LANTERNAS VERMELHAS
(-Oh Paula, mas porquê que temos que comer tão rápido? - L, 5 anos)
Digo-lhes sempre: "- enquanto viramos a página e observamos a imagem, não há comentários, não há dispersão... vamos deixando que a história entre bem na nossa cabecinha e que nos ajude a percebê-la, vamos deixando que as imagens nos ajudem a completar o que ouvimos primeiro" e vou repetindo: " guardamos o que queremos dizer aí na cabecinha... já falamos todos no fim, senão a nossa história vai ficando interrompida!! É como se fizéssemos uma ginástica ao pensamento".(riem muito, acham graça a esta parte do pensamento a" fazer ginástica"...).
Este fenómeno é novo para mim! Lembro-me que contava uma história, sempre ajudada pela expressividade facial, vocal e gestual que acho que todas as Educadoras têm e o impacto no grupo era estrondoso... um silêncio, uns olhinhos que "bebiam" o que viam e umas caras de quem ouve com toda a atenção do mundo, como se as coisas lá fora tivessem parado de correr e só houvesse aquela história, naquele momento! Já não vai sendo assim, pelo menos com a mesma forma visível... Embora a hora do conto continue a ser um momento mágico e eu não abdique dele (porque sim e só porque sim, porque já não me apetece esgotar mais e explicar mais os argumentos comprovadíssimos das coisas boas que isso traz!!!), não tem a mesma forma que tinha há uns anos... Continua encantador na mesma, mas não de forma igual! E assim o encanto das coisas, vai ganhando outros tons...
Hoje falava com um grupo de colegas sobre a rapidez com que os miúdos fazem as coisas, sobre as suas capacidades de concentração que são bem menores do que eram há uns anos, sobre o burburinho constante que se ouve na sala, sobre a forma de fazerem as coisas sempre a falar, sempre a mexer-se, sobre o número de conhecimentos que têm sobre tudo, sobre o ritmo alucinante em que vivem, indo para aqui e logo para ali, sabendo que a seguir vão para acoli e depois ainda para outro sítio, fazer outra coisa, à espera não sei de quê!!! Palavras como calma, descanso, ócio, lentidão, lazer, vão desaparecendo das suas vidas e também das nossas, se não tivermos cuidado!
De tudo isto falava com um grupo de colegas que sentem o mesmo. Depois falei do meu grupo, que é parecido a tantos e tantos grupos que outras colegas também têm... É um grupo super interessado, participativo, conhecedor de muitas coisas, mas super, hiper barulhento. São miúdos autónomos e capacitados para se situarem e deslocarem no espaço da sala sozinhos, sabendo o que têm de fazer e gerindo as etapas das suas atividades. São ávidos de fazer mais e de saber mais, mas naquela sala não há silêncio... há um burburinho constante e uma barulheira que às vezes não é fácil moldar e lá me vejo eu "a braços" com uma agitação constante, barulhenta, resistente, mas... proativa, acho!!!
De facto, penso que este caminho será irreversível e os grupos serão cada vez mais assim! A vida está diferente, os ritmos, solicitações, exigências, estruturas familiares e escolares, as prioridades, tudo está diferente e só nos resta/me resta adaptar-me, acreditando numa plasticidade e capacidade de adaptação que temos que ter, sob pena de ficarmos obtusos, frustrados e, sobretudo, ultrapassados.
Sei que sim, será por aí e tento fazer isso constantemente, apelando a capacidades que sei que tenho e a outras que vou descobrindo, mas confesso que para o equilíbrio ser total, terá que haver também na nossa vida (e na deles, sobretudo, porque ainda estão a crescer...) um espacinho para o silêncio, para a lentidão, para a calma, para o deleite simples e só das coisas, para um descanso que não é só à noite para dormir, como se isso fosse um cantinho saboroso para onde vamos fugir às vezes, quando nos apetece. É o que fazemos também nós, mesmo adultos!! As lanternas vermelhas do stress e agitação acendem todas ao mesmo tempo e lá nos defendemos nós, criando momentos, espaços, fugidas à rotina e isso sabe tão bem!!! Os miúdos são pessoas pequeninas, com as mesmas necessidades e com lanternas vermelhas que também acendem por todos os lados e que nós podemos bem ver, através de comportamentos que são espelhos límpidos do que se passa nas suas alminhas! Também precisam disso tudo, sim senhor, às vezes não sei é se as escolas estão preparadas para isso... mas deviam!!
Ao ler o que escreveste, lembrei-me imediatamente de um livro que cataloguei de preciosidade que te aconselho vivamente: "Silêncio, gesto e palavra" de uma escritora genial, creio que sueca e que se chama: H. Lubienska de Lenval.
ResponderEliminarTrata exatamente do que tu falas e ela é do século passado - 1950 para aí...!!!
beijinhos
:) Só posso concordar... Beijinhos
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