segunda-feira, 26 de janeiro de 2015



 - QUER FIGOS, MENINA?


2ª-feira de manhã. Pressa caótica, para não variar... À espera para pagar, numa estação de serviço. Por mais anos que viva, haverá sempre coisas deixadas para a última hora, como o abastecimento do carro, por exemplo que, se fosse na calmaria de domingo à tarde, preveniria este stress matinal daquela-manhã-chata-que-é-a-de-segunda-feira. Mas há coisas que não mudam e pessoas que não mudam e eu, serei uma delas quanto a isto diz respeito... A perna a dar a dar com uma impaciência já mal disfarçada. Miúdos à espera no carro, o relógio a correr, impiedoso. - Se ao menos o carro chegasse à escola, punha gasóleo depois, mas não dá para esticar mais é melhor não arriscar... A miúda da caixa é alta e novinha, mas nada sorridente. Tem um ar tão sério que lhe enfeia todo o ar. Como é possível as pessoas negarem-se tanto aos sorrisos? Seus e dos outros?
Oiço-lhe a voz atrás de mim... Tom familiar, parece-me conhecido por ali.

Mas que dia tão bonito, solinho mai'lindo - diz com tom agradável
- Ah, isto já piora, é sol de pouca dura - responde a miúda antipática, com voz antipática e cara antipática.
- Não diga isso, menina, este sol dá-nos ligeireza, até respiramos melhor...
- Ah, cá por mim, dá-me moleza... - encolhe os ombros com desdém para o simpático visitante.
- Mas temos que ser ligeiros, menina, que a vida não está para paragens...
- Sim, deve ser isso... por mim tinha ficado a dormir, tenho uma dor de cabeça... - e continua de ombros encolhidos, que lhe tiram o pescoço e o enfiam por um buraco no meio dos ombros.
- Olhe, chá de limão bem quente, com uma aspirina e isso passa-lhe...
- Não gosto de chá, é bebida de doentes... (adivinho-a já impaciente com o simpático velhinho).
- Ah, se provasse o chá da minha patroa, punha-se logo boa...

Não resisti e olhei para trás, já divertida com esta picardia gira entre positivo e negativo, simpático e antipático, doce e azedo, caloroso e amargurado, simples e complicado. Bem me parecia que era ele! A pele coradinha, como as pessoas loiras têm, mesmo as pessoas loiras que já têm os cabelos todos brancos, a cara redonda, olhos piscos pequeninos e um sorriso enorme, de tão enorme que parece maior que ele, que é baixinho.
Anda sempre pela praia para onde vou, na zona das casas a vender caixas de figos e mete conversa com quem está, preguiçosamente, a comer almoços tardios de Verão. - Quer figos, menina? - lembro-me de que é sempre a pergunta que faz e que precede uma amena cavaqueira de quem não tem medo que o tempo se acabe.
Paguei, corri para o carro e ainda fiquei a olhar para ele.
Velhinho giro, pensei... e apeteceu-me responder-lhe: - Não, hoje não quero figos, quero é chegar à tua idade assim...
E lá segui para a escola... Afinal, quem é que era velho?


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