quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015




POCAHONTAS

Estava já a dormir profundamente. Aproximei-me devagar, acendi a pequena luz de presença e pus-me à escuta da respiração. Era pesada e regular. Sim, o sono era já profundo. Afastei-lhe um pouco o edredon, abri-lhe os botões do pijama. Por sorte estava de peito para cima. Mais fácil seria... Pus uma pequena quantidade na minha mão direita e esfreguei-lhe suave e firmemente o peito durante alguns minutos. Rapidamente o odor a mentol me/nos invadiu. Tornei a tapar tudo muito bem, como se quisesse impedir a saída daquele ar com sabor a pastilha. Aconcheguei-lhe outra vez o edredon, ajeitei-lhe o cabelo e beijei-a na testa. Sei que não sentiu nada, mas eu sim... Rumei para anos longínquos da minha infância, onde a minha mãe repetia este ritual sempre que estávamos constipados.
Não pude deixar de pensar em tantos meninos e meninas que não têm uma mãe que lhes faça isto antes de deitar, mesmo que já sejam crescidos e, sobretudo, não pude deixar de ir, levada pela minha memória que se escancarou, para os meus dias de menina feliz de 6, 7, 8, 10 anos.
Hoje, já não me pedes que te faça tranças, como pedias quando te chamávamos Pocahontas, és enorme e determinada, mas eu, mãe coruja para toda a eternidade, continuarei a fazer-vos isto, a persistir nestes e noutros gestos que faço todos os dias, antes de me deitar, como se só assim pudesse ir dormir (sempre tarde) em paz.
E que bem que me soube voar, levada pelo odor a mentol que te pus no peito!

Quem disse que a memória não tem cheiro?




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