quinta-feira, 31 de julho de 2014





UF

interjeição designativa de alívio,
 in DIcionário da Língua Portuguesa, 5ª edição, Porto Editora




Ficarei sempre nervosa, não há hipótese e já desisti de não aceitar isso. Os sinais corporais avisam-me que a ansiedade é grande: a respiração acelera, as pulsações vêm-se a olho nú, sem precisar de tocar num centímetro de pele e o esforço secreto de descontração impõe-se como um antídoto para medos completamente irracionais. Vou fazendo sozinha e sem ninguém ver, exercícios de entrega e relaxamento. Surtem efeito por segundos muito breves, mas repito-os, na vã esperança de me acalmar. Afinal, o medo é como uma erva daninha, sempre me disse a minha mãe, e aquela, cresce desregrada por mim acima, como se eu me transformasse num campo de cultivo. Ele está ali ao meu lado, porque já me conhece. Não foi preciso dizer-lhe nada, nem para vir sequer. Por mais simples que fosse o exame médico, há coisas que o racional não explica e então, como se gosta do outro, aceita-se assim e pronto e já se sabe o que fazer. 

O exame era normalíssimo e de rotina, decorrente de um outro de há 8 meses atrás. Há exames/rastreios tão bem mais dolorosos e difíceis, mas então e agora explicar isto? Desde que vivi um drama familiar, sério, drástico e súbito com alguém muito próximo, que a minha relação com os médicos e realidade inerente ficou assim, cheia de episódios destes em que as duas partes de mim se digladiam de forma atroz. Sim, todos os resquícios que possa ter de auto-controle, maturidade e afins, caem por terra, assumindo-me como uma menina pequena e piegas que só quer o colo da mãe.
E estava tudo ok! - Está tudo ok, Paula, basta só vigiar! E foi para ele que voei na sala de espera. Não foi preciso dizer-lhe nada. Adivinhou-o pelo meu olhar e respondeu-me também sem falar. Um eu não te disse ficou a pairar-lhe nos olhos. Então, vi-o....
Tinha mais de 70 anos, seguramente. Carequinha, gordinho e muito nervoso, coitado! Ia e vinha do balcão para a cadeira, ao encontro dela que estava sentada e dava-lhe envelopes e credenciais que ela, prontamente, guardava num saco grande, onde tudo estava como um espólio valioso.
-Estou nervoso, menina, não consegui fazer o exame...
- A sério, Sr.  _____, não me diga! - perguntava a menina da receção.
-Sim, tenho que falar com o médico para ver se ele me dá um calmante e tentar outra vez - limpava o suor da testa, apesar do ar condicionado gelado. Ela, da cadeira, olhava-o com uns olhos de amor, quem sabe de uma vida inteira que tudo sabe e tudo descobre sem falar. Levantaram-se e, resignados lá foram ter com o médico em busca da tal pílula milagrosa de calmaria...
Eu sou igualzinha a si, foi o que me apeteceu dizer-lhe. Esta calma, este auto-domínio, são o mais puro fingimento, não se sinta mal...

E já depois das logísticas seguintes de pagamentos, marcações, agenda e caneta que cai no chão, ao lado dos óculos de sol e confusão, enquanto interiorizava um UF gigantesco, ainda os vi a sair de mão dada, velhinhos e cúmplices e então percebi que, por maior que seja a idade,  por mais diferente que seja a atitude, latitude ou situação, há linguagens que são UNIVERSAIS.


SER AMIGO É...


O meu tour diário e às vezes um pouco ligeiro, distraído, pelas redes sociais e por alguns blogs que sigo, fez-me ver que hoje se celebra o dia da amizade. Bolas, outra efeméride que não fazia a mais pequena ideia que existia, mas é, existe. Parece que em 2011, durante a 65ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, se reconheceu a pertinência e a importância da amizade como sentimento nobre e valioso na vida dos seres humanos de todo o mundo e se decidiu designar o dia 30 de julho, como sendo o dia Internacional da Amizade. (www.wikipedia.com)

Não ligo nenhuma a estas efemérides. Acho mesmo que as coisas têm a importância que lhes dermos e acho que o ter sabido disto hoje não acrescentou, ou retirou nada à minha ideia de amigo/amiga. Não pude foi deixar de pensar neles e nelas. Seria redutor enumerá-los aqui. De certeza que me esqueceria de alguém, mas sei que têm uma importância vital na minha vida. Sei que é neles que penso logo quando quero partilhar uma novidade gigante e maravilhosa, sei que é neles que penso quando me imagino a ganhar o Euromilhões, sei que é com eles que gosto de estar, sei que é a dor deles que sinto um bocadinho em alguns momentos, sei que é o riso e a alegria deles que se tornam um bocadinho meu e minha, sei que eles entram em todos os projetos e imaginários de felicidade que tenho todos os dias, um bocadinho, porque todos os dias, mesmo nos cinzentos, podemos imaginar um bocadinho a felicidade, se quisermos e sei que eles estão lá, com uma certeza tão tranquila, que é quase impercetível...
Pois é, então desta efeméride aprendida hoje, retiro como sumo a vontade que me deixou de mandar um beijo enorme a todos os meus amigos e amigas, a todos aqueles e aquelas que preenchem a minha vida e me tornam uma pessoa um bocadinho mais cheia de afetos, riquezas, histórias, partilhas, momentos, aprendizagens e experiências.
Cada um receberá, via blogosfera, este recado de ternura e guardá-lo-á  onde entender, eu é que acho (e desejo) que seja no coração...  
























( P.S. ... e não me ocorreu outra foto...)

domingo, 27 de julho de 2014


BOLA DE SABÃO





Vou iniciar oficialmente as minhas férias deste ano. É sempre assim, esta sensação de alívio, de respirar fundo, de poder agarrar o tempo sem fim e torná-lo meu, só para mim, como se isso fosse possível, penso logo a seguir... Teria que viver numa bolha, daquelas que flutuam por cima das coisas e que têm paredes transparentes, como as bolas de sabão, que tudo vêm cá para fora, lá de dentro e que vão, egoisticamente, para onde querem, sem pressas, parando aqui e ali... 
Pois é, mas isso são as bolas de sabão. Cá para mim, continuarei a não ter tempo para fazer SOZINHA o que queira, que as férias não mudam isso por decreto e continuarei a não ir para longe, fazendo mundos e fundos, numa correria louca para ver e conhecer e fazer e estar e ouvir e mais isto e mais aquilo. Sim, as minhas férias, aquelas que escolho sem hesitar, serão muito normais, dentro de uma zona de conforto que conheço e que escolho encher de coisas essenciais: família, amigos, praia, leitura, descanso, namoro, passeio e tudo o mais que é especial para mim. As tais coisas simples que significam tanto!
E na foto de cima, hoje com honras de início de post, está lá tudo o que é essencial para mim e também para as minhas férias... e isto, não se desfaz no ar como uma bola de sabão!
BOAS FÉRIAS!!!

quinta-feira, 24 de julho de 2014




CARAMELO QUEIMADO


Costumávamos acampar naquele sítio com muita frequência e, embora fosse perto da minha casa, o acampamento era de alguns dias, o que nos exigiu alguma autonomia e desenrascanço. Lembro-me com uma ternura infinita desses tempos e desse acampamento em pormenor. Eu deveria ter uns 8, ou 10 anos, não teria mais e foi aí, nessa infância maravilhosa que me formou como pessoa (como costumo frequentemente referir) que frequentei a 1ª Companhia de Guias de Olhão. Era um grupo dinâmico, liderado por raparigas mais velhas que eu, naturalmente, mas que nos incluíam em atividades diversas e frequentes. Organizávamo-nos em patrulhas, umas de mais novas, as Guias, outras de mais velhas, as Júniores. Eu era da patrulha borboleta e ainda hoje tenho um saco de tecido, azul aos quadradinhos, com o meu nome e o desenho de uma borboleta bordados pela minha avó Lurdes. Servia para eu levar a comida e os acessórios das refeições, como os talheres, pratos, copos. Hoje está na gaveta das recordações importantes, imaculado e velhinho, mas lá, perto de mim e da minha intimidade mais querida. Nas Guias aprendi tanto, tanto. As primeiras vivências em grupo, as autonomias para arrumar as minhas coisas, a divisão de tarefas, a forma de fazer isto, ou aquilo, as primeiras conquistas emocionais, estando longe dos Pais alguns dias, os amigos, que sem saber, ficaram para a vida, as primeiras construções em campo, os nós disto ou daquilo que seguravam essas construções, a forma de apanhar e organizar a lenha para fazer o fogo, o cozinhar em campo com lenha mesmo, os primeiros socorros e a forma de arrumar um saco-cama, o bichinho do Escutismo que se me entrou pelo corpo dentro desta forma, para não mais sair, como uma doença crónica, mas esta boa, muito boa. Enfim, um mundo de coisas de que me recordo com um sorriso nos lábios.
E daquele acampamento então, recordo ainda com maior ternura.
O imaginário eram os índios e toda a sua mística e então, atribuíram-nos totens segundo as nossas características... Pois é... há coisas que ficam e que escolhemos não fazer DELETE da memória...

Já expliquei  aqui porquê que este blog tem este nome. Continuo a achar, quase dois anos depois, que continua a ser um nome muito bem escolhido e que não haveria melhor, mas, acho que há um outro que encaixaria neste espaço na perfeição e esse outro vem diretamente da recordação deste acampamento e dessa noite mágica em que encenámos um ritual índio. Eu, menina pequena, fiquei o caramelo queimado, porque muito teimosa como o doce que se cola aos dentes... 

34 anos depois (mais ou menos...), lembro-me deste acampamento como se fosse hoje e sei que o totén não poderia ter sido melhor escolhido.Foi sendo trazido pela vida fora e continua atual . Relembro-me disto constantemente, sempre que teimo em ser teimosa... Continuo teimosa, muito teimosa, mas quero crer que doce também, mesmo como aqueles caramelos antigos, sem artifícios, que comíamos sem fim... E com esta doçura, espero aligeirar a teimosia... será?
                                       
P.S. Bem, lá docinha era a carinha... acho eu!


quarta-feira, 23 de julho de 2014



CLICHÉ


Perdigota é uma perdiz nova que se utiliza na expressão - não bate a bota com a perdigota - apoiando-se na rima ( em ota ). Significa que qualquer coisa não bate com outra.
in - WIKIPEDIA



Tinha ar de miúda de revista, daquelas dos catálogos de moda, muito gira, de cabelo comprido, uma roupa e estilos fashion, um ar clean, jovem e moderno. Estava numa mesa acompanhada por mais pessoas, do mesmo género, mas foi nela que mais reparei, talvez porque teria a idade da minha filha mais velha e porque era mesmo gira, a miúda!
Os meus sentidos acompanhavam a mesa em perspetiva, lá ao fundo, enquanto me centrava no meu universo da minha mesa de café. De repente, elevou a voz e os meus olhos rodaram para lá. O caniche pequeno saltou-lhe para o colo. -Ai meu Deus, o c"#$&"#$%& do cão mija, vai mijar-me para cima? - perguntava a quem a acompanhava. E repetiu a pergunta, duas, três vezes, no meio das gargalhadas dos outros.

MIJA? Foi MIJA que eu ouvi e c"#$&"#$%& do cão???? Bem alto? Para toda a gente ouvir?
O encantamento esfumou-se pelo ar. Lembrei-me logo de uma outra que também conheço, cheia de RRRR e SSSSS , mas que come curvada sobre o prato e utiliza os talheres como remos de uma embarcação.
De facto, as aparências iludem mesmo, só que não é para sempre... há um altura em que o verniz estala de vez.
Cliché? Berço? Educação? Questão/hábito cultural? Acaso? Cuidado? Feitio? Não sei... o que sei é que gosto bem mais quando a bota bate com a perdigota... pelo menos é mais previsível...






P.S. O inverso ao descrito também se aplica, portanto, o melhor é nunca julgar pelas aparências mesmo, não será?

domingo, 20 de julho de 2014



ZÁS TRÁS PÁS


- A máquina é muito cara, filha, mas olha, se conseguires juntar metade do dinheiro, nós damos-te o resto, pronto, mas tens que juntar pelo menos metade e isto é a sério, sabes que quando se quer muito qualquer coisa, isso sabe muito melhor se for conquistado... acho eu!
- A sério, mãe? Então posso começar a preparar tudo, é que sabes, é mesmo aquela que eu quero, é assim, assado, cozido, frito, faz isto e mais aquilo, as lentes assim e assado, o zoom não sei o quê, eu já vi o preço na Net e aqui e acoli, então vou fazer assim... 

E o discurso transformou-se num rol de intenções, prazos, esquemas de vontade e de organização, em ordem a angariar o dinheiro que precisaria para tal odisseia. Eu, confesso, duvidei um pouco, pois o ímpeto às vezes esmorece e também o custo não era assim tão mínimo... afinal, aos catorze anos, há mais marés que marinheiros e nem sempre o vento sopra de sul... Mas pronto, o caminho era agora dela e eu/nós, estaríamos aqui a ver o que dava...
E a minha/nossa casa transformou-se num palco, onde observávamos o que fotografava para o OLX para vender, o que editava, publicitava e vendia, o que amealhava de moedas e dinheirinhos que vêm dos avós, de quando em vez, o que somava e concluía que ainda faltava, ou já chegava
No meio da agitação dos dias, ia-a vendo e acompanhando e a minha certeza de que, muito mais cedo que o que eu previra, teria o dinheiro necessário, foi-se assumindo como certa e lembrei-me dela quando nasceu, apressada, num parto rápido e natural, de choro pronto e contínuo, que fazia aparecer à porta da sala do recobro as funcionárias a dizer-me que tinha génio mamã, esta é de fibra, sabe o que quer e está chateada porque não consegue mamar; lembrei-me dela bebézinha, muito determinada, mas encantadora, chorona até mais não, mas de sono fácil e pronto, lembrei-me dela após a primeira sopa, porque não mais quis mamar, como se tivesse agora descoberto um mundo muito melhor; lembrei-me dela cantora, pintora, dançarina e artista como é; lembrei-me dela generosa, mas teimosa, humilde, mas segura do que quer; lembrei-me dela e da sua rapidez quando faz qualquer coisa, num ZÁS-TRÁS-PÁS muitas vezes sem perfeição, mas com a alma toda lá e pensei que o mundo está à tua espera, minha doce Sofia, só te falta crescer mais um bocadinho, continuares a ser linda e verdadeira por dentro, a ouvir quem te quer bem e quem te cuida e depois, bem, depois o caminho é teu e eu acredito que mesmo de pernas para o ar, não te irás perder...





sexta-feira, 18 de julho de 2014




ESTOMÂGO EMBRULHADO

(Peço desde já desculpa aos entendidos por alguma eventual informação incorreta do que escrevo aqui que resulta, do que julgo saber e de uma rapidíssima pesquisa na Wikipédia. Se alguma coisa estiver incorreta, por favor acrescentem/comentem/esclareçam... Quem sabe assim o estomâgo desembrulha um bocadinho?)



A Crimeia fazia/faz (nem sei qual o tempo verbal adequado aqui...) parte da Rússia desde 1774 e foi no período pós 2ª Guerra Mundial que, através de uma decisão política, se transferiu esse território para a Ucrânia. Terá sido uma decisão política porque Nikita Kruchev, na altura tinha ligações políticas fortes com o partido comunista ucraniano, que o apoiava. Passou então a ser Ucraniana, embora a maioria dos seus cidadãos tenha origem russa. A embrulhada começará aqui? 
A Rússia tem um forte interesse em que a Crimeia continue "russinha da silva", já que tem lá a base sua frota naval do Mar Negro, sendo por isso, um ponto geoestratégico muito bom.

O Estado da Palestina, proclamado em 1988 por Yasser Arafat, é reconhecido por 130 países como Estado soberano, mas não tem um domínio absoluto sobre a maior parte do território que reivindica, já que esse território encontra-se ocupado por Israel, desde 1967. Outra decisão política... hum...!
Os palestinianos controlam apenas a faixa de Gaza e estão divididos politicamente: O Hamas controla a faixa de Gaza e o Fatah, a Cisjordânia. A autoridade nacional da Palestina ambiciona o estabelecimento de um Estado da Palestina, com um governo democrático e transparente, mas entretanto, não se entendem de maneira nenhuma e toda a gente e mais alguma dá palpites e se mete nesta guerra de vizinhos que não se dão e que são forçados a viver uns em cima dos outros, porque todos e cada um acham que o território é seu e só seu.

Enquanto almocei hoje, assistia ao noticiário das 13 Horas. Dos Ucranianos e Russos, supostamente envolvidos na tragédia do avião civil das linhas aéreas da Malásia, passei para a invasão terrestre da faixa de Gaza pelo exército Israelita, para a exposição de argumentos de uns e de outros. Nunca poderei saber quem tem razão, mas, o horror que senti perante uns e outros acontecimentos, agora vistos assim, ainda no rescaldo da notícia do avião que, de tão dramática me parecia surreal, fez-me precisar de vir aqui, de tentar sistematizar um bocadinho aquilo que julgo saber, de perceber, de ler, de aprender o que está na génese disto tudo... e voei para os livros de história que me acompanharam no liceu, nos vários anos e séculos da história portuguesa e europeia/mundial. Sim, o voo foi direto, porque a história está cheia disto!

Onde é que já vi/ouvi/ li isto? Estados mal reconhecidos, supostamente soberanos, mas incapazes de se afirmarem; outros, mais fortes, ou com melhores/maiores ligações, que se assumem como superiores; vizinhos que não se dão; quezílias por territórios; gerações de ódios e guerras; forças internacionais que às vezes só se movem por interesses e com isso mudam a história, às vezes para sempre... 

Pois é, nada de novo, a diferença é que agora, se aperta um botão e se faz explodir, num click, um avião de inocentes... e só isso e isso, embrulhou-me o estomâgo!



terça-feira, 15 de julho de 2014





HERANÇA

(A QUE LHES QUERO DEIXAR É PESADA!!!!!!)



Seremos sempre diferentes e teremos sempre ritmos abissalmente opostos, que nos fazem colidir, muitas vezes, no dia-a-dia cansativo que todos os dias se repete. Já tenho dito isto  aqui  e quem nos conhece sabe que é assim.
Hoje, o final da noite em hora de ponta de escravatura de cozinha, como eu chamo, estava a deixar-me irritada, especialmente irritada, porque o jantar se atrasara, muito pelas calmas dele e pela mania que tem de fazer uma série de coisas nesta hora chata, de ponta, de mil e uma coisas que aparecem ao mesmo tempo, mas também de oportunidade quase única de estarmos os cinco, ao mesmo tempo e esses ritmos diferentes do meu deixar-me-ão sempre irritada, como com aquele vento forte que sopra e despenteia tudo.

Comecei a ouvi-lo falar-lhe e cheguei-me à conversa lá fora. Ela ouvia-o, absorta e expectante, um pouco em modo de desconfiança-porque-sou-adolescente-e-então-desconfio-logo-mesmo-sem-ouvir-primeiro no que aquilo daria e ele dizia-lhe que é hoje e aqui e agora, na vida de todos os dias que deve cultivar a relação com os irmãos, que lhes deve dar atenção, que deve arranjar forma de os ter presentes no seu dia, de os incluir q.b na sua vida, nos seus programas, de uma forma que a sua inteligência emocional (que reconhecemos como grande) deve ditar e materializar; que tem só mais alguns anos para que os irmãos a vejam como a mais velha e por isso a venerem com aquela inocência às vezes chata dos irmãos mais novos e não já só como um par, porque a vida os vai aproximar cada vez mais em idades, programas, interesses; que não se deve anular daquilo que quer fazer e combinar, mas que pode e deve arranjar forma de mimar os irmãos, mesmo que seja só porque se faz presente nas suas vidas, aos bocadinhos, em cada dia, de cada vez, despercebidamente, como quem não quer a coisa, mas sobretudo como quem sabe muito bem o que quer, à moda dos amores inteligentes. Lembrei-me daquele post velhinho (brotherhood) que escrevi SOBRE OS IRMÃOS e tudo se reavivou em mim.

A vida, ou a genética, ou ela própria, já não sei, fê-la dócil e o modo desconfiada-porque-adolescente-que-desconfia-logo-primeiro-mesmo-ainda-antes-de-ouvir aligeirou-se um pouco e vi, de soslaio, com aquele radar ótico que só as mães têm que entendia o que o pai lhe ia dizendo. Eu reforcei aqui e ali, pontuando de verdade tudo o que o pai falava, dizendo-lhe que estávamos em sintonia, mesmo sem termos preparado a conversa e que, mesmo sabendo que é uma filha ma-ra-vi-lho-sa dir-lhe-emos sempre tudo o que acharmos, tenha ela a idade que tiver, porque somos atentos, tentamos ser sensíveis e porque, sobretudo, a amamos muito e, isso dar-nos-á para sempre a legitimidade de falarmos assim, com estes tons de coração de pai e de mãe que, sem complexos, lhe falam.
Eu estava com um avental horroroso, de Havaianas no pé, com o cabelo em modo sei-lá-o-quê indescritível, vestida com qualquer coisa de trazer-por-casa, a cozinha lá dentro, atrás de mim esperava-me, impiedosa, o cansaço, esse, seria cruel e rápido mal me sentasse no sofá, mas naquele pedacinho de noite, senti-me a mulher mais feliz e linda do mundo por tê-lo e a eles todos comigo, por tê-los todos os dias, por eles me terem a mim, por poder assistir a isto assim, sem esperar, por ter um parceiro de sempre e sempre comigo a reforçar o que defendo, mesmo sem o dizer, por sermos uma equipa destas assim, improváveis no modo mas ganhadoras no resultado, por termos o mais importante todos os dias, um ao outro, por ter a certeza que esta herança de se terem uns aos outros passará e será a esta e só a esta que lhes vou ensinar a dar valor!
E juro, não sou bipolar, mas não me lembrei já porquê que há minutos atrás tinha estado irritada... há verdades maiores, é o que é...!

quarta-feira, 9 de julho de 2014




MARQUINHAS NO CORAÇÃO


Sou Educadora de Infância há 21 anos e gosto muito daquilo que faço. Imaginei-me fugazmente a fazer outras coisas, mas eram sempre relacionadas com crianças, elas compunham sempre este ramalhete dos projetos e das antevisões profissionais. Há 11 anos que trabalho na rede pública do Ministério da Educação, um senhor patrão muito mal reconhecido e ingrato, mas pronto, é aquele que tenho, gigante e impessoal e é com ele que vou resolvendo as logísticas profissionais de um sistema ingovernável que nem sempre premeia os melhores e nos trata como números. Sei de tanta gente tão boa a quem nem sequer é permitida uma colocação... (este post, hoje, é um bocadinho para eles e elas... todos!).
Tenho tido a sorte de, por onde passo, deixar sempre um rasto de afetos que depois me vai seguindo pela vida, acompanhando-nos uns aos outros, com maior, ou menor assiduidade, mas com uma marquinha que fica no coração da gente... 

Por isso hoje, no final de mais uma reunião de Pais, onde falei com o coração e partilhei imagens e vivências escolares tidas ao longo do ano, onde vi e senti tanto afeto por mim e tanto reconhecimento pelo meu trabalho, me sinto tão bem, com o coração tão insufladinho de coisas boas e com tanta certeza de que tenho, devo, quero, contrariar a tendência do comodismo e da água que vai com a maré gigantesca, contra a qual parece que nada podemos fazer, para continuar a inovar, diferenciar, respeitar, defender o pré-escolar que para mim, é o terreno mais importante para as "sementes" da autonomia, integração e sucesso. 
Nunca serei nada sozinha e por isso, agradeço sempre às pessoas que comigo trabalham, sei que sem uma boa equipa, nada passa para fora. Espero ter podido ajudá-las a fazer brilhar um bocadinho o olhinho, quando falam da Pré, da nossa querida e às vezes tão mal-amada Pré... 
Sei que no futuro vou ter outros meninos e meninas, pais e mães, escolas e equipas, sucessos e insucessos. Sei que o patrão vai continuar a ser injusto, gigante  e impessoal, sei que vai continuar a tratar-nos como números e siglas, sei que vão continuar a haver marés gigantescas de dificuldades, mas também sei que no meu íntimo, só serei número se quiser, porque cá para estes lados mando eu e hoje, o meu sorriso brilhou mais que estas flores... acho eu!



(Obrigada a todos por mais uma marquinha no coração!!!)

segunda-feira, 7 de julho de 2014




DELICADEZA NO OLHAR


("A simpatia é o coração a sorrir no rosto..." - William Blake)

Preparava-me para um mergulho em papéis. A perspetiva não era boa e o ânimo acompanhava esse estado de espírito. Apesar de ser despachada com as papeladas, é a parte que menos gosto nesta vida de escola! -Tenho que os dividir por assuntos e fazer um memorando que depois vou riscando, já sei, todos os anos é assim, é sempre a mesma coisa... 
Parei para um café, que há coisas maiores que nós, que são verdades inalienáveis. Tive que esperar... -não faz mal, tenho tempo... Comecei a observar-lhe os gestos. Conhecia-o de qualquer lado. Via-se que não tinha experiência nenhuma naquelas funções, atrapalhava-se muito, repetia as perguntas, via-se que nem sabia bem os sítios das coisas. O suor corria-lhe em bica pela cara abaixo e não pude deixar de achar que o pólo do fardamento lhe estava apertado, para além de que era super quente. Será novo por aqui, pensei, está a aprender... Pedi um galão e uma baguete só com manteiga, -mas o galão morno, por favor! Arrependi-me no minuto a seguir. Opá, coitado, atrapalhou-se todo, tenho que misturar com leite frio, não sei, veja lá, mas quer mesmo morno? E o pão, olhe, não tenho baguetes, pode ser destes assim redondo? Punha luva, tirava luva, arfava de calor... A fila atrás de mim crescia... -Não faz mal, dê-me já assim... Não pude deixar de gostar do homem, achei-o simpático e então? Finalmente, lá recebi o que pedira e assisti, de soslaio à cliente seguinte... -mas este pastel de nata está líquido! Olhe, desculpe, mas isto nunca me aconteceu antes... pode trocar? -Sim, claro que sim... e o segundo veio igualzinho. A senhora, já exasperada, repetiu a queixa, de forma mais veemente e ele, coitado, lá foi chamar a outra, uma espécie de chefe talvez, e séria, bem mais séria que ele...

-Mas de onde é que o conheço?? Opá, mas eu conheço esta cara...

Fui o caminho até à escola a mastigar esta ideia... sou péssima para nomes, mas as caras ficam-me na memória com facilidade!!
De repente, bingo! Lembrei-me dele... Era um pai não muito assíduo, já que era a mãe do miúdo quem lá ia diariamente e ele, quando ia, aparecia sempre engravatado, perfumado, vestido com um estilo yuppie, formal, como o emprego de topo lhe exigia. 
Apesar das lembranças fugazes, achava-o educado e cordial, pois, mesmo delegando na mãe toda a relação com a escola, fazia-o com simpatia, enaltecendo o nosso trabalho, assumindo quase uma condescendência simpática que nos agradava. Passava para nós uma delicadeza no olhar, à qual sou sempre sensível...
Hoje, muitos anos depois disto, vi-o, atrapalhado a tirar cafés numa estação de serviço... provavelmente, a vida andou às voltas e ele entrou no carrossel, não sei, nunca saberei, o que sei é que, mesmo num pólo que lhe estava apertado, cheio de calor e muitíssimo atrapalhado com os cafés e os bolos que lhe pediam, passou para lá do balcão uma delicadeza de olhar que me fez sorrir, a mim e à senhora do pastel de nata...
Há coisas que nunca mudarão e ainda bem!

sexta-feira, 4 de julho de 2014







AQUELA QUALQUER COISA...

E as lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo. Ficou vermelha, porque é branquinha, a voz tremia-lhe, embalada pelo desabafo. Escolheu-me a mim para esse momento, talvez tivesse visto em mim aquela qualquer coisa que não me sabem explicar O QUE É, mas de que muitos me falam. Talvez tenha que ficar grata por isso, sei lá, por chegar assim às pessoas sem que nada faça, só porque vêm aquela qualquer coisa, a tal, a tal, que nem eu própria sei muito bem o que é...
Ouvi-a com atenção e, convicta e sem pestanejar, respondi-lhe que nenhuma relação a dois pode trazer tanto sofrimento, alheamento, falta de atenção, deslealdade. Nenhuma relação a dois é egoísta para sempre, interesseira e manipuladora. Nenhuma relação a dois pode sobreviver à custa de um que se anula daquilo que lhe é absolutamente essencial, em detrimento de qualquer coisa que se quer chamar comodidade, hábito, rotina, estabilidade. Nenhuma relação a dois sobrevive, pelo menos nenhuma que seja VERDADEIRA, sem haver cumplicidade de projetos, ideais... pode-se ter um bom amigo, ou amiga, o outro, ou outra, até pode ser uma ótima pessoa, mas COMPANHEIRO/COMPANHEIRA/ O TAL/ A TAL... únicos e especiais no meio da maior multidão? É preciso querer-se isso e isso é exigente!

Fazia-me que sim com a cabeça, acho que racionalmente concordava com tudo o que ia ouvindo, mas intuí que o racional e o emocional estivessem de costas voltadas, amuados um com o outro e sem nenhum deles querer ceder.
Esse caminho de harmonização terá que ser ela própria a percorrer, fazendo as pazes consigo própria e com as suas guerras internas, vendo que prioridade dar a quê, decifrando que amor quer para si e para a sua vida, assumindo que este é, ou não é o companheiro que escolhe para si!

Não sei se sou boa a dar conselhos. Ela terá achado que sim. Eu, pelo menos, falhei-lhe com uma convicção absoluta que vem de dentro, de uma série de verdades em que acredito e hoje, ao passar os olhos por alguns dos blogues que sigo, vi isto (http://homemsemblogue.blogspot.pt/2014/07/amor-ou-interesse.html?spref=fb)  e fiquei contente por ver que não sou a única a pensar assim... 
Afinal, falar de amor talvez seja uma linguagem quase universal, ou não? E  a escolha pode ser sempre nossa, já dizia o Shakespeare...



terça-feira, 1 de julho de 2014





RETALHOS


Pratiquei natação de competição durante algum tempo e uma das sensações de que me recordo com mais nitidez, mais do que as provas que ganhava, ou as horas que o treino durava, era a da respiração compassada, ao ritmo das braçadas, o que, a par de alguma técnica e de uma resistência muito trabalhada, me faziam estar horas e horas dentro de água, num desempenho que agora me parece longínquo e irreal.
Adorava aquilo! Aquela sensação de não estar cansada, aquele ouvir em off da respiração, de forma surda, porque submersa, mas presente e constante, constante, constante, como um tic tac de um relógio grande e teimoso que não deixa de trabalhar...

Foi disto hoje que me lembrei quando a fui buscar à praia, ao final da tarde. Enquanto o carro deslizava, sem trânsito pela estrada estreita, vi que a maré estava completamente cheia, trazendo quase até mim as duas margens daquela ria quase mar e daquele mar misturado com ria. O sol não se punha ainda, mas o final da tarde tirava-lhe o esplendor radiante do meio do dia e dava-lhe uma suavidade brilhante que se espelhava na água. Prolonguei um bocadinho o momento, aproveitando o semáforo vermelho e atravessei, nostálgica, a ponte estreitinha. Como não a vi de logo, sentei-me estrategicamente de frente para este cenário que me era oferecido.

Tenho tanta sorte de viver aqui!! Se calhar, é mesmo assim: enchemos o sítio onde vivemos de bocadinhos nossos e então, ele torna-se o melhor do mundo! E esta água hoje encheu-me, mesmo que tenha sido por pedacinhos pequenos de tempo e apeteceu-me lançar-me nela, pôr-lhe a nu todos os retalhos que a minha/nossa vida tem...as alegrias, as tristezas, as irritações, os compromissos, as opiniões, os cansaços, os empenhos, os tempos, os atrasos, as esperas, as zangas, os sorrisos, e tantos e tantos outros que nos compõem a todos...
Mergulharia por lá e nadaria, nadaria muito, respirando sempre para compassar o ritmo e o tempo esticaria e não sairia cansada... afinal, já sei que é assim...
E com isto, ela chegou e voltei à tona de repente, mas não me importei... Sei que esta ria com cara de mar e este mar com cara de ria estarão sempre por ali e poderei sempre oferecer-lhes os meus retalhos... todos ao mesmo tempo e tudo!
Venham-me dizer que o mar não lava a alma....