terça-feira, 26 de novembro de 2013




MEDOS


"Oh Paula, tu também tens medos daquelas coisas bué assustadoras, a sério?"
S. 4 anos


Tem uma cara redonda, bolachuda e uns olhos pretos, como duas azeitonas. As bochechas são apetecíveis de apertar a toda a hora e tem dois dentinhos à frente separados, que o transformam numa coisa muito fofa. É o autor da pergunta que transcrevo em cima e enquanto me ia lembrando dela, revi, em esquema mental, todo o meu dia com eles...

A história hoje teve braços e mãos e pernas e voz. O arrepio foi-me percorrendo, sem que eles o soubessem, porque os senti presos à minha expressão e ao que contava e adaptava do livro de histórias. Falávamos sobre os medos e do que deles advém e senti-me bem por tê-los ali comigo, debaixo daquela sensação tão grande e boa que nos abraçava a todos, naquele bocadinho indiferente às dificuldades e logísticas difíceis de uma escola que é grande, enorme e, às vezes, descaracterizada.
Falávamos dos medos, como disse e do que fazer quando eles nos assaltam, como devemos reagir, que medos temos, o que sentimos, o que fazemos. É tão maravilhoso ver o que dizem e ver do tanto que nos dizem, outro tanto que podemos depreender de tudo o que os rodeia e os compõe. Os mais velhos relatam sem complexos, com uma simplicidade que só as crianças têm e os mais pequenos, ao seu jeito, vão indo atrás, relatando também e misturando tudo isso com coisinhas que lhes apeteça dizer na hora. Faz-se disso tudo a gestão e conduz-se o grupo para o que se quer, para o objetivo que se pretende e é com esta riqueza que tenho a sorte de trabalhar todos os dias.

Enquanto decorria a conversa, no meu pensamento iam passado imagens de mim própria quando era pequena, não já da idade deles, pois essas memórias provavelmente são frágeis como um nylon fininho e compostas já de retalhos que vieram daqui e dali, mas de recordações do meus medos e sustos e do que fazia e de como reagia, já mais crescida, já mais consciente. Algumas ansiedades e angústias que me povoaram enquanto cresci, ganharam forma de novo, ao sabor desta recordação que tilintava lá ao fundo do meu cérebro, ao mesmo tempo que conduzia a conversa com eles. Também como eles, a figura da minha mãe esteve presente em mim servindo de bálsamo noturno de algumas insónias teimosas e pesadelos incómodos; também como eles, fugia para a cama dela e do pai, sempre quentinha e onde cabia sempre um de nós quando precisávamos; também como eles, era aí que sossegava e sentia que o mundo poderia acabar que não me importava; também como eles era por ela que gritava quando me assustava sem saber com o quê e então senti que há coisas universais e intemporais que não mudarão nunca e que eu estava a partilhá-las com eles, naquele bocadinho indiferente ao resto. 
Sinto que aquela história nos entrou hoje no grupo e nos fez conversar e contar segredos, falar sobre as coisas e tentar vencer os medos, nem que seja só um bocadinho e o que não lhes disse, nem era preciso para nada, é que eles, os medos, irão existir sempre, ganhar novas formas e maneiras, perseguir-nos desta, ou daquela forma, fazer-nos, em alguns momentos, acelerar as batidas do coração e transpirar um bocadinho, mas aí, a solução terá que ser construída por nós, mesmo que nos continue a apetecer, sempre, o colo da mãe!!!


P.S. E como não posso mostrar aqui o meu inspirador de hoje, ponho este, que tem umas bochechas parecidas com as dele...

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