quinta-feira, 31 de julho de 2014





UF

interjeição designativa de alívio,
 in DIcionário da Língua Portuguesa, 5ª edição, Porto Editora




Ficarei sempre nervosa, não há hipótese e já desisti de não aceitar isso. Os sinais corporais avisam-me que a ansiedade é grande: a respiração acelera, as pulsações vêm-se a olho nú, sem precisar de tocar num centímetro de pele e o esforço secreto de descontração impõe-se como um antídoto para medos completamente irracionais. Vou fazendo sozinha e sem ninguém ver, exercícios de entrega e relaxamento. Surtem efeito por segundos muito breves, mas repito-os, na vã esperança de me acalmar. Afinal, o medo é como uma erva daninha, sempre me disse a minha mãe, e aquela, cresce desregrada por mim acima, como se eu me transformasse num campo de cultivo. Ele está ali ao meu lado, porque já me conhece. Não foi preciso dizer-lhe nada, nem para vir sequer. Por mais simples que fosse o exame médico, há coisas que o racional não explica e então, como se gosta do outro, aceita-se assim e pronto e já se sabe o que fazer. 

O exame era normalíssimo e de rotina, decorrente de um outro de há 8 meses atrás. Há exames/rastreios tão bem mais dolorosos e difíceis, mas então e agora explicar isto? Desde que vivi um drama familiar, sério, drástico e súbito com alguém muito próximo, que a minha relação com os médicos e realidade inerente ficou assim, cheia de episódios destes em que as duas partes de mim se digladiam de forma atroz. Sim, todos os resquícios que possa ter de auto-controle, maturidade e afins, caem por terra, assumindo-me como uma menina pequena e piegas que só quer o colo da mãe.
E estava tudo ok! - Está tudo ok, Paula, basta só vigiar! E foi para ele que voei na sala de espera. Não foi preciso dizer-lhe nada. Adivinhou-o pelo meu olhar e respondeu-me também sem falar. Um eu não te disse ficou a pairar-lhe nos olhos. Então, vi-o....
Tinha mais de 70 anos, seguramente. Carequinha, gordinho e muito nervoso, coitado! Ia e vinha do balcão para a cadeira, ao encontro dela que estava sentada e dava-lhe envelopes e credenciais que ela, prontamente, guardava num saco grande, onde tudo estava como um espólio valioso.
-Estou nervoso, menina, não consegui fazer o exame...
- A sério, Sr.  _____, não me diga! - perguntava a menina da receção.
-Sim, tenho que falar com o médico para ver se ele me dá um calmante e tentar outra vez - limpava o suor da testa, apesar do ar condicionado gelado. Ela, da cadeira, olhava-o com uns olhos de amor, quem sabe de uma vida inteira que tudo sabe e tudo descobre sem falar. Levantaram-se e, resignados lá foram ter com o médico em busca da tal pílula milagrosa de calmaria...
Eu sou igualzinha a si, foi o que me apeteceu dizer-lhe. Esta calma, este auto-domínio, são o mais puro fingimento, não se sinta mal...

E já depois das logísticas seguintes de pagamentos, marcações, agenda e caneta que cai no chão, ao lado dos óculos de sol e confusão, enquanto interiorizava um UF gigantesco, ainda os vi a sair de mão dada, velhinhos e cúmplices e então percebi que, por maior que seja a idade,  por mais diferente que seja a atitude, latitude ou situação, há linguagens que são UNIVERSAIS.

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