LUZ E SOMBRAS
Disse-me, com a lágrima no olho, que não se imaginaria sozinha, que são casados há 49 anos, que isso é uma vida. Como se aprende a viver sozinho, depois de 49 anos em comum? Também não sei. Não consigo imaginar. Calculo que seja mais ou menos como perder-se um pedaço, mesmo cortadinho ao meio, que nos deixe assim incompletos e difusos numa realidade nova.
Lembrei-me e disse-lhe que é uma graça viver-se um casamento assim, ser a solidez um do outro, construir uma história, abraçar um projeto a meias com alguém. Lembrei-me que todas estas histórias longas de amor terão luz e sombras. (Gostei desta expressão, luz e sombras, desde há pouco, quando a li, a propósito do casamento). Disse-lhe que era uma sorte ter um companheiro assim, ter essa referência e tê-la passado para os filhos e neto. Sei que assim é com as mensagens mais profundas: passam pelos poros, mesmo sem ser preciso dizermos nada. Passam e pronto, subtis, à boleia dos afetos e das redes familiares que são as únicas que nos constroem, porque são as únicas onde nos mostramos de verdade. Um palco gigante, onde somos os mestres de cena. Mesmo que sejam redes, ou palcos grandes e barulhentos, agitados e um pouco loucos.
Fez-me bem aquele pedacinho com ela, mesmo naquele sítio cheio de gente, ruidoso e impessoal. Acho que recebi muito mais do que dei. É assim, quando estamos de frente para qualquer coisa grande, muito grande e tão simples, ao mesmo tempo.
E percebi que os grandes amores têm sombras, muitas sombras, daquelas que às vezes nos puxam a lágrima e embargam a voz, lembrei-me que às vezes não poderemos fugir delas, porque nos chegam pela vida de todos os dias, pelo desgaste, pelos problemas, pelo desânimo e preocupações, mas percebi também, enquanto a ouvia naqueles breves minutos, que esses grandes amores terão, se calhar, uma luz infinitamente maior.
Sei que ela não deu por nada, mas hoje, gostava de lhe agradecer.
P.S. A foto não é das melhores, mas e tempo para renovar o reportório? Pois...
Sem comentários:
Enviar um comentário