AFETOS, SÓ AFETOS...
(conscientes e lúcidos, construtivos e firmes...)
É mal disposto e às vezes agressivo, não gosta de (quase) nada e gere muito mal as frustrações, lê mal, escreve pior e não se interessa por nada que a escola lhe pode dar. Os centros de interesse são mínimos e muito fugazes. É uma complicação levá-lo a fazer o que quer que seja e é uma complicação transformar-lhe esta escola, tão formatada. Os seus comprometimentos cognitivos traçam-lhe um perfil próprio do qual pouco se pode fugir.
Estava hoje com ele em contexto de grandessíssimo grupo. Senti que não estava ali, distante de tudo o que ia sendo dito. Perguntou várias vezes se podia sair. Que não, que tinha que estar, que era importante ouvir o que lhe dizem, que a vida é mesmo assim, que não podemos fazer só o que queremos. Suspirava e resmungava baixinho. Às tantas, encosta a cabeça no meu ombro e vai ficando. Deixei, pois já percebi que com ele não posso bater de frente. A afetividade ainda o vai levando, em progressos mínimos, coisinha aqui, coisinha ali, levando uma doçura muito firme a auxiliar-me nesta luta para a SUA aprendizagem.
Ao final da manhã veio ter comigo. Puxava-me pelo braço, interrompendo o que eu falava, tentando virar a minha cara para si. - Professora, professora, por favor... Queria que o ajudasse a escolher uma frase secreta, de amor, para ela, professora, queres ver a cara? Mostrou-me a foto no telemóvel e os olhos brilharam-lhe. - Isto não tem forma, nem tempo, nem regra- pensei. - Cabe em qualquer coração, seja o cérebro de que forma for. - É gira, ela, e como se chama? - perguntei - Ajuda-me, professora, quero escrever uma coisa bonita.
Agarrei a oportunidade e juntei computador, pesquisa, leitura, escrita, cópia, dobragem, colagem e composição em prol da mensagem secreta que queria construir. Minutos breves, fugazes, mas sugados até ao tutano e transformados em oportunidade. - Ainda bem que estamos aqui sozinhos, professora. Não contas a ninguém, ok?
- Fica descansado - prometi- É um segredo nosso.
O meu coração viajou logo para aqui. , hoje com outra cara, outro corpo.
O meu coração viajou logo para aqui. , hoje com outra cara, outro corpo.
Pois é... Não há aprendizagens (quase nenhumas) que ainda sejam possíveis aqui. Não há metas, descritores, programas. Não há currículos formais que auxiliem atividades, na sombra como orientadores de práticas.
Há afetos, só.
E com eles, vamos avançando... e bem, acho eu.
P.S. E nestes episódios assim, é sempre da voz de uma colega querida que me lembro, quando lhe abria o coração e perguntava, - "Mas o que faço? o que ensinarei? achas que...? Devo mesmo ir por aí? E ela me respondia... -"Paula querida, esquece as aprendizagens, esquece... Afetos, só afetos, conscientes e lúcidos, construtivos e firmes e por aí, conseguirás tanto!"
E com eles, vamos avançando... e bem, acho eu.
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