quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013




BEATRIZ versus IRENA


A minha mãe punha-nos aos dois no comboio, entrava lá dentro connosco, provavelmente entregava-nos ao cuidado do revisor, ou de alguém com responsabilidade e esperava que o comboio partisse. E lá íamos nós os dois numa viagem mágica naquele cubículo com um beliche e um lavatório e sanita. Esta viagem começava sempre ao fim da tarde, pois o comboio percorria o País durante toda a noite, chegando ao Porto de manhãzinha. Era chamado o "comboio cama" que ia do Algarve ao Porto. Lembro-me que dormíamos tranquilos, embalados pelo som das carruagens e quando nascia o sol, corríamos para a janela para ver o dia. Em Vila Nova de Gaia, saía muita gente e um dia perguntei porquê... o revisor explicou-me que muita gente tinha medo da curta travessia que o comboio fazia à velha ponte D. Maria Pia, sobre o Douro, que era muito antiga e que por ser tão velha, temia-se que caísse. (Em 1991 foi "substituída" pela ponte S. João).
 Lembro-me que o Nuno ficava assustado e às vezes, zangava-se comigo por eu querer fazer a travessia com a cabeça de fora da janela, mas eu, levada pela inocência e ingenuidade infantis e também por ter sido sempre mais rebelde e aventureira, adorava aqueles minutos de adrenalina pura, em que o comboio ía devagarinho, devagarinho.... Quando o comboio chegava à estação da Campanhã, são e salvo, as minhas primas minhotas estavam sempre, invariavelmente à nossa espera e seguíamos com elas, para outra viagem, mais curta e noutro comboio, do Porto para Baroselas, uma pequena vila, do concelho de Viana do Castelo, perto da aldeia do meu avô. E se hoje, tenho a certeza absoluta que nunca mandaria os meus filhos numa viagem de comboio para tão longe, mesmo que com todas as salvaguardas de segurança que a minha mãe acautelava, esta viagem era também o passaporte para uma férias de Verão deliciosas, absolutamente diferentes da realidade urbana que tínhamos diariamente, podendo gozar de vivências rurais tão distantes das nossas e por isso, tão encantadoras. O Minho mais puro, tantas vezes relatado pelo nosso avô materno e para nós tão distante, entrava-nos assim pela vida dentro, comprovando que tudo o que é experimentado é mais absorvido/interiorizado/vivido. Esse Minho profundo enchia-nos de episódios, situações e lembranças que guardo até hoje, num cantinho da minha memória e do meu coração e que contribuiram para que cosesse com nós apertadinhos, mais este bocadinho de mim, a outros e outros e outros, transformando-me no que sou hoje.
As ordenhas, as casinhas de pedra, as sanduíches de broa de milho e sardinhas, os banhos no rio, os sinos a tocar e a fila de gente que acorria para a Igreja, o saudar o "Sr. Abade" no final da missa, as visitas às casas de tantos primos e primas, o limpar dos sotãos dos primos que estavam na França, as compras na venda e a "avozinha", aquela "avozinha" deliciosa que me fazia ter (como tenho até hoje, talvez por sua causa, quem sabe?) uma imagem ternurenta e carinhosa de todos os velhinhos (as).
Esta figura marcou-me de tal maneira de ternura que liguei sempre o seu nome (Beatriz) ao nome que queria dar um dia a uma filha, se a tivesse! Era a irmã mais velha do meu avô e já era muito velhinha nessa altura. Era uma mulher muito grande, com mãos e pés compridos e uma altura que contrariava a norma. Lembro-me dela sentada numa cadeira de madeira, daquelas de baloiço, junto à braseira, com um terço, ou novena, já não sei, entrelaçados nos dedos grossos. Tinha uma pele sempre rosada e uns dentes perfeitos! Eu pensava como era possível alguém daquela idade ter uns dentes tão perfeitos e um sorriso tão bonito. O cabelo era branco, sempre apanhado atrás num clássico carrapito. Contava-nos histórias do meu avô e de todos os irmãos e eu gostava, gostava de ali estar sentada aos seus pés a ouvir, a "beber" todas aquelas raízes tão profundas do meu lado materno.
Eu e o Nuno não éramos seus netos, mas sim sobrinhos-netos, mas não importava. Chamávamos-lhe "avozinha" na mesma, como todos os primos e por causa dela, o nome BEATRIZ ficou a ter uma carga afetiva tão forte para mim.
No outro dia, a propósito de um post que uma amiga pôs no Facebook acerca de IRENA SENDLER (cuja história já conhecia e é mais uma das tantas e tantas que admiro acerca da 2ª guerra mundial), fiz uma ligação direta à imagem da "avozinha" da minha infância, pois achei-as parecidas, pelo menos parecidas àquela lembrança que guardo com ternura.
Não sei se a "minha avozinha" teria tido a coragem que IRENA SENDLER teve, mas sei que as acho parecidas e que, ao olhar para a imagem daquela velhinha polaca me lembrei da doce tia Beatriz.


3 comentários:

  1. Também me lembro ter feito uma longa viagem de comboio com cama chamado com "couchette". Fui com os meus pais e foi uma viagem só. Nunca mais me esqueci e gostaria imenso de voltar a fazer uma.
    Quanto às tuas memórias da infância, guardo umas semelhantes também das aldeias das minhas avós. E são tão boas.
    beijinhos grandes

    ResponderEliminar
  2. Lindo Paula! Eu posso dizer que tenho o previlégio de ainda me poder sentar com a minha rica avó, a relembrar todas as coisas boas que fizemos juntas. Este mês fez 90 anos, mas 90 anos BONS, daqueles que me fazem crescer água na boca como faziam quando eu era criança.
    Beijocas

    ResponderEliminar
  3. Bonita lembrança e sabes que também as acho parecidas? São mesmo!
    Beijos

    ResponderEliminar