cuidado para tentar entender tudo o que diz. Não sei se no seu País de origem valorizam mais esta data, do que aqui em Portugal. Eu, pessoalmente, nunca dei importância a esta efeméride, sou muito seletiva nestes festejos e às vezes já não tenho paciência para tudo o que se tem, "quase obrigatoriamente" que festejar. Este dia resume-se para mim a umas graçolas ditas e/ou ouvidas "aqui e ali", a assistir, levemente irritada aos relatos histéricos de jantares, banquetes de grupos onde, muitas vezes, algumas mulheres parecem doidas que nunca saem para lado nenhum senão neste dia, e a uma lembrança muito, muito ténue, quase inconsciente dos motivos históricos para a instituição deste dia, como o dia internacional da mulher. Imaginar aquele grupo de mulheres, numa fábrica de Nova Iorque, a fazerem valer os seus direitos e a fazerem a primeira greve da história feminina, num mundo laboral tão masculino, é quase épico, de filme e para quem gosta de apontamentos históricos e de "mergulhos" nas épocas especificas para imaginar como seria, como se viveria, como se conquistariam as coisas que agora, tantos anos depois nos parecem já tão normais, tão corriqueiras; é interessante, no mínimo! 
Então, mesmo não dando especial importância, ou relevância à data e mesmo sabendo que, apesar das "nossas mulheres" do século XIX não poderem nunca imaginar que cento e tal anos depois, muitas mulheres do século XXI continuariam a ser maltratadas, marginalizadas, desconsideradas em relação aos homens e etc, etc, etc; quero dizer aqui o que o "tal" pai desta história me disse, enquanto me estendia, com um sorriso, o ramos de tulipas... Olhando-me nos olhos e bem-disposto, disse-me num português deficitário: ..." - Sabe, Paula, eu tenho quatro filhos e só assisti ao nascimento dos dois mais novos, pois no meu país de origem isso não era permitido... só o pude fazer, já aqui em Portugal... e sabe o que pensei, enquanto estava ao lado da minha mulher, que estava em trabalho de parto? Sabe o que vi, ali, naquele momento, com uma clareza maravilhosa?" 
- "Não - respondi - não sei!
Continuou:  - "Pensei que os homens poderão querer continuar a conquistar o mundo, de várias formas e em vários tempos, mas o mundo, será sempre das mulheres, não acha?"
Que bem que me cheiraram aquelas TULIPAS!!!!!

quinta-feira, 7 de março de 2013

 
 
MENSAGEM ENVIADA
 
 
 
Eu e o Nuno íamos pelo caminho, no banco de trás e, entre outras coisas que fazíamos, algumas exasperantes para os meus Pais que seguiam nos bancos da frente, um deles a conduzir, era o contar as árvores da estrada. Era como uma pausa mais calma, entre as "diabrices" de duas crianças, cansadas de viagens longas de carro. Ele tinha sempre mais paciência do que eu, que me fartava depressa daquela brincadeira parada de mais para o meu gosto. Ganhava-me sempre, não havia hipóteses. Lembro-me que durante este jogo infantil, eu pensava (infantilmente também...) que as árvores andavam, corriam, acompanhando o andar do carro. Dizia-lhe isso e ele ria muito, chamando-me palerma. Lembro-me depois, mais tarde, de sorrir ao pensar na minha ingenuidade tão infantil... imagina, achar que as árvores andavam! Realmente!! Mas estas viagens de carro, num Toyota branco, antigo, tipo station, que os meus Pais tinham, ficaram marcadas na minha memória, como um selo antigo que se quer guardar, porque é de uma coleção preciosa. Isso e as merendas que fazíamos a meio do caminho (a viagem mesmo para Lisboa, era infinitamente longa!!!), as pausas, os jogos de mímicas, os despiques das canções "à solta" (aí eu ganhava sempre, não havia hipótese!!!), o inventar de histórias para ver a mais "mirabolante", os campeonatos de caretas para ver quem aguentava mais tempo sem rir, olhando de frente, fixamente para o outro (mais outra prova em que eu era "batidinha" pelo Nuno, campeão da resistência séria!!!). Enfim, "selos" e mais "selos" de uma coleção de memórias sem fim, de apontamentos soltos de uma infância tão feliz!
Hoje, não poderia pedir a nenhum dos meus filhos que fizessem viagens de carro assim, entretendo-se mutuamente com este tipo de distrações. Não consigo competir com os Nintendos, Hipads, Playstations e afins que nos "invadiram"... O mundo está diferente e os centros de interesse, ou as distrações, são também diferentes, a própria ingenuidade das crianças é proporcional às vivências e experiências que têm. Duvido que haja crianças de 5, ou 6 anos, hoje em dia, que achem que as árvores andam, acompanhando a velocidade dos carros; mas há coisas em que sou absolutamente intransigente, muito a contra gosto das minhas filhas "aborrescentes" (deve ler-se, "adolescentes"...) e uma dessas coisas é não as deixar que transformem o telemóvel, numa extensão amovível das suas mãos! Não admito e pronto, enquanto for eu a mandar...
É fácil "falar" virtualmente, é menos exigente, mais rápido, mais egoísta e, por isso, mais cómodo... Eu própria sou fã dos SMS: poupam tempo, facilitam logistícas, aceleram procedimentos. Também sou fã das redes sociais, acho sinceramente que se transformaram em meios ao nosso dispor para comunicar, interagir; considero-os "caminhos irreversíveis" que podem ser altamente postos a nosso favor, desde que os saibamos utilizar e desde que não os deixemos "tomar conta de nós". Por isso, terá que continuar a haver espaço e tempo e contexto próprio para conversar "olho no olho", sentindo ao vivo a reação do OUTRO, vendo a expressão do olhar, o ruborizar, o reagir, atrevendo-nos ao toque, à ternura que só é possível ao vivo, obrigando-nos a enfrentar "no direto" as pessoas, as coisas, as conversas, as consequências. Isso é muito importante para o equilíbrio emocional, sobretudo e com maioria de razão para quem está, ainda, a crescer! Tem que continuar a haver espaço para os jantares de família (qualquer que ela seja, na sua forma, tipo, contexto, ou maneira...), para os livros, para a música, para as conversas deliciosas jogadas fora e maravilhosas só porque existiram, mesmo que não sejam de nenhum assunto em especial, para o olhar em volta, para o sentir das ruas, das pessoas, dos cheiros, dos movimentos, dos barulhos, dos silêncios, dos ruídos, dos sinais, dos fellings, das intuições; para a liberdade do nos darmos ao direito de não querermos estar com o telemóvel, com a mensagem pendente, com o chat ligado... Mesmo que não gostem que lhes imponhamos isso (eu e o pai), sinto/sentimos que isso, essa gestão dessa liberdade, é absolutamente essencial para o seu crescimento e quem sabe, no futuro, não saibam fazer já, de olhos fechados, com a mesma rapidez com que teclam, essa gestão, dessa liberdade tão fundamental e dêm tempo e espaço e gosto a outras coisas que compõem a vida! 
Não quereria correr o risco de, como o Einstein dizia, virmos a ter a "generation of idiots"...
E posto isto... "mensagem enviada!"...  
 
 
 


segunda-feira, 4 de março de 2013



 CORAÇÃO ELÁSTICO E PAREDE DE ESPUMA


Hoje de manhã quando ia para o trabalho, levava, como habitualmente, o rádio do carro ligado e ouvia, um pouco distraidamente, uma das estações de eleição. Confesso que não sou fiel só a uma, vou mudando, entre duas ou três, um pouco ao sabor das músicas e também da minha disposição e hoje, ouvi qualquer coisa cerca dos pais e mães que têm vários filhos, sobre se gostariam mais de uns, ou de outros. Nem sei bem contextualizar em absoluto a conversa, porque de facto, o que retenho às vezes é muito pouco, centro-me mais na música, mas chamou-me a atenção a temática e de imediato pensei em cada um dos meus três filhos. Os meus flashes de pensamento foram "saltitando" entre eles, deixando a condução passar a ser aquele exercício autómato e mecânico que fazemos com gestos repetidos, como se não estivéssemos ali.... 
Lembrei-me da mais velha, da sua capacidade de organização, da sua responsabilidade e métodos de trabalho a nível escolar e outros, da sua simpatia para com os outros e preocupação em agradar e ser solícita; passaram-me pela cabeça as suas rabugices, os seus ares de sabedora, "sra. aborrescente", mas também a sua perspicácia e sensibilidade no relacionamento com as pessoas, a sua preocupação em ser autêntica e em não sentir as coisas "pela rama" e em como isso me faz sentir orgulhosa; lembrei-me da do meio, estouvada e deliciosa, uma "tempestade" em qualquer espaço, da sua determinação e rapidez, da sua pouca perfeição às vezes em fazer as coisas, mas também do seu lado artístico e ultra rápido, da sua capacidade de apreensão imediata de tudo, no ar, da sua desarrumação que me faz lembrar "outros caos organizados" de que já falei aqui e do seu espírito determinado e muito seguro; e depois, o meu pensamento flutuou para o mais novo, rapaz, endiabrado, louco por futebol, estouvado também (tem muito da irmã do meio...), determinado e muito teimoso, pouco beijoqueiro, mas meigo como ninguém, com uma meiguice só dele, diferente da de todos os outros,  teimoso, inteligente e senhor de si, preocupado com os mais novos e pequeninos... 
É incrível como o nosso cérebro terá sempre esta capacidade de se multiplicar assim por tantos pensamentos, ao mesmo tempo, enquanto conduzimos, comemos, bebemos, olhamos, ou fazemos qualquer outra coisa.... Tentei depois imaginar de qual dos meus filhos gosto mais, que pedacinho de pensamento gostei mais de ter, de que característica me deu mais prazer recordar e o meu pensamento navegou para uma parede de espuma que se desfez e me deu um vazio como se nunca tivesse existido. Foi para mim completamente impossível avançar em frente com este pensar, não dava em nada, não surgia nenhuma imagem, o cérebro não conectava com pensamentos elaborados, surgia um vazio branco, imenso, ôco, incolor, disforme! Calculo que seja normal assim! Calculo que tragamos para as nossas convicções o que sempre recebemos também de nossos Pais e nós, éramos três filhos também lá em casa, tão diferentes uns dos outros e todos, mas todos, a sentirmo-nos tão amados... por isso repito, que talvez seja normal eu sentir isto, ou talvez seja uma capacidade elástica que os corações dos pais e das mães adquirem, sem pedirmos, automaticamente, como a tal condução de todos os dias. Não sei!  Das conversas e vivências que vou tendo, com o universo de gente que "me compõe", presumo que haja exeções; presumo que haja outras maneiras de sentir e/ou de pensar, movidas pela vida, pelas amarguras, ou simplesmente, por maneiras diferentes de ser; mas, da parte que me toca, senti-me gratificada por ter cá dentro a pulsar, um coração elástico e por "esbarrar" numa parede de espuma, o que me fez sentir, a 1000% um amor igual e desmedido por cada um dos meus filhos!


E a mãe a todos amava, de todos cuidava..."

sexta-feira, 1 de março de 2013


PAR

Um pouco sem saber porquê, sem contar, ou premeditar, lembrei-me hoje dela em particular. De facto, as pessoas povoam a nossa vida e aquelas que nos são significativas, às vezes, preenchem-nos os momentos, fazendo-nos recordá-las e amá-las um pedacinho mais...
Sempre foi uma aluna brilhante, com muito boas notas a todas as disciplinas, o que lhe deu um leque de escolhas muito versátil, no longínquo décimo ano, nos anos 80 do século XX (!!!), onde se optava por uma área disciplinar. Era (e ainda é!) bonita, muito bonita, simpática e, sobretudo, inteligente. Lembro-me que, na adolescência, aquele "magote" de gente que povoa, um pouco inconsequentemente as nossas vidas, sentia algumas ciumeiras em relação à sua pessoa. Nunca senti em relação a esta minha amiga nada que se parecesse com isso. Aliás, acho que foi isso que, no início, nos aproximou, talvez porque ela visse uma simpatia (e depois amizade) genuína. Sentia-me bem com ela e sabia que éramos diferentes, o que foi tornando também diferentes os nossos percursos de vida. A sua beleza, inteligência e "brilho", nunca me fizeram sentir insegura, o que até poderia ter sido relativamente normal, já que a adolescência é uma fase de inseguranças natas, de procura de espaços confortáveis e, às vezes, de procura de auto-estimas que tardam em aparecer e tudo isto pode fazer "torcer o nariz" a tudo o que nos possa tornar ainda mais inseguros. Eu, contrariando o que poderia ter sido o normal, nunca senti nada disso. Éramos amigas e pronto, só isso!
Fomos seguindo os nossos percursos de vida, um pouco diferentes, pessoal e profissionalmente, mas a sentirmos sempre o "reduto sagrado" da nossa amizade, como uma zona confortável a onde voltávamos de vez em quando, como se fossemos sabendo que a outra iria estar sempre ali nos momentos mais importantes e também naqueles que não sentimos como marcos significativos, porque estão sempre lá, mas que fazem parte do normal das nossas vidas e dos nossos dias.
Eu construí uma vida familiar diferente da dela, com uma estabilidade afetiva que me faz ter um contexto pessoal diferente e sinto que esse meu contexto, lhe serve de referência, como se ela o procurasse, não porque é o meu, mas sim, porque é aquele parecido com o que ela também gostaria de ter.
Quando penso nesta minha amiga, lembro-me logo daquelas séries de televisão que retratam a vida de várias mulheres amigas, tão diferentes entre si, umas, com filhos e com a vida "a mil", sendo protagonistas de relações afetivas longas e cheias de história, conjugando a "filharada" com a profissão e outras coisas (e claro, esta sou eu!!!); outras, sem filhos, investindo em carreiras de sucesso e  tendo logísticas tão diferentes; outras ainda, com filhos, mas sem uma relação de PAR que lhes encha as medidas, e então o "tal projeto a dois" vai sendo adiado, porque ainda não se encontrou o que se quer. Atrever-me-ia a dizer que "aqui" está esta minha querida amiga. Hoje, adulta, tenho algumas verdadeiras amigas, com quem tenho muito em comum, mesmo referindo-me a este contexto afetivo e familiar. Isso faz-me sentir uma cumplicidade deliciosa nas conversas e desabafos, nas partilhas e opiniões; mas também tenho outras amigas com "caminhos" tão diferentes. Talvez este post possa ter um bocadinho de todas elas, de uma forma ou de outra, enaltecendo o respeito que lhes tenho e a amizade que por elas sinto; mas hoje, particularmente, lembrei-me de uma amiga em especial e é a ela que quero dizer que sei o que procura, sei no que ela se revê e compreendo-a, sei que esse caminho de procura do PAR vai ter que ser feito por si. Nunca se saberá se será longo, ou curto, se será linear, ou conturbado, mas tenho a certeza que, tal como a Áurea canta, "não é preciso prometerem-nos a lua... às vezes, basta sentarem-se connosco e ver o luar"... talvez isto, lhe suavize a busca, quem sabe, e era isto, hoje, que lhe queria dizer.