terça-feira, 30 de janeiro de 2018





FASQUIAS


Estar sentada num café, cravejado de miudagem do liceu, enquanto faço tempo, revela-se sempre como uma experiência digna de registo. Enquanto bebi o café, limitei-me a observar e a ouvir. Um fenómeno... Aqueles miúdos vestem-se todos da mesma maneira, usam os mesmos acessórios, têm os mesmos penteados e, sobretudo, falam horrivelmente mal. Todos, sem exeção, daqueles que ali estavam, rapazes e raparigas. Um fenómeno (quase) aterrador. 
Eu, que não me considero puritana, que acho que tenho capacidade de encaixe, que tenho um estilo relativamente informal, que acho que o viverem todos em carneirada é próprio da idade, que tenho filhos dessas idades, que estou habituadíssima a esta malta, não pude deixar de sentir um desconforto acentuado, mesmo assim. Não há frase sem palavrão, não há palavrão repetido duas e três vezes no mesmo diálogo, não há um certo estilo menos bonito (quanto a mim) que não impere. Não, não estou a exagerar. É a mais pura das verdades e isto nem me devia surpreender, já que nos corredores das escolas, é igual.

Pois cá para mim surpreende-me sempre e continuo a achar que não há nada de mais encantador que um estilo rebelde SIM, mas com-um-quê-de-diferente. Um quê que não se sabe explicar, mas que se percebe logo no princípio. Pode ser no estilo, na linguagem, nas opiniões, no saber-estar, no sorriso, na eloquência, na sensibilidade, inteligência, rebeldia saudável, pode ser naquilo que se queira. Pode ser em qualquer coisa que só nós é que vemos, mas que vemos porque é real de verdade. E tem que existir. E esse filtro tem que ser nosso e exigente e ativo e presente e real. Esse filtro vai ajudar-nos a escolher e a ser seletivos de uma forma saudável e que faça com que a nossa escolha seja única e tão importante. Tão especial.

Foi isso que lhes disse assim que cheguei a casa. 
-Hum mãe, e estás a lembrar-te de alguém assim?
- Ai essa agora... claro que sim. É o que vale, é que há imensa gente assim. Basta olhar com atenção e saber escolher...
E pronto, ficou o recado!


P.S. E não se esqueçam: elevar a fasquia e marcar também pela diferença... SEMPRE! É que o filtro é só vosso...


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018







MOMENTOS DE CADA TEMPO



O passar do tempo, tão rápido, diz-me, de repente, que o janeiro já lá vai. Sei também que o fevereiro passará rápido, a uma velocidade imperiosa que pouco poderei controlar. E sem dar por isso, estarei na Primavera, assim num ai repentino.
Esta marcha célere do tempo traz-me à lembrança uma série de assuntos pendentes que se desenrolarão por estes dias e meses. Nunca fui muito de pensar nas coisas com grande antecipação. Acho que o meu espírito prático faz-me encarar os futuros próximos da vida sempre com algum pragmatismo, do tem-que-ser-e-agora? E isso facilita-me a vida. Faz-me (um pouquinho mais) descontraída.
Mas confesso que às vezes, o que me apetecia mesmo era congelar-me nalguns momentos, dias e situações que vivi e onde estive despreocupada, liberta, solta destes assuntos que, à data, ainda estavam longe e muito distantes. O gelo conservá-los-ia sempre numa aura de leveza e descontração e eu voltaria  eles sempre que me apetecesse, entrando no bloco hermético de gelo que os rodeia e vivendo-os outra vez. Despreocupada, solta e liberta.

Mas não se vivem as mesmas coisas duas vezes e acho que o segredo será o deixar esses momentos, transformados em memórias, sossegadinhos onde estão. A apetrechar a lembrança com retalhos maravilhosos que compõem a vida de cada um. A dar-nos história e recordações.
E depois viver a vida, com os momentos de cada tempo a falarem por si. E se os momentos de agora têm preocupações mais-ou-menos pendentes, pois que seja. Cá estaremos para elas.
Afinal, a vida é composta disto, acho eu. 



segunda-feira, 22 de janeiro de 2018






SOPHIE EYES





São o espelho da alma, é que se diz. Conseguem passar mensagens que ficam silenciadas pela voz e então, às vezes, os olhos, tornam-se o canal preferido para transportar vozes, explicar emoções, dar recados, viver sentimentos, sensações e fazer ouvir dizeres. Bastará às vezes prestar atenção à figura toda do OUTRO e em especial, à forma que os olhos ganham e ao peso que transportam, daquilo que nos querem, TEIMOSOS, dizer. E todos os olhos são bonitos, porque todos os olhos nos podem trazer uma verdade do OUTRO. Para mim, que sou tua mãe, os teus são lindos, claro...

E sabes querida, quando uns olhos bonitos se aliam a outros encantos de coração e de espírito, que podes (e deves) valorizar, tornas-te, sem querer e se calhar, irresistível. 
A sério...




segunda-feira, 15 de janeiro de 2018




INVÓLUCROS


Tento ter sempre algum pudor e reserva em criticar, por criticar. Nunca se sabe o contexto todo e gosto de ver sempre (tento, pelo menos...) as duas partes, ou melhor, tento imaginar qual terá sido a intenção que esteve na génese de qualquer coisa e que depois, no caminho, se perdeu.
Por isso, o que vou dizer sobre o programa de ontem na SIC, Super Nanny, é quase instintivo e representa só a minha opinião que, como todas as opiniões, vale o que vale. Vejo pouquíssima televisão, no que aos quatro canais nacionais se refere, mas confesso, tinha alguma curiosidade, sobretudo porque o ar da senhora Psicóloga, mostrado no genérico, não me atraiu. Como ao mesmo tempo, não me queria centrar no ar, pensei... "deixa lá ver o que sai daqui"...
Até reconheço como certas algumas sugestões que a Sra Psicóloga deu, embora não tenha gostado nada do ar, da forma, do contexto, mas isso, enfim, sou eu... A necessidade das regras, a firmeza, a importância da expressão facial e vocal que emitem uma mensagem e a ligação que isso tem que ter com o que dizemos e fazemos, a necessidade da sustentação da autoridade da mãe, a (des)sintonia entre os dois adultos referência (mãe e avó) e os consequentes prejuízos para a miúda, a importância do persistir no que se determina etc, etc, etc; mas pareceu-me tudo por decreto, forçado, sem a envolvência do afeto regulador, sem a cola que o dia-a-dia traz e que pode ser equilibradora, sem a espontaneidade (da mãe) aplicando uma coisa que aprendeu e que agora  faz, porque é aquilo em que acredita, sem, sem, sem, 1000 vezes sem... 
Claro, somos todos adultos e sabemos todos qual é o invólucro que a televisão dá às coisas e foi esse invólucro colorido que nos apresentaram: duas ou três coisas que se aprendem por decreto e que têm que se experimentar, sendo sempre consequentes, boas e super pedagógicas alterações comportamentais. A miúda passa agora a portar-se bem e pronto. Aquela mãe aprendeu tudo, tudinho e está pronta para a aventura que é e será sempre a de educar a sua filha.
Claro que se reconhecem ali muitas fragilidades na miúda e muitas consequências de uma negação das regras e fragilidade emocional, mas sinceramente a sensação com que fiquei no fim do programa foi a de uma grandessíssima pena da mãe, não só porque se predispôs a expôr-se assim a si própria e à filha (já nem vou por aí...), como também e sobretudo porque tem altos défices de um bom exercício de parentalidade. Ninguém nos ensina a sermos pais e mães e avós e avôs, poderá dizer-se ... e é verdade. É a vida, a intuição, a educação, a sorte, a herança emocional/educacional/cultural que se traz, é tudo isso que nos capacita. Mas também,  aprender assim, com milhões de pessoas a olharem para nós, nús na nossa fragilidade, expostos, frágeis e voláteis, vou ali e já venho. 
E isto, esta adesão cega a este ecrã macroscópico que nos expõe, naquilo que temos de mais íntimo, valioso e regulador como é a nossa relação com os nossos filhos, isto é que tem de ser questionado. Ou não será?



P.S. E que nunca se perca a capacidade de pensar e de ter opinião, qualquer que ela seja...



terça-feira, 9 de janeiro de 2018





UM-QUÊ-QUALQUER


Pode dizer-se a mesma coisa, mas o tom com que se diz fará sempre a diferença. Haverá sempre volume de trabalho violento e dureza na gestão do tempo, qualquer que seja a nossa vida, porque temos todos mil afazeres e prioridades, mas a relação, a cordialidade, o ter um pedacinho de "um-quê-qualquer" que nos faz ter às vezes um olhar diferente, aquele festa no braço, aquele sorriso escondido, aquele telefonema, aquela mensagem, aquela atenção que soa a tão estranho, mas que só é tão normal, fará sempre toda a diferença. Não me canso de dizer isto e penso mesmo assim: a relação interpessoal faz a diferença e marca o ascendente (ou descendente) que temos no OUTRO. E essa relação interpessoal conquista-se, educa-seconstrói-se. Não se aprende nos livros, e muitas vezes, (infelizmente) não se aprende na escola. Aprende-se nas relações que estabelecemos, com aquela malta toda que está à nossa volta.
Haverá sempre gente mais e gente menos sensibilizada para isto. Haverá sempre aqueles para quem isto é conversa fiada, que não conta para nada, sobretudo para nenhum barómetro de eficácia e haverá depois sempre aqueles que, como eu, por parvoíce, ingenuidade, ou teimosia, acham que isto sim, faz toda a diferença.
Capacidade de relação? Entrega? Cordialidade? Dispôr do meu/nosso tempo? Generosidade? Trabalho de equipa? Liderança democrática? Segurança com sabor a descontração?  Informalidade assumida? Rigor? Persistência naquilo em que se acredita? 
Pois... é um estilo, ah pois é, mas é aquele que tenho.
Para o melhor e para o pior!



P.S. E quando se assume um estilo, não se perde tempo a pensar como NÃO conseguiríamos ser...


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018






DE ENFIADA

Falava-lhes de quando fugiram da guerra e do privilégio que foi terem cá família que os recebeu. Falava-lhes de cenários de guerra que viveu, como aquele que vêm agora nos filmes. Falava-lhe do trabalho de campo, puro e duro de Assistente Social em cenário de refugiados. Falava-lhes do que viveram nos primeiros tempos em que a mãe e o tio mais velho eram pequeninos. Num almoço de domingo, sem regra, a conversa surgiu e, como as cerejas, foi durando...
Gosto que a oiçam falar, como eu gosto também de a ouvir e como me lembro de gostar de ouvir os mais velhos falarem, das histórias que contavam, das coisas que diziam.  -Oh mãe, conta-lhes lá aquilo - digo. Ainda hoje, adoro estar com os mais velhos a ouvir-lhes histórias. E gosto, quero, acho importante que os miúdos cuidem deste ouvir. Acho importante que encontrem espaço em si para estas coisas que não vêm nos livros, porque são nossas e nos dão raízes e história. Gosto que imaginem que têm um gene daqui, desta história. Gosto de imaginar que esse gene vai passar, de geração em geração e assim, talvez não deixe a história morrer de todo. - E não tiveste pena, avó, de deixar lá tudo? 
Esta pergunta fez ligação direta a uma minha sinapse cerebral, enquanto a resposta foi sendo dada. O que é o tudo? Que medida tem? Que forma, que quantidade, que volume? Podemos quantificá-lo? Onde entra o relativizar? Aprende-se (também) assim? O que nos dão essas provações?
Acho que foi também a estas perguntas que os meus Pais responderam, ao vivo e a cores. Acho que foi isso que aprenderam e que nos deram, essas lições, essas conclusões mais ou menos definitivas que se criam como regra lá de casa e se passam depois, pelos póros.  E é isso que lhes quero dar. Essa regra. De conceberem um TUDO que valha a pena e que seja mesmo o que importa. De terem um TUDO onde está o que é mesmo importante. E que esse IMPORTANTE os faça sacudir tanto pó que não presta, tanta coisa que não contribui, tanta energia que se desperdiça.
-Já sei mãe, já sei... a maior e única herança vai ser a de nos termos uns aos outros, já sei... 
O ar foi assim meio desdenhoso-de-gozo-de-adolescente-leia-se-aborrescente-que-não-leva-estas-coisas-muito-a-sério, mas o que é certo é que disse de enfiada.
E a enfiada fez-me crer que a coisa já pegou e que esta lição, esta conclusão assim meio definitiva vai criar regra cá em casa. 
Assim seja!




P.S. Este TUDO é o único que importa...