quinta-feira, 26 de dezembro de 2013






     (...)  "Também é essencial que cada um mantenha o seu espaço individual. Cada um deve ter as suas atividades e fazer coisas sozinho. Com os Pais, em relação aos filhos, passa-se o mesmo (...)"

-SOBREVIVER AOS FILHOS-
REVISTA PAIS E FILHOS



BANDEJA CHEIA


Preciso disto, eles já sabem. De vez em quando, tenho que ter escapadelas só para mim, para as minhas coisas, para os meus ritmos, para os meus interesses, nem que seja estar só sentada no café da esquina com o meu livro, ou o meu caderninho preto. Se essas escapadelas não acontecem espontaneamente, forço-as de quando em vez. É imperioso que assim seja e faz parte do meu equilíbrio. Eles todos serão sempre a minha prioridade, mas isso não tira a urgência que sinto em ter bocadinhos só meus, sem mais ninguém, a fazer aquilo me apetece em bocadinhos de tempo que me são, às vezes, oferecidos de bandeja! E hoje foi assim... uma filha com programa ao final da tarde, outra com uma avó desde a hora do almoço, pai no ténis, filho mais novo com a outra avó para programa inadiável e achei que era isso, a bandeja estava mesmo à minha frente, não podia recusar aquele manjar dos deuses!!... Voei para a esteticista e, como se calhar as mães extremosas talvez tenham sempre umas pontinhas de sorte, quem sabe, consegui mesmo um buraquinho para que me atendesse, tratei lá de mim, relaxei, descontraí, cheguei, estive em casa um pedaço grande de tempo sem mais ninguém, li, ao som de música na rádio de eleição e sem ninguém atrás a desdenhar, porque oh mãe, essa rádio não!, elenquei, COM CALMA, uma série de coisas que tenho para fazer a partir de amanhã, preparei o jantar de TODOS com calma também e preparei-me para ir ao cinema, pois afortunadamente, o filme que quero ver dá HOJE em hora adaptável a isto tudo! Hum, programinha bom para final de dia!
Daqui a 15 minutos chegarão todos a casa outra vez e a minha saída para o cinema já vai ser em cima da hora outra vez porque haverão mil perguntas e solicitações à mãe outra vez, porque o pai vai adquirir outra vez aquela capacidade de se tornar invisível, mas não faz mal... insuflei hoje à tarde um bocadinho de bem-estar e, acho, já estou pronta outra vez para ser igual a todos os dias... é que também sei que aparecem sempre, vindas do acaso, bandejas como esta!



domingo, 22 de dezembro de 2013

FELIZ NATAL!!!



Marca a FERRO QUENTE


(Vi hoje num post de uma amiga, a pergunta: "A saudade tem que ser má?")


Há pessoas que não são substituíveis mesmo, que continuam a ficar em nós e para nós de forma única, como aquelas que ninguém poderá igualar, porque tiveram um peso e um significado, porque deixaram uma marca que vai furando a pele, mistura-se com a epiderme, entra mesmo lá para dentro para a hipoderme, apanha o tecido adiposo, que está colado aos orgãos, depois o fluxo sanguíneo e pronto, já não a apanhamos, fica a fazer parte de nós para sempre, quase como uma marca de ADN!
A imagem deles será sempre essa, fazem parte de mim, identificam-me, caracterizam-me, confundem-se com a minha maneira de ser pessoa e às vezes, vêm para fora com a força da lembrança que tenho, do sentir que sinto, com aquilo que deles falo, testemunho, conto, relato. Assim, sei que ficarão para sempre!

No Natal, mais do que noutras alturas, esta marca a ferro quente quase salta cá para fora e quero-os aqui comigo, quero ver-lhes a cara, o sorriso, quero ouvir-lhes a voz, quero sentir dele a segurança paternal e lapidar na minha vida, fazendo-me sentir que nada de mal me aconteceria e dele, o sorriso e a ternura de irmão mais velho, tão diferente de mim, mas tão cúmplice e amigo, nas diabruras, nas confidências. 
No Natal, tudo isto fica colado à emoção assim de forma mais instantânea, sem que me aperceba, sem que force ou faça por isso. A lágrima está sempre mais ali à mão, a voz entrecorta-se por tudo e nada, paira no ar uma nostalgia teimosa que teima em entrar cá em casa, mesmo nos momentos felizes, mesmo em modo quase-férias, mesmo na minha zona de conforto.
Depois, olho à minha volta e vejo que tenho que estar feliz, mesmo que essa nostalgia da saudade me continue a invadir, que tenho que agradecer, que tenho que ser grata e reconhecer que tenho o que é tão importante: três filhos maravilhosos e saudáveis, um homem completo, equilibrado e lindo, a meu lado, companheiro, amigo, mais-que-tudo delicioso, uma mãe e irmão mais novo tão importantes e únicos para mim, uma família alargada tão grande, variada e bonita, uma profissão que adoro, apesar de todos os desencantos que a atingem, amigos, amigas, enfim... 
Sei que esta saudade não vai acabar nunca, porque sei que vou continuar a querer sempre tê-los perto de mim, com uma teimosia egoísta própria das pessoas que são normais (acho eu...), mas também sei que esta saudade será serena, calma e que não ofuscará o resto, mesmo que haja num dia ou noutro, uma lágrima mais grossa a rolar.
E é assim, com uma nostalgia (quase) serena que tento entrar em modo- contagem-decrescente-para-o-Natal, lembrando-me deles, daquilo que foram (e são) para mim, lembrando-me do que deles conto, lembrando-me do efeito que ainda têm na minha vida, lembrando-me do sorriso diário dos meus filhos, da presença do meu mais-que-tudo, da luzinha do meu presépio, do bulício único e insubstituível da minha casa e então sei, tenho mesmo a certeza, que aquela marca a ferro quente já está misturada com a pele, como uma cicatriz, faz parte de mim e que tenho, mesmo assim, o mais importante para todos os Natais.

FELIZ NATAL PARA TODOS! 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013



BARULHO DAS LUZES?


Hoje disse-lhes que os gestos falavam. Íamos fazer um jogo de gestos falantes, sem som.  - Oh Paula, tu dizes cada coisa, disse-me com ar resignado... É das mais velhas, inteligente e já experiente neste contexto escolar em que passa os dias. Tem uma inteligência prática apurada, um vocabulário rico e experiências de vida diversificadas que a ajudam a ser assim, crescida e a conseguir falar connosco, em muitos momentos, como se fosse um bocadinho como nós, adulta. Sei que é só um bocadinho, pois noutros momentos é a menina de 5 anos que é, mas há vezes em que me interpela assim, desta forma desafiante. Este jogo dos gestos falantes fez-me lembrar do poder do gesto, da força que lhe está implícita e da fonte de mensagens que o gesto pode ser. E lembrei-me de gestos cá de casa, assim simples, rotineiros, nossos, especiais...

Gosto de pôr velinhas no presépio e gosto de o ver iluminado, com um foco de luz ténue e suave que lhe realce as sombras e que à noite, quando a casa quase dorme, o faça parecer especial. Já se metem comigo cá em casa, porque esta é praticamente a única exigência que tenho para este cantinho de Natal que todos os anos compomos em família. Já tivemos o presépio de imensas maneiras e de muitos materiais. Vivo com um artista, eu sei, que gosta de criar, compôr, inventar e as coisas resultam-lhe sempre bem. Eu delego, admito, tenho um cariz muito mais prático e confesso que não tenho muita paciência para esses pormenores estéticos, sobretudo quando vivo com alguém tão criativo que me substitui muito bem nessa área. Mas velinhas, o presépio tem mesmo de ter, sem exageros, só para dar um apontamento de luz, brilho, leveza! Há alguns anos que não variamos muito... é um presépio composto por meia dúzia de bonecos gorduchos, com ar bonacheirão, cores suaves e ar simpático. À volta tem uma cabana de madeira e depois, pai e filha do meio (os artistas do domicílio...) compõem o enquadramento cénico. Algum verde a rodear, um céu pintado ao sabor da criatividade do momento, um tapete de musgo. O sítio onde ele fica é consensual: elevado, central, para que reine, imponente, como centro do Natal. 
Este mistério de amor de que fala o Natal, esta quadra maravilhosa que todos os anos nos é oferecida assim, desta forma gratuita, pode passar despercebida, tal é a força de tudo o que constela à sua volta e que tem som e outras luzes e outros barulhos e outras mensagens e outras vozes. Este mistério de amor que todos os anos se renova no Natal e que passa para nós com a força da família, da amizade e da fraternidade, pode ficar perdido no barulho das luzes e eu, tento que aqui, no nosso núcleo, na nossa casa, ao mesmo tempo que há bulício de gente barulhenta, numerosa e apressada, ao mesmo tempo que há pressas, correrias e logísticas para gerir, porque somos assim e vivemos num mundo assim, ao menos o presépio tenha, suavemente e sempre, um foco de luz. Este gesto, eu sei, tem uma mensagem, eles já a perceberam e há-de passar gerações!!

sábado, 14 de dezembro de 2013




PARABÉNS BLOGOSFÉRICOS...



... do verbo em Latim BEARE, que quer
dizer, aquela que traz felicidade...
Eram 6.30 da manhã e estava escuríssimo ainda. Atravessei a sala e fui deitar-me ao seu lado, abracei-a, dobrei a almofada para elevar mais a cabeça e ali fiquei mais alguns minutos antes da alvorada definitiva que não tardava já. Ela dormia profundamente, mas reagiu ao toque, chegou-se mais para lá um pedacinho e eu consegui enroscar-me naquele corpo que já não é de menina, num tamanho de cama já adulto.  - Está enorme, a minha filha, uma mulher, especial e única, eu sei. Ali fiquei, não querendo sequer que a respiração entrasse pelo silêncio adentro e quebrasse aquela magia, pois sei que aqueles minutos iriam ser eternos só enquanto durassem. O dia iria romper já de seguidinha e com ele o alvoroço de uma rotina que se instala, sobranceira e eu fiz daquele momento qualquer coisa só minha, secreta, decerto passaporte de bem-estar para um dia inteiro que ia chegando.

Abençoei-a, agradeci muito por ela, pedi a Deus que a proteja muito e saboreei aquele pedaço silencioso de amor entre mãe e filha e filha e mãe. A seguir, outros pedaços ruidosos de amor, com os outros dois filhos a saltar-lhe para cima e a cantar-lhe os parabéns, todos de pijama, ensonados, preguiçosos...

Não sei se vou escrever sempre de cada vez que um dos meus filhos celebrar o seu aniversário, como o fiz aqui (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2012/12/beatriz-o-seu-bisavo-paterno-tera-sido.html, ou aqui (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/06/o-meu-agridoce.html. Não penso muito nisso, escrevo quando me apetece, o que me apetece e pronto, respondendo ao tal apelo interior que surge assim, do nada, que às vezes assume o espaço e o tamanho de tudo. E hoje foi assim. A minha filha mais velha fez 16 anos e o meu coração e o meu pensamento encheram-se de recordações, de imagens, de momentos, de memórias que me constroem a mim como mãe e a ela como filha e irmã. Ela já me deu tanto... sei que vai continuar a crescer e a fazer aniversários, a preencher-me os dias assim, mesmo quando eu já for velhinha e ela, uma mulher crescida e autónoma, que tome então, conta de mim. Sei que vai continuar a dar-me este amor descomedido, disfarçado de vida normal, de rotinas, de zangas e opiniões. Sei que está a ficar uma mulher interessante, decidida, determinada e sensível. E por tudo isto que sei e mais coisas que não cabem aqui, pois são exclusivas do meu coração elástico de mãe, aqui lhe deixo um beijinho de parabéns, do tamanho infinito desta blogosfera... é que hoje, eu tinha mesmo que dizer isto!!



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013




CADEIRÃO VERDE, EU e meia hora DELICIOSA!!!


Estava um frio de rachar, embora fosse ainda cedo e ri-me com ele, dizendo-lhe o que a minha avó Lurdes me dizia: "ande o frio por onde andar, no Natal cá vem parar!"... Achou graça e já não sei como, entre um leva-e-trás-qualquer de uma das irmãs aqui e ali, ficámos os dois sozinhos em casa, por momentos, a "saborear" uma grandessíssima constipação, acompanhada de dores de cabeça, nariz entupido, corpo mole, pasmaceira e cansaço geral, muito geral. " - Hoje não há treinos, Pedro, futebois e afins, tomas já um banho quente, vestes o pijama, deitas-te aqui no sofá, tapas-te, ficamos aqui os dois este bocadinho até eu ir buscar a mana e faço-te um chá de limão quentinho com mel, boa? Vais ver que melhoras e eu também". Acedeu rapidamente, com uma prontidão que demonstrava bem o modo gripal, em que estava. Fiz rapidamente o prometido, e bebi também o chá, muito quente, com muito limão e muito mel. Enroscámo-nos os dois, cada um em seu canto, ele no sofá e eu no cadeirão verde, pele de pêssego, mas não da cor do pêssego, cor do mar em maré cheia, em dias de sol, numa praia qualquer (lembrança que torna qualquer dia de inverno mais bonito!). O bendito cadeirão tem um encosto para os pés e outro para a cabeça. Se empurrarmos para trás, os pés levantam e ficamos em modo cama; tem um comando do lado direito com uma variedade grande de massagens: zona lombar, cervical, dorsal, pernas, pés, pescoço. Não me atrevi a acioná-lo. Achei que era cedo para estados de graça assim, como os da noite descansada, afinal, o sol ainda não tinha baixado, não há necessidade de forçar a sorte, mas fiquei ali, um bocado grande, enquanto ele também dormitava ao meu lado, no sofá, descansado. Já nem me lembro desde quando tenho este cadeirão! É incrível como temos as coisas, passamos por elas e não as vemos, não lhes ligamos importância, até um feliz acaso nos juntar, num pedacinho de vida qualquer. Atrevi-me a levantar-me ainda para ir buscar os phones do Ipad, naveguei um bocadinho na Net e descobri-a (http://www.youtube.com/watch?v=-onQcF95pfs ) por acaso (não a conhecia...), inseparável com o seu violino. Foram 30 minutos, não mais! O dia continuava a correr ali ao lado, implacável com as suas logísticas para gerir e os seus horários para cumprir e acertar e conciliar, mas fui ao céu e voltei, se é que isso é possível em 30 minutos, uma mísera meia hora!
De repente apercebi-me que quase nunca me sento, ou deito neste cadeirão, mesmo à noite e que se contam pelos dedos de uma mão as vezes que uso os phones e que oiço música assim, sem mais nada e só porque me apetece. Ainda bem que apanhei esta boleia, deste estado gripal. De vez em quando, enquanto duravam esses 30 minutos, via-o a olhar para mim sorridente. Devia estar a achar um piadão à mãe estar assim enlevada, a "curtir", como me dizia...  - Pois é filho, pensei, se calhar tens razão... às vezes acho que sou mesmo parva por estar tão preocupada com tudo o mais e o resto que existe à nossa volta, e por deixar este cadeirão maravilhoso só para vocês!!
E, implacável como o resto do mundo, lá tocou o telefone e lá tive que sair outra vez, mas agora já não me importei, porque eu e o cadeirão VERDE, descobrimo-nos mutuamente e isso agora será para sempre, prometo!




sábado, 7 de dezembro de 2013




MADIBA

(*)

Há pessoas que passam pela vida e existem só, sem fazerem nada de especial, sem terem grandes arrebatamentos, sem levantarem grandes questões, sem se preocuparem muito com muitas coisas. Vão vivendo, ao sabor das circunstâncias, adaptando-se com alguma rapidez ao que as rodeia e isto porque assim não questionam, nem arranjam assunto para pensar. Não vivem, só existem... Conheço muita gente assim e às vezes, quando estou mais cansada, mais desalentada, naqueles dias cinzentos que todos temos às vezes, acho que essas pessoas são mais felizes, mais despreocupadas. Sei que, felizmente, essa sensação é tão volátil como o cansaço desesperado que vai e vem e ainda bem, pois sei, no mais fundo de mim, lá onde moram aquelas verdades verdadeiras que nos estruturam e que não são cinzentas, que essas pessoas não são MESMO mais felizes... são mornas, indiferentes, insonsas, sem sabor! Podem até entreter-nos, conviver connosco de forma agradável e sem grandes ondas, mas de INTERESSANTE nada têm, MESMO!!! 

Depois, acho que haverá aquelas pessoas "intermédias", que vão vivendo assim como estas primeiras, mas que têm também, de vez em quando alguns acessos de "mais qualquer coisa que não só a normalidade de todos os dias" e estas, aquando desses felizes episódios, ganham assim cor e forma e sabor e chamam-nos a atenção e interpelam-nos, mesmo que só por momentos e mesmo que depois voltem ao marasmo de todos os dias e por fim, acho que há depois aquelas pessoas verdadeiramente geniais que passam diretamente para os livros de histórias que ensinarão gerações e depois, logo a seguir, instalam-se no nosso coração e pensamento e memória, para nunca mais de lá sairem.

Não me lembro de ter estudado o Nelson Mandela na escola. Ele foi aparecendo no entendimento da minha geração, assim, ao sabor das notícias que sabíamos do mundo e, sobretudo, depois da sua libertação, surgiu como um símbolo de resistência, liberdade, superação, exemplo.
Agora, "passando os olhos" pela sua vida, acho interessante que seja um de 13 filhos, oriundo de uma família tribal; que tenha sido filho da 3ª esposa de seu pai; que se tenha recusado a seguir os desígnios que lhe estavam destinados pela família; que se tenha sentido interpelado por acontecimentos vários que lhe aguçaram o espírito crítico e a sensibilidade para as diferenças e para a necessidade de as enquadrar com igual respeito,; que de todas as tradições onde nasceu e cresceu, tenha retido frases, apontamentos, episódios que cimentaram depois o seu desejo de liberdade e, sobretudo, de igualdade; que tenha tido uma infância onde pôde ouvir histórias ancestrais e fábulas e mitos, contados pelos mais velhos; que se tenha revoltado sempre contra o que achava injusto; que na prisão, privado de tudo, tenha aprendido a pensar a longo prazo, já que achava que "as questões que hoje atingem a humanidade, exigem mentes treinadas"; que mesmo na prisão tenha conseguido manter o contacto com personalidades importantes e tenha agido, sido interventivo e atuante; que depois de ter sido libertado se tenha conseguido adaptar a um mundo vários anos diferente; e que, por todo o testemunho de vida que teve e que deixou, se tenha tornado intemporal e que, por isso, tenha passado diretamente para o meu (nosso) coração.
E sim, hoje contei ao meu filho mais novo, quem foi este homem, porque o acho (achamos) tão importante e porquê que, como ele me dizia, todas as televisões só falem nisto... é que há pessoas assim, filho, que marcam a nossa história com uma tinta permanente, e ainda bem, porque o que têm para nos contar, não acabará nunca, de tão grande que é...
Acho que ele percebeu a mensagem...


(*) Nome do clã Thembu a que Nelson Mandela, originalmente pertencia. É também o nome de um Chefe Thembu do século XIX.
Palavra que define um tratamento carinhoso e respeitoso.

(Wikipédia)



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

 
 
MEDO II
(e copinho de leite morno)
 
 
No seguimento da história de ontem, ao grupo, chegou uma delas hoje perto de mim, pediu-me que me baixasse e disse-me ao ouvido. "-Sabes, eu bebi o tal copinho de leite morno e a minha respiração ficou mais quentinha". "-E soube-te bem?" - perguntei. "-Sim, fiquei melhor, mas não digas nada, está bem? -"Claro, é um segredo nosso, fica descansada". E selei a conversa com uma piscadela de olho retríbuida.
Fiquei maravilhada com isto, que, racionalmente, não tem nada de especial, pois não é novidade para mim, nem para nenhuma colega, que  os miúdos "nos levam para casa" e nos deixam ir pairando por lá, ganhando forma através do que dizem, do que contam. Mas a forma como me disse e o facto de ter transposto para lá, uma dica que dei, em grupo, faz-me sentir referência na sua vida e no seu coraçãozinho, mesmo que depois, com os anos, eu venha a ficar sossegadinha num cantinho distante da sua memória, só ativado quando nos vêm e alguém lhes faz referência a nós, com um "então não te lembras da Paula?
Este dois episódios de seguida, relatados em Medos e Medos II, têm-me adocicado o ego e servido de bálsamo fresquinho para uma irritação constante que me aflora o espírito de cada vez que me lembro da bendita prova de avaliação de conhecimentos que agora se propõe (impõe) aos professores contratados e sobre a qual já falei aqui. (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/11/circo-es-afetivamente-densa-e-por-isso.html). 
 Não gosto  de estar sempre a "chover no molhado", batendo na tecla de coisas que nos transcendem completamente e contra as quais não podemos lutar, mas esta irritação constante está-me no espírito, no pensamento e nas conversas com tantos e tantos colegas na mesma situação que eu e se isso me dá uma sensação boa de corporativismo coletivo e profissional, também me dá, paralelamente a certeza de que estes episódios que relato e tantos e tantos e tantos outros que fazem parte da vida de um professor, não poderão aparecer nunca em enunciado nenhum de nenhuma prova e muito menos, em qualquer resposta. E esta certeza e só esta, para além de tornar qualquer prova em algo absolutamente redutor, edifica-me de novo...
 
 

 
 
 
 
 
 

terça-feira, 26 de novembro de 2013




MEDOS


"Oh Paula, tu também tens medos daquelas coisas bué assustadoras, a sério?"
S. 4 anos


Tem uma cara redonda, bolachuda e uns olhos pretos, como duas azeitonas. As bochechas são apetecíveis de apertar a toda a hora e tem dois dentinhos à frente separados, que o transformam numa coisa muito fofa. É o autor da pergunta que transcrevo em cima e enquanto me ia lembrando dela, revi, em esquema mental, todo o meu dia com eles...

A história hoje teve braços e mãos e pernas e voz. O arrepio foi-me percorrendo, sem que eles o soubessem, porque os senti presos à minha expressão e ao que contava e adaptava do livro de histórias. Falávamos sobre os medos e do que deles advém e senti-me bem por tê-los ali comigo, debaixo daquela sensação tão grande e boa que nos abraçava a todos, naquele bocadinho indiferente às dificuldades e logísticas difíceis de uma escola que é grande, enorme e, às vezes, descaracterizada.
Falávamos dos medos, como disse e do que fazer quando eles nos assaltam, como devemos reagir, que medos temos, o que sentimos, o que fazemos. É tão maravilhoso ver o que dizem e ver do tanto que nos dizem, outro tanto que podemos depreender de tudo o que os rodeia e os compõe. Os mais velhos relatam sem complexos, com uma simplicidade que só as crianças têm e os mais pequenos, ao seu jeito, vão indo atrás, relatando também e misturando tudo isso com coisinhas que lhes apeteça dizer na hora. Faz-se disso tudo a gestão e conduz-se o grupo para o que se quer, para o objetivo que se pretende e é com esta riqueza que tenho a sorte de trabalhar todos os dias.

Enquanto decorria a conversa, no meu pensamento iam passado imagens de mim própria quando era pequena, não já da idade deles, pois essas memórias provavelmente são frágeis como um nylon fininho e compostas já de retalhos que vieram daqui e dali, mas de recordações do meus medos e sustos e do que fazia e de como reagia, já mais crescida, já mais consciente. Algumas ansiedades e angústias que me povoaram enquanto cresci, ganharam forma de novo, ao sabor desta recordação que tilintava lá ao fundo do meu cérebro, ao mesmo tempo que conduzia a conversa com eles. Também como eles, a figura da minha mãe esteve presente em mim servindo de bálsamo noturno de algumas insónias teimosas e pesadelos incómodos; também como eles, fugia para a cama dela e do pai, sempre quentinha e onde cabia sempre um de nós quando precisávamos; também como eles, era aí que sossegava e sentia que o mundo poderia acabar que não me importava; também como eles era por ela que gritava quando me assustava sem saber com o quê e então senti que há coisas universais e intemporais que não mudarão nunca e que eu estava a partilhá-las com eles, naquele bocadinho indiferente ao resto. 
Sinto que aquela história nos entrou hoje no grupo e nos fez conversar e contar segredos, falar sobre as coisas e tentar vencer os medos, nem que seja só um bocadinho e o que não lhes disse, nem era preciso para nada, é que eles, os medos, irão existir sempre, ganhar novas formas e maneiras, perseguir-nos desta, ou daquela forma, fazer-nos, em alguns momentos, acelerar as batidas do coração e transpirar um bocadinho, mas aí, a solução terá que ser construída por nós, mesmo que nos continue a apetecer, sempre, o colo da mãe!!!


P.S. E como não posso mostrar aqui o meu inspirador de hoje, ponho este, que tem umas bochechas parecidas com as dele...

quinta-feira, 21 de novembro de 2013





Circo


"És afetivamente densa e, por isso, deves, às vezes, apostar mais no racional, equilibrá-lo em relação aos afetos, não deixares que haja espaço para desiquilíbrios que acontecem quando se prioriza sempre um lado, em detrimento do outro... deves estar atenta a isso"...

As primeiras palavras desta frase andaram a ecoar cá dentro, o resto do dia, como a ressonância teimosa de um sino de igreja, daqueles à antiga, grandes e lustrosos, que têm um tom que entra pelo tímpano fora e vai até lá ao fundo e não daqueles sons gravados e programados pelo relógio.  O amigo que mas disse tem um ascendente grande sobre mim e tem o poder de me apaziguar e serenar.
Talvez por ser tão afetivamente densa, sofra mais, não sei, fique a pensar mais nas coisas, lhes dê maior importância, as queira viver em plenitude. Se calhar, tenho mesmo que relativizar mais e ver em perspetiva, de outra forma, com outra lente, outro foco. Mas não há racional possível que me ajude a encaixar esta prova de acesso à carreira que se propõe (impõe) agora aos professores contratados. A sério, acho mesmo que estamos a viver uma fase de circo, de experiências circenses de ilusionismo, faz-de-conta, diversão, só que esta é perversa e tem a desvantagem de mexer diretamente na vida das pessoas!
Não me apetece falar aqui dos tantos anos que tenho de "bom e efetivo serviço", reconhecido e validado pelo mesmo Ministério que agora me quer pôr à prova, sem clarificar como, com que meios, de que forma. Não me apetece dizer o que acho desta prova e da falsa questão que é a de se confundir isto com o "não querer ser avaliado, ou posto em causa". Não vou falar acerca da dimensão de injustiça que é a de se querer questionar uma capacidade profissional assim, desta forma. É desgastante para mim fazê-lo e nem me apetece "sujar" este meu delicioso espaço com estas questões tão incongruentes, incoerentes, injustas e desfazadas da realidade que se vive nas escolas, onde, numa grande maioria das vezes, são os professores contratados que asseguram muita coisa, em tantas situações, embora nada lhes possa ser reconhecido, como se estivéssemos todos num jogo viciado de regras ôcas e ultrapassadas.
 Esta "suja questão" também não me tem tirado o sono, embora me tenha vindo a desestabilizar um pouco, fazendo uns fernicoques de cada vez que me lembro dela. Tenho uma vida pessoal preenchidíssima, com afetos fortes e autênticos, com tanto para fazer e cuidar e tenho a sorte de, mesmo assim, gostar muito do que faço e conseguir, com o olhar das crianças, abstrair-me destas questões e centrar-me neles que tanta coisa me (nos) dão! Também aqui vou tentar racionalizar, perspetivar de outra forma e, não podendo transformar isto, tentar enquadrá-lo da melhor forma possível.
Se continuarei a transmitir aos meus filhos que o importante é fazermos aquilo de que gostamos, para nos sentirmos bem e termos meio caminho andado para que o resto também se componha? Sim, de certeza... 
Se lhes transmitirei que devemos lutar contra as injustiças e que, mesmo perante aquelas que nos transcendem, devemos ter sempre formas de luta e de expressão que não nos anulem, mesmo que só sirvam para que marquemos uma posição e nos sintemos bem connosco próprios? Definitivamente!! (e este meu post, agora, assim, ao ser "mandado" para a blofosfera, terá esse propósito). 
Se lhes direi que este País, ultimamente, está transformado num circo e que me tenho sentido, como tantos outros, um palhaço e que às vezes me apetece desistir de acreditar, optimizar, esperançar? Sim, também, claro!!!!... mas vou tentar, sinceramente, que seja só a parte do circo...

sábado, 9 de novembro de 2013



CERTEZAS MATEMÁTICAS


Faz depois de amanhã (dia 10 de novembro) um ano que iniciei esta aventura blogosférica. Confesso que nunca imaginei que este blog tivesse o efeito que tem em tanta e tanta gente e é muito gratificante para mim receber esse retorno de informação, relativo àquilo que escrevo, comento, digo e partilho. Como este exercício sempre fez parte de mim, não penso nesse efeito no OUTRO quando estou a escrever. Faço-o de modo completamente espontâneo, intuitivo e, às vezes, mecanizado, auxiliando-me do efeito que a escrita também tem em mim: catarse, descompressão, reflexão, hobbie. Acho que isso não mudará e continuará a não me dar tempo para preciosismos literários, insistindo assim, nesta escrita pessoal e despretensiosa... Penso que o que mudou foi simplesmente e só o suporte... do caderninho preto (que continua a fazer parte vitalícia do interior das minhas malas e que serve para tudo, tudo, tudo...), passei para uma blogosfera quase infinita, neste passo de gigante a que me atrevi.
E hoje o impulso foi assim, simples, espontâneo, inesperado... Depois de um dia relativamente calmo, seguimos em modo relax para um jantar a três, eu, o mais-que-tudo e a agridoce mais velha. Por circunstâncias várias, os mais novos não nos acompanhavam e lá fomos a um sítio MUITO agradável, com ar clean, luminoso e cuidado. A conversa fluíu descontraída, variada, animada e célere, ao ritmo de uma série de coisas que ali se estavam a dizer e a partilhar, resultados de uma semana inteira de pequenos tudos e pequenos nadas que preenchem os nossos mundos, de todos, e ao sabor de uma comida maravilhosa, ou não fosse eu uma, para sempre (e para o bem e para o mal), gourmet! A parte reflexiva do meu cérebro ia processando a informação durante este momento! De repente percebi que estavam ali, à volta daquela mesa, três adultos que falavam e partilhavam opiniões, que discutiam pareceres, que opinavam acerca dos assuntos que surgiam e vi-a como uma de nós, quase! Esta minha formiguinha, como lhe chamava em bebé, já não é bebé, nem sequer criança. Cresceu e acutilou o espírito, é eloquente e determinada e falámos com ela assim, despretensiosamente, como falamos com um adulto que nos acompanha numa conversa agradável e saborosa. Vai continuar a crescer e a modelar-se, eu sei, mas hoje vi-a assim, desta forma e, inesperadamente, senti que os imputs já lá estão todos e não haverá já muito mais que possamos acrescentar. O resto do caminho é dela agora e ainda bem, pois é assim que tem que ser, mesmo que continuemos aqui, ativos e atentos, SEMPRE!!! 
Olhei de relance depois para ele. Tenho a certeza que sentia o mesmo que eu, já que há coisas que não se explicam, só se sentem, suportadas em anos e anos de cumplicidade e partilha de um amor, de um projeto de vida. Talvez ele não tenha este neurónio escritor logo a pedir-lhe para passar isto para as palavras e letras, é matemático, mais racional e pragmático, mas sei, com uma certeza mais que matemática, que o sentiu também e eu, ali naquele relance de tempo, ao mesmo tempo que continuava a embalar-me na envolvência subtil e descontraída daquele momento, senti-me muito feliz por tê-los os dois na minha vida e percebi que tenho tanta sorte!!!


P.S. Quando regressava a casa, ainda cheia de ar pela minha sorte, no rádio, apanhei uma música da Mafalda Veiga. Apesar de não ser grande fã do seu arzinho aprumadinho, cabelo lisinho, tudo direitinho e de preferir alguma irreverência na imagem, acho-a um PORTENTO em termos musicais e ADORO as suas letras, sobretudo as letras. 
"Sei de cor, cada lugar teu, atado em mim, a cada lugar meu (...)"... 
Bem!!! não podia ser melhor!! Sei lá, se calhar é por isto que tenho aquelas certezas matemáticas, que, mesmo no silêncio me dizem tudo, quem sabe??? E ninguém no carro, percebeu porque sorri...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013







CINZENTO = PRETO+BRANCO


Vinha embalada pela condução e pela música e pensava que o pé esquerdo estava constantemente a trabalhar na embraiagem, tal era a cadência do pára/arranca do trânsito neste princípio de tarde. Os dias têm sido cinzentos, por uma série de acontecimentos que me têm rodeado, dançando à minha volta e obrigando-me a acinzentar também... 
Passei por uma zona da cidade, por onde passo todos os dias, mecanicamente, enquanto visto a minha farda de taxista dos meus filhos e organizo logísticas inteiras, de família inteira. Aquela não é uma zona desconhecida, ou pouco frequentada por mim. É uma artéria da cidade perfeitamente comum à mais comum das mães e ao mais comum dos pais, zona de passagem na baixa desta cidade que é a minha. Lá passei eu hoje outra vez, como em todos os outros dias e vi-os. Acredito que eles próprios, ou outros parecidos, também lá estivessem nos outros dias, mas  nunca os tinha visto, ou a outros parecidos com eles... se calhar, nos outros dias, venho dentro da minha nuvem, que paira à minha volta, como uma i cloud, que tudo em si encerra, para mais tarde nos mostrar... 
Estavam sentados num banco de jardim e muito apaixonados. Beijavam-se longamente e enquanto durou a fila de trânsito onde eu seguia, em "pezinhos de lã", lá ia durando aquele beijo adolescente e apaixonado. Sorri sozinha... Eu sempre tive algum recato em fazer estas manifestações de carinho tão públicas. Sempre achei o beijo, esse de amor, meu e nosso e só nosso e íntimo e privado e sagrado  e, por isso, nunca gostei de o expor assim, em público, mas isso é um problema meu a que este casalinho estava completamente alheio, certos de que o seu beijo era o melhor e mais verdadeiro e profundo de todos. Penso que será assim sempre que nos beijamos com paixão, parecendo que somos só nós que existimos no mundo.
O carro seguiu e lá foi ficando o beijo para trás... à minha frente, uma ria que se diz, e que é, formosa, uma água que ia até lá ao fundo, uma ilha barreira ao longe, como um pontinho pintado no horizonte, dois barcos que vagueavam por ali e um céu sarapintado com laivos de vermelho alaranjado... Lembrei-me de uma brincadeira que fazia com o Nuno quando era criança. O meu pai dizia-nos que quando o céu, ao final do dia, está assim sarapintado com laivos vermelhos e alaranjados, é porque no dia seguinte fará calor. Brincávamos os dois a tentar adivinhar se seria muito calor, pouco, ou quase nenhum e apostávamos mesmo, para ver quem teria razão... Não sei o que isto terá de científico, ou se terá alguma pitadinha de verdade cósmica, mas aquele beijo adolescente e aquele céu misturado com ria, levaram-me para aí, para a maravilha que é a vida e para as riquezas tão simples que ela sempre terá: os beijos dos adolescentes, num banco de jardim, ao final da tarde e os reflexos do céu no mar, tão prateados e brilhantes
De repente, como uma luz que se acende com um interruptor, esta nuvem cinzenta em que tenho andado pareceu-me irrelevante e percebi que amanhã a vida continuará a ser maravilhosa, mesmo que tenha nuvens teimosas e muito cinzentas a pairar de vez em quando. 
Tornei a sorrir sozinha... o céu estava mesmo alaranjado... será que amanhã vai estar calor? 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013





NORTE


Acabei de ler há dias, um livro emprestado pela minha mãe, sobre um sobrevivente de Auschwitz, Viktor Frankl, de seu nome. Este digníssimo senhor, morreu em 1997, com 92 anos. Era judeu austríaco e era formado em Medicina. Foi deportado para Auschwitz no auge da sua juventude, separado da mulher, grávida, dos Pais e dos irmãos e sobreviveu! Há imensos livros sobre o Holocausto e já tenho lido muitos e visto filmes também. É um tema que me prende a atenção, como já disse aqui e aqui, não só porque já lá fui, a Auschwitz e vi e olhei e percorri aqueles corredores e deparei-me com aquele portão de ferro preto, com letras grandes que dizem ARBEIT MACHT FREI, como também porque é um tema que encerra em si uma carga enorme de sofrimento, mas também, paradoxalmente, em muitos casos, de HUMANIDADE!
Este livro, por isso, prendeu-me a atenção. Li as suas cento e poucas páginas, muito rapidamente e tenho andado, desde que o acabei, a conversar com ele... "O Homem em busca de um Sentido", de Viktor E. Frankl, editado em Portugal pela LUA DE PAPEL, em setembro de 2012, embora a edição primeira seja em alemão e de 1946. 
Pois é, pois é... impressionou-me muito o sofrimento espelhado em todos os relatos, mas, sobretudo, a escolha de como reagir a esse sofrimento, recusando uma entrega ao desespero e assumindo que ter um sentido para a vida nos mostrará sempre o NORTE, mesmo nas situações mais dolorosas, mesmo perante a aleatoriedade de uma violência gratuita que não tinha explicação racional para existir.
... qualquer homem pode, mesmo nas piores circunstâncias, decidir o que fazer!... ou, ... tudo pode ser tirado a um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas - a possibilidade de escolhermos as nossas atitudes, em qualquer circunstância, de escolhermos a nossa maneira de ver as coisas"...  (pp.76)

Estou a tentar já não começar outro livro... tenho alguns em fila, à espera, na minha cabeça, na minha vontade e na minha curiosidade, mas este ainda anda a conversar comigo e acho, por respeito, que devo ir-lhe respondendo. (Ainda sou do tempo em que acho que os livros nos merecem respeito, e agora?)
Não tenho tido, de facto, ENORMES contrariedades na vida, daquelas assim devastadoras e dolorosas que sei que existem e que são maiores que muitos sofrimentos que podemos passar e não sei como reagirei se algum dia tiver que me deparar com essas contrariedades malvadas, que chegam sem pedir, mas sei que sim, que a vida tem que ter um sentido, que se o tiver, será mais fácil o foco de atenção e ação, que no meio do medo bloqueante, podemos pensar sempre em qualquer coisa bonita, que nos faça sorrir e que, VERDADE MAIOR, temos sempre, mas sempre, mas sempre, na extrema e individual liberdade, a opção de escolher as nossas atitudes!
Sou muito pequenina, minúscula, infinitesimal, insignificante, inexistente, perante a grandiosidade do testemunho deste livro, mas esta desproporção que vejo, abre-me horizontes de análise, leva-me para fora de mim, faz-me rever posturas e faz-me querer, por agora, só ir conversando comigo, assim em modo repetição para ver se escolho bem as atitudes que devo ter perante algum cinzentismo que me cerca... E essa opção será sempre e só, minha!



terça-feira, 22 de outubro de 2013



NOVE MINUTOS

(o que consegues fazer em nove minutos?)


-Oh mãe, faltam nove minutos para o meu futebol, ouviste mãe, NOVE MINUTOS!!!
- Filho, não imaginas o que a TUA mãe consegue fazer em nove minutos... a sério!!
- Oh mãe, mas são só nove, ouviste?... nove!!! Bolas, é sempre a mesma coisa, já vou chegar atrasado!!
Não lhe liguei nenhuma e lá seguimos os dois para o carro...







Cada vez que me lembrava da cara dele a dizer-me isto, dava-me vontade de rir. Tenho a certeza que não percebeu e que achou que eu estava apenas a implicar com o SEU futebol do coração!! Não pude deixar de me lembrar do dia de hoje, passá-lo em revista...


Deitei-me ontem já passava das três da manhã, mas o filme, no canal por cabo, prendeu-me à televisão e já que é tão pouca a que vejo, não me ia sentindo tão culpada! O filme era muito giro, adoro filmes giros, com gente gira, histórias profundas, uma pitada de romance, mensagens implícitas e recados que ficam para nós, saltam do ecrã para cá e pairam na nossa vida, assim, sem pedir licença. Há pouca coisa que para mim possa substituir em qualidade um bom filme, talvez só alguma leitura... a casa estava silenciosa e eu reinava no meu sossego, um bem tão escasso, às vezes, por aqui e eu saboreei-o sem culpas... Hoje, esperei estar mais cansada, mas lá me aguentei, talvez por ser o primeiro dia de uma semana de trabalho que é sempre cheia, cheia, talvez porque venho ainda com um bom endurance dos grandes sonos de domingo; decerto lá para quarta-feira estarei já mais extenuada, ah isso é certo, mas pronto, quarta-feira passada, semana acabada, já dizia a senhora minha avó! Quando cheguei a casa, com a minha agridoce do meio, com 45 minutos pela frente até à próxima saída, consegui fazer sopa, estender roupa, pôr roupa a lavar, apanhar uma que estava estendida, dobrá-la, preparar o cesto para que a minha querida e útil ajuda a possa depois passar, fazer um lanche para o caçula, que está sempre em modo esfomeado quando sai da escola e ir buscá-lo.  Depois, deixei a filha do meio a meio caminho, voltei a casa rapidamente pois ainda me escapo, a esta hora, do caos do trânsito, adiantei o resto do jantar, escrevi um bilhete com os pormenores para ultimá-lo, preparei um segundo lanche, saí outra vez para ir levar o pequeno ao futebol, apanhei as outras duas pelo caminho, já despachadas, aferindo chamadas e recados: vai para ali, espera por mim do outro lado da rua, vai andando que apanho-te no trânsito, entra, entra rápido que tenho um carro atrás... 
Lá fui sobrevivendo... chegaram todos a casa sãos e salvos e eu aterrei numa formação, que está nos últimos dias, pelo caminho ainda pedi a um amigo (ah, grande rede de motoristas solidários!!) que me levasse o pequeno a casa depois do treino, hoje o pai não poderia lá estar e as irmãs abrem-lhe a porta, não te preocupes... Ufa, ufa, ufa!! 
Estas coisas todas são normais para muitas mães que conheço e eu não faço nada de especial, MESMO (!!!) e ainda bem que nem todos os dias são assim; ainda bem que há outros dias em que não me apetece fazer nada disto, em que não adianto jantar nenhum, em que não ando em modo motorista, em que não quero saber de nada destas logísticas e só vou estar sozinha um bocadinho onde me apetecer, ou beber café com uma amiga querida, ou ler uma revista, ou estar só assim, em modo pseudo-egoísta-e-de-defesa-pessoal-para-autopreservação-e-sobrevivência e aí, o stress vira sobremesa e saboreio-a, também quase sempre, por mais de nove minutos!! 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013




SALADA DE FRUTAS






Gosto de pêras, de maçãs, de uvas, de melão, de pêssegos, de morangos, de figos, de laranjas, de ti...
De mim? Então achas que eu tenho cara de fruta???
Um sorriso maior que ela iluminou-lhe a cara... e eu acho que percebi a resposta!!

(Diálogo entre mim e a A., de 5 anos)


Era uma casa com ar familiar. Tinha umas escadas grandes com chão de pedra e um corrimão de madeira dos dois lados, no qual eu gostava de deixar escorregar a mão enquanto descia, levada pelo meu pai, ou pela minha mãe. O chão cheirava a encerado e era sempre brilhante e muito limpo. Havia sempre quadros bonitos na parede, com paisagens, ou caras de pessoas e bordados de ponto cruz e também arranjos de flores secas. O ar paira-me na lembrança, as escadas, os quadros nas paredes, o recreio lá fora, onde se repete como um beat teimoso, a algaraviada que as crianças faziam lá fora. De vez em quando tocava a campainha e era uma mãe, ou um pai que chegava. Aí, limpavam-nos a cara, o nariz e as mãos, penteavam-nos e lá íamos embora, mais compostos ao fim de um dia de escola. Mas do que me lembro mesmo, mesmo como se fosse hoje e como se estivesse ali ao lado no meu forno, é do cheiro do pão torrado que a cozinheira punha em grandes tabuleiros retangulares, já cortado em fatias e já barrado com manteiga. O efeito do calor do forno já quente, naquela manteiga e naquele pão, atravessaram décadas comigo e hoje, fazem-me sorrir sozinha quando recordo aqueles finais de tarde de Jardim-de-Infância!
Devo ter, lá ao fundo, outras recordações dos meus tempos de pré-escola, certamente que sim, já que fiz o percurso normal de três anos de Jardim-de-Infância, o que, na época, não era assim tão comum como é hoje, mas é disto, deste cheiro do pão, que me lembro, a par de algumas caras/rostos que me ficaram para sempre. Ainda hoje recordo aquele cheiro e também alguns sorrisos.
E é assim: a ternura vem sim, selada com cheiros e sorrisos, no fundo, com afetos e estes, são ABSOLUTAMENTE estruturantes para a edificação da personalidade futura. O Pré-Escolar é um percurso com etapas claro, com objetivos e competências a atingir e desenvolver e deve ser visto e considerado com exigência e rigor técnico, mas é um período florido da vida dos meninos e das meninas que devem poder ter consigo, durante os seus dias, pessoas crescidas que lhes sorriam, que os tratem com carinho, que os considerem e que com eles se relacionem de forma ternurenta. E isto sem "paternalizar" em excesso, sem os "estupidificar", porque são tão queridos, tão pequeninos, tão fofinhos
Sei que as escolas estão diferentes do que eram... também os meninos e meninas, também os pais e as mães. Sei que os horários das famílias mudaram, as avós e os avôs trabalham ainda, muitas vezes para ajudar a sustentar a família que é desorganizada, ou mais fragilizada. Sei que os afetos vão estando diferentes e que há a tendência para achar que não são importantes, já que o imperioso é o saber, saber, saber; mas pronto, mea culpa, é aqui nestas idades que a ternura salta ainda pelos poros e pelos olhinhos que brilham para nós e é aqui nestas idades que percebemos que haverá sempre coisas que não passarão de moda, ou não deixarão se ser importantes! Não me cansarei nunca do o dizer, assim como não me cansarei de sorrir quando me lembro da frase que transcrevo no início deste post. Este sorriso vem, não pelo elogio que poderá estar implícito no pequeno diálogo, mas sim pela certeza de que, para estes meninos e meninas que agora me dizem coisas destas, poderei estar a ser uma pedrinha importante no seu muro de afetos e quem sabe um dia, no futuro, já com filhos, possam recordar-me, ainda que de forma difusa, pouco nítida e perdida num cantinho da memória, mas doce, doce como uma salada de frutas!!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013






O MEU HÉRCULES



Diz a lenda que Hércules era filho de Zeus (deus dos deuses, deus dos céus e dos trovões, segundo a mitologia grega) e de Alcmena, uma mortal. Foi adotado pela mitologia romana e o seu nome mudou de Herácles para Hércules. Era considerado um semi-deus e um líder sábio e bom amigo. É também considerado o mais célebre de todos os heróis, um símbolo do homem em luta contra as forças da Natureza, um exemplo de masculinidade e um paladino da ordem olímpica. Continua a lenda, explicando que foi amamentado por Hera, deixando o peito da mãe a verter gotas de leite que formariam a Via Láctea. São inúmeras as suas façanhas, consideradas todas como atos de valentia e coragem. (...)

www.wikipédia.pt

Diz o senso comum e o meu genérico conhecimento que o nome Hércules está ligado à força e à valentia. São comuns expressões como, "força hercúlea", "lutei como um Hércules" e lembro-me também de um amigo que tinha um cão, com fama de mauzão, que se chamava Hércules... Não gosto de imaginar um Hércules em forma de estátua, daquelas que representam os deuses gregos e romanos, ou com tantos músculos, tantos músculos que descaracterizam a beleza masculina... talvez o imagine como o Aquiles, naquele filme com o Brad Pitt, mas isto já é outra história, eh, eh... 
Pois é... eu tenho-me sentido um Hércules em versão feminina... Não tanto no que diz respeito à força física, mas nas outras valentias, se é que as há.Tive um início de ano letivo complicado e conturbado, como já referi  aqui (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/09/contrato-termo-certo-mesmo-que-me.html) e isso fez com que toda a logística inerente ao arranque de um novo ano escolar fosse, no meu caso, muito mais condensada. Já não discuto acerca deste sistema escolar que tantas incongruências tem, mas sinto que tenho que ter um super sónico radar que se vire em todas as direções, para poder responder acertadamente a tudo, sinto que tudo acontece a mil à hora e eu, qual corredora de fundo, tenho que controlar a respiração para não hiper ventilar e poder chegar ao fim com qualidade pessoal e profissional e depois, em casa, as situações também se sucedem a 200%, proporcionais a três filhos, em três ciclos de ensino diferentes. O tal oh mãe constante, repete-se como um eco teimoso e eu continuo a correr, a correr, a correr sem parar para conseguir chegar a tudo. Às vezes penso que o que me vale são os pedacinhos que invento (literalmente...) para mim, de muitas formas e maneiras, pedacinhos curtinhos, mas intensos e diários e que me fazem recarregar baterias e energias, um pouco como aqueles sítios da auto-estrada, onde podemos descansar por minutos!! E só agora, já o outubro vai a meio é que me vou sentindo a serenar e sentindo o apelo para responder a outros chamados de que eu tanto gosto. Agora, já o outubro vai a meio é que a rotina se vai instalando e sendo eficaz aos poucos, como aqueles unguentos gordos que se põem sobre a pele e vão atuando, atuando... As pecinhas vão encaixando, os horários vão-se definindo, os dias da semana vão-se organizando, os tempos para mais isto, ou mais aquilo, vão surgindo... E neste aterrar suave e progressivo da rotina, é interessante ver, em perspetiva, como somos diferentes os dois, eu e o meu mais-que-tudo, como reagimos a esta aterragem da rotina que não é instantânea, como nos defendemos, como reagimos. Eu, acelero, grito, discuto, vocifero às vezes, faço 30 coisas ao mesmo tempo, intuo, vejo em perspetiva; ele, tão diferente, mantém o ritmo, não grita, discute em modo mais suave, não vocifera, não faz 30 coisas ao mesmo tempo, mas as que faz, fá-las muito bem e há dias, tive mais uma certeza (que se junta a todas as outras) que era também uma versão masculina BEM LINDA de um Hércules, pelo menos para mim e isso foi o suficiente, quando depois de um dia de trabalho intenso e de mais isto e aquilo, arrastado pelo cansaço, foi assaltado pelos três filhos à sua volta, para estudar Matemática, para tirar dúvidas, para esclarecer o cálculo, a fórmula, assim, de repente, ao mesmo tempo, porque a urgência é assim, inesperada e espontânea e às vezes não se compadece do cansaço extenuado dos pais! Esta história da Matemática é pois e sim um pelouro do pai... Em perspetiva ia vendo a sua reação, a forma assertiva e eficiente como valeu aos três, de três níveis diferentes, de seguidinha, a paciência que teve nas respostas, a insistência que deu à sistematização, a tranquilidade e segurança que lhes transmitiu, apesar do seu próprio cansaço. Amei-o muito nesse pedacinho de dia e admirei a sua capacidade e paciência, às vezes e nessa vez tão diferentes da minha, que é tão estouvada e acelerada, a forma tão calma como lida com o cansaço que nos assalta aos dois, senti-me muito sortuda por estarmos todos juntos, por sermos assim, tão diferentes, e por ter a certeza que ele tem sim senhora, vários pedacinhos de Hércules de que tanto gosto!! E assim deixei isto a pairar em mim por uns dias...

terça-feira, 8 de outubro de 2013




PÉROLA PEQUENINA


Sempre gostei de reparar nas mãos das pessoas. É uma mania como qualquer outra. Gosto de ver mãos arranjadas, mas naturais, confesso. Não sou super fã de unhas de gel e afins que agora existem e que tentam embelezar as mãos, a não ser que aquelas tenham um ar super natural e isso implica que sejam muito bem feitas, o que nem sempre acontece. Acho que um ar natural, dá às mãos a maior beleza. Num homem, é das coisas em que mais reparo. Gosto de mãos grandes, calorosas, sendo muitas e muitas vezes as acompanhantes perfeitas de uma lágrima, um desabafo, um ânimo, um entusiasmo, um beijo, contribuindo para um calor e magia especiais de duas pessoas que se tocam. O poder do toque é enorme e maravilhoso! As mãos, para mim, são quase sempre, complementos da voz, da frase, da expressão. Aí, ganham vida própria e energia, embaladas pelo que vou dizendo, por isso sempre me disseram que falava com as mãos também, como se às vezes eu parecesse uma orquestra (nem sempre afinada, admito!) de voz, mãos, corpo, palavra.
E esta orquestra de voz, mãos, corpo, palavra, vive dias intensos nos meus dias de trabalho e fez-me hoje descobrir um tesouro...à tarde, uma pessoa pequenina do meu grupo escolheu um livro para a HORA DO CONTO. - É este, sim, este é lindo! Vi de relance que não era um livro de histórias e que tinha sido atraído pela cor e desenhos lindos da capa, mas isso foi apelativo e, mesmo contrariada (não me apetecia nada contar aquela história...), resolvi aceder ao pedido. Então, expliquei, é um livro que explica coisas, não tem mesmo uma história, mas vamos ver as imagens, ouvir o dizem as frases e aprender, porque é mesmo assim, nem todos os livros são de histórias... pois não, diziam, há dicionários, livros da escola e esses não têm histórias, pois claro, mas nós vamos transformá-lo...
E lá começámos o "PARA QUE SERVEM AS MÃOS" ( não me lembro agora do nome do autor e editora... tenho o livro na escola...). A minha orquestra começou a tocar e a voz, o corpo, a expressão e as mãos, lá iam dando vida àquele livro que se tornou tão giro de repente (e tenho-o há tanto tempo e nunca lhe tido ligado nenhuma!!)... Com o estribilho repetitivo de "AS MÃOS NÃO SERVEM PARA BATER", lá se explorava todo o esquema corporal, a higiene, a alimentação, as relações sociais, as rotinas diárias, os afetos, viajando à volta do mundo inteiro que é formado por aquele universo de coisas que podemos fazer com as mãos... escrever, pintar, recortar, fazer ginástica, comer, pentear, lavar (-se) e, de repente, com os olhinhos castanhos postos em mim, aquela pessoa pequenina que tinha escolhido o livro e que tem umas bochechas gordas maravilhosas e um nariz arrebitado disse, em modo sopinha de massa, do alto dos seus três anos e com ar sonhador, mas seguro... com as mãos podemos fazer festinhas, dar abraços, dar miminhos, dar cinco... e ia repetindo, baixinho em quase surdina! Ninguém o ouviu, pois a dinâmica do grupo tão grande seguiu impiedosa e os nossos códigos auditivos vão ficando, mesmo contra a nossa vontade, viciados em barulho, agitação, tornando estas pequeninas pérolas, invisíveis e transparentes, mas eu ouvi e apeteceu-me dizer-lhe meu amor pequenino, tu já sabes tudo e tanto e essa pérola é maravilhosa!!! 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013



LEVA E TRAZ, TRAZ E LEVA...


O dia de hoje foi interminável e vivido dentro de uma nuvem de humidade irritante que resolveu chegar e ficar colada a este tempo atmosférico parecido com o tropical... de peganhice em peganhice, irritada com este calor húmido, lá fui deixando o dia escorrer por entre tudo aquilo que tinha que fazer e ele seguiu por entre as horas cheias, sempre cheias de tudo e mais alguma coisa e recordo: despertar em casa, beijo rápido ao mais-que-tudo que sai antes de nós; miúdos, pequenos-almoços, ida para as escolas (como sou uma mãe louca, tenho os três em três escolas diferentes! Isto há coisas...), trânsito, acerto de pormenores de horários e almoços e saídas à tarde para ti e para ti e para ti; confirmação do horário da mãe neste mesmo dia, distribuição (em andamento, valha-me a filha que vai à frente, no lugar do pendura) de moedas, ou notas para os inadiáveis desse dia, paragem nos semáforos para compor rimel e outras (poucas) coisas, ou para assinar o aviso esquecido na caderneta, beijinhos rápidos de até logo mamã, juízo, beijo também, ida para o trabalho (ufa, alguma música por fim!), café da manhã inadiável e absolutamente obrigatório, chegada ao trabalho, miúdos e pais e mães para receber, acolher, sorrir, recados, anotações, início da atividade na sala, em grupo, elencagem cerebral e teimosa de tudo o que há a fazer na outra vida, aquela que também é nossa fora dali, o almoço que chega apressado, um café rápido em hora social com pares profissionais, a vontade teimosa de fugir um bocadinho dali e ficar sózinha comigo a aflorar-me às vezes o pensamento, o dia a continuar a correr, indiferente a este toque de imaginação e vontade, uma reunião que atrasa o regresso e cansa o cérebro, o regresso a casa, os telefonemas que se aproveita para fazer no caminho, o filho, ou filha, ou filha a telefonar, o acerto do que já se tinha dito de manhã, a sensação de ser taxista a chegar, o leva e traz, o traz e leva, as trinta voltas, a trinta sítios diferentes onde se tem que ir, resolver não sei o quê, o obrigar-me a beber um café, nem que seja em 5 minutos, num cafezinho qualquer da cidade, na rota de uma qualquer das ditas voltas, o bem que me sabe essa cafeína vespertina, mesmo que o calor não passe e que a peganhice se mantenha, o telefonema do mais-que-tudo, recordando hoje, AQUELA reunião de que falara, o resolver-me pelo jantar já feito, mesmo ali, naquela casa de bairro, o enfrentar um supermercado apinhado de gente com tão poucas caixas a trabalhar, mas hoje tinha que ser, porque já não há isto e isto e isto (!!!) as filas intermináveis de gente e coisas e tudo, a falta de paciência que o cansaço traz, o conseguir ainda sorrir ao observar uma menina maravilhosa à minha frente com a mãe, o que ela dizia, como sorria, o ver de uma doce mensagem que faz vibrar o telemóvel e que tempera o cansaço, o vir para casa, 12 horas depois de ter saído, o telefonar pelo caminho para porem já a mesa, sem refilar, que o jantar vai feito, o jantar a quatro, que o pai hoje vem mais tarde, o arrumar da cozinha, o beijo rápido ao pai que chega, o fazer ainda isto e mais isto com um e com outro, porque, MÃE, tenho que levar amanhã (!!!), o repetir pela centésima vez ENTÃO O QUE FIZESTE À TARDE, DEPOIS DAS AULAS??? E pronto, o dia ainda não acabou... ainda vim para aqui, para descompressão, para alívio e respiração funda... serve-me de catarse isto e hoje, ao rever ponto por ponto este meu interminável dia, lembrei-me, não sei porquê, do anúncio da EDP, "A MAIOR ENERGIA É A SUA"! (e passo a publicidade...).
A música é gira, o anúncio "colou" bem, é apelativo, o sexagenário que dá vida ao pequeno filme é bem parecido e personifica tudo aquilo que gostaríamos de vir a ser, um dia na nossa velhice, ativos, multifacetados, autónomos, prestativos, presentes... mas pronto, este dia de hoje tomou conta de mim e, mesmo sabendo que não há dias iguais nesta nossa vida um bocadinho louca, agora só sinto, com dormência, aquilo que a Kika diz na canção:"Can´t feel love tonight"!!!
Bolas, ainda bem que por trás da nuvem, está sempre o sol!!!