quarta-feira, 6 de novembro de 2013







CINZENTO = PRETO+BRANCO


Vinha embalada pela condução e pela música e pensava que o pé esquerdo estava constantemente a trabalhar na embraiagem, tal era a cadência do pára/arranca do trânsito neste princípio de tarde. Os dias têm sido cinzentos, por uma série de acontecimentos que me têm rodeado, dançando à minha volta e obrigando-me a acinzentar também... 
Passei por uma zona da cidade, por onde passo todos os dias, mecanicamente, enquanto visto a minha farda de taxista dos meus filhos e organizo logísticas inteiras, de família inteira. Aquela não é uma zona desconhecida, ou pouco frequentada por mim. É uma artéria da cidade perfeitamente comum à mais comum das mães e ao mais comum dos pais, zona de passagem na baixa desta cidade que é a minha. Lá passei eu hoje outra vez, como em todos os outros dias e vi-os. Acredito que eles próprios, ou outros parecidos, também lá estivessem nos outros dias, mas  nunca os tinha visto, ou a outros parecidos com eles... se calhar, nos outros dias, venho dentro da minha nuvem, que paira à minha volta, como uma i cloud, que tudo em si encerra, para mais tarde nos mostrar... 
Estavam sentados num banco de jardim e muito apaixonados. Beijavam-se longamente e enquanto durou a fila de trânsito onde eu seguia, em "pezinhos de lã", lá ia durando aquele beijo adolescente e apaixonado. Sorri sozinha... Eu sempre tive algum recato em fazer estas manifestações de carinho tão públicas. Sempre achei o beijo, esse de amor, meu e nosso e só nosso e íntimo e privado e sagrado  e, por isso, nunca gostei de o expor assim, em público, mas isso é um problema meu a que este casalinho estava completamente alheio, certos de que o seu beijo era o melhor e mais verdadeiro e profundo de todos. Penso que será assim sempre que nos beijamos com paixão, parecendo que somos só nós que existimos no mundo.
O carro seguiu e lá foi ficando o beijo para trás... à minha frente, uma ria que se diz, e que é, formosa, uma água que ia até lá ao fundo, uma ilha barreira ao longe, como um pontinho pintado no horizonte, dois barcos que vagueavam por ali e um céu sarapintado com laivos de vermelho alaranjado... Lembrei-me de uma brincadeira que fazia com o Nuno quando era criança. O meu pai dizia-nos que quando o céu, ao final do dia, está assim sarapintado com laivos vermelhos e alaranjados, é porque no dia seguinte fará calor. Brincávamos os dois a tentar adivinhar se seria muito calor, pouco, ou quase nenhum e apostávamos mesmo, para ver quem teria razão... Não sei o que isto terá de científico, ou se terá alguma pitadinha de verdade cósmica, mas aquele beijo adolescente e aquele céu misturado com ria, levaram-me para aí, para a maravilha que é a vida e para as riquezas tão simples que ela sempre terá: os beijos dos adolescentes, num banco de jardim, ao final da tarde e os reflexos do céu no mar, tão prateados e brilhantes
De repente, como uma luz que se acende com um interruptor, esta nuvem cinzenta em que tenho andado pareceu-me irrelevante e percebi que amanhã a vida continuará a ser maravilhosa, mesmo que tenha nuvens teimosas e muito cinzentas a pairar de vez em quando. 
Tornei a sorrir sozinha... o céu estava mesmo alaranjado... será que amanhã vai estar calor? 

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