domingo, 2 de fevereiro de 2014






RENAS VOADORAS



-Porquê que estas renas não voam, diz-me, não voam, não voam?....Andava saltitando por ali, repetindo esta frase para cada um de nós, à sua maneira atabalhoada, não se fixando muito no assunto, partindo logo de seguida para outro ponto que lhe despertava o interesse. É um miúdo de 8 anos irrequieto, diria mesmo com segurança que manifesta um deficit na capacidade de atenção e/ou concentração, sei que tem um contexto familiar muito complicado, com alicerces muito frágeis de estabilidade económica, afetiva e de valores, com muito poucas experiências de vida, que o levem para fora da sua vidinha do dia-a-dia e o façam CRESCER de outras formas, com referências também frágeis e, por isso, é tão bom para ele fazer parte deste grupo ligado a outras atividades que não só a escola, porque passeia, vê, conversa, questiona (ainda que desta forma assim irrequieta...), convive, interage... Vai crescendo assim, um bocadinho melhor...

Mas não foi só ele que pôs questões destas, parecidas, assim um pouco espatafúrdias, estranhas... também meninos e meninas que não têm o  seu contexto frágil quase nos limites do equilibrado, também eles disseram que o lince do Parque que visitávamos era um leopardo, que os chimpanzés eram gorilas assustadores e que a suricata não era suricata, era só o Timon, do Rei Leão. Valha-nos a Disney, pensei! Lembrei-me logo de uma pequenita do meu grupo que me disse com ênfase que o leite vem do CONTINENTE... pois sim, querida, é lá que a mamã o compra, mas qual é o animal, ou animais que o dão, sabes?

Pois é!! A falta de experiências de vida não é exclusiva dos meninos frágeis, como aquele que descrevo acima. A falta de experiências de vida pode também ser própria de meninos e meninas que têm (acha-se...) TUDO, mas não o mais importante!
Ver animais mais ou menos selvagens ao vivo, de perto, assistir a filmes na televisão, vídeos, apresentações no computador com imagens reais, ouvir falar das coisas, respeitando a idade, ver livros de imagens, ou revistas, ou fotografias, aprender realidades diferentes das nossas, PASSEAR, mesmo que seja a pé, pelas ruas da cidade onde se vive (há tantos meninos que não estão habituados a andar a pé!!), ouvir os barulhos das ruas e das pessoas nas ruas, ouvir histórias, fazer um bolo e ouvir a explicação do que vai acontecendo aos ingredientes, enquanto se experimenta os sabores, fazer perguntas, não estar sempre, de forma imóvel, quase sem respirar, em frente ao computador, ou a outro gadget qualquer, ler em voz alta para que nos oiçam, ou só para nós, porque queremos e gostamos de ouvir a entoação, como se as personagens da história ganhassem vida mesmo, não fazer nada, mas sentir-se acompanhado, porque a mãe está ali mesmo e não só fingir que está, ser contrariado e mimado e valorizado e repreendido quando é preciso, fazer birras, porque são próprias, mas perceber, ainda que a custo, que a autoridade está no adulto que não se demite... tudo isto proporciona experiências de vida que podem e devem ser da responsabilidade PRIMEIRA da família. Depois, há outros e outras pessoas, grupos e coisas, que darão uma ajudinha, sim, claro, afinal, esta coisa de educar, às vezes partilha-se um bocadinho, mas dizer que a rena verdadeira é aquela que não voa mesmo, nem tem um nariz vermelho que é uma lanterna, porque essa é uma rena feita de fantasia, dos livros de histórias do Pai Natal, que gostamos de ouvir e de brincar; isso, ai desculpem-me, mas acho que ainda é tarefa primeira da família... a custo zero, para já... E tenho a certeza que apesar disso, nenhum pedacinho de criancice lhes vai fugir!!

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