sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

AVÓ PAULA
Falar das ligações familiares simples, elencar e identificar os membros da família, a importância maior e/ou menor que têm na nossa vida, é uma tarefa comum e recorrente em Jardim-de-Infância, fazendo, evidentemente, as devidas proporções e adaptações à idade das crianças dos nossos grupos. Isto ajuda-as a saber quem são, de onde vêm, que raízes têm, como se organizam familiarmente. Por isso, se "chega" muito facilmente aos avós e, às vezes (algumas crianças de 5 anos, fazem-no com facilidade...) aos bisavós. Assim foi com o meu grupo este ano... um grupinho de crianças mais velhas, falou com naturalidade, dos "pais dos avós"! Deu-me um impulso!!!! Apeteceu-me falar da minha bisavó materna (a única que conheci) e "indo atrás" deste impulso, apercebi-me, com agrado, da panóplia de memórias que "vêm" atrás... é incrível o que fica guardado sem nos apercebermos, naquele cantinho escondido do cérebro, esperando o botão ON para aparecer!!
Nasceu "um ano antes da era", dizia, por isso podíamos saber sempre com prontidão a sua idade; tinha uns óculos de massa redondinhos, castanhos, aqueles cujas lentes fazem aumentar os olhos que, julgo, eram para o claro, deixando-nos ver a sua vivacidade, quando ela existe (e existia!); usava o cabelo puxado para trás, preso num carrapito feito com imensas voltas esféricas, de uma trança grisalha. Curiosamente, embora fosse muito velhinha, o cabelo não era branco, mas sim grisalho. Não me lembro da sua voz... tenho ideia de uma figura magra, ligeiramente curvada (muito ligeiramente...), com olhos grandes e um sorriso largo e doce que passou à filha mais velha, minha avó. Era uma mulher não muito alta, do que me recordo. Usava sempre umas saias compridas e prendia o carrapito com muitos ganchos, daqueles fininhos, próprios para cabelos muito grandes. Recordo que gostava de a ver pentear-se. Meticulosamente, todas as noites penteava o longuíssimo cabelo e deixava a trança comprida estendida, com que dormia e depois, de manhã, via-lhe as ondinhas desfiadas ao longo daqueles fios grisalhos, tão grandes, que ela, outra vez, enrolava. Como eu gostava de vê-la fazer isso ao cabelo... e eu, que tinha sempre o cabelo curto, "impingido" por um espírito muito prático da minha mãe, enlevava-me de deleite ao vê-la pentear-se! Ninguém lhe chamava "Maria Paula". Era a "avó Paula", para todos...
 Esta figura povoou a minha infância mais remota, servindo de elo de ligação com uma série de primos, do meu lado materno. Acredito que entre mim e todos eles, haverá esta cumplicidade de memória, afetos, cheiros e cores que vinham daquela doce avó e daquela doce casa que nos congregava a todos, qual matriarca. Era uma casa grande, que ainda existe, embora abandonada. Quando lá passo à porta, ativa-se em mim uma memória viva de tudo isto, como se "mergulhasse" num mar de lembranças e retalhos de vida que recordo com um sorriso! Fecho os olhos e vejo uma casa com um corredor enorme com muitos quartos do lado direito, no final uma sala mais ampla, que lembro, servia de cozinha, ou sala de estar e lá ao fundo um quintal maravilhoso com um poço proibido. Flutuam em mim, memórias de vozes de crianças, provavelmente primos e primas que compunham sempre este cenário vivo, juntamente com seus pais, meus tios e tias. A minha mãe era das netas mais velhas e eu e meu irmão mais velho (o mais novo, cresceu sem a conhecer), bisnetos que, com netos, filhos, genros, noras e vizinhos (é curioso como me lembro, perfeitamente, dos vizinhos...), compunham um "mar de gente".  Sempre tive, do lado materno e paterno, uma família muito grande, que bom, adoro!
Não me lembro da voz desta avó, mas, curiosamente, lembro-me das colchas, da cor das camas, dos mobiliários, da boneca grande, que estava sempre fechada, à espera da "prima da Alemanha", do cheiro da canja, das malgas esmaltadas de café com leite e pão com manteiga, das brincadeiras entre tantos e tantos primos, de um quadro lindo com uma moldura escura de um anjo da guarda que velava a cama de uma criança que dormia...
Esta bisavó Maria Paula (nome que a minha mãe queria para mim, "rejeitado" na parte da "Maria" pelo meu pai... só o "Paula", ficou...) teve seis filhos e filhas. A mais velha era a minha avó, a tal que lhe herdou o sorriso. Por ela e pela minha mãe passaram histórias daquela avó, que a fazem parecer saída de um filme, ou livro de época (o noivo desterrado para a 1ª grande guerra, a tristeza que sentiu quando soube da sua morte nas trincheiras, a lembrança viva do regícidio do rei D. Carlos, as papas de milho quentinhas com torresmos, o magazine Borda d'água que gostava de comprar...)
É assim! Hoje há bisavós muito mais jovens que esta minha bisavó... muito mais modernas, sem tranças grisalhas enroladas, sem óculos de massa redondos, sem malgas de uma qualquer bebida a fumegar, mas espero que as que existem hoje, em todas as milhares de formas de se ser avó, ou bisavó, saibam povoar a nossa vida de afetos, pois esses, perdurarão para sempre!


3 comentários:

  1. Bonitas e harmoniosas lembranças, sim senhor!
    Continua a escrever para deleite de quem te lê.
    Beijnhos

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  2. Adorei a forma como descreveste. Muito doces memórias. Não conheci nenhuma das minhas bisavós, infelizmente. Mas as minhas duas avós enquadram-se perfeitamente na tua descrição. E, então, agora que chega o Natal, lembro-me sempre dos doces que a minha avó materna fazia como ninguém!

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  3. Bem me lembro da "avó Paula" da candura do seu olhar e da doçura do seu sorriso... embora de aparência velha possuía um espírito jovem que se manifestava na compreensão das divergências políticas, religiosas e até geracionais duma família numerosa que orbitava em seu redor.

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