GERAÇÃO TOUCH
-Sim, eu ia também, a sério, brincávamos todos um bocadinho, mas depois eu ficava lá num cantinho com o meu TABLET. Via os meus bonecos preferidos... tens Net, não tens?... ouvia música, até podia tirar-te fotografias, não te chateava nadinha, nadinha... (espeta o dedo indicador, mostrando-me que é assim, ao toque deste dedo que tudo se faz...)
- E quem é que te disse que me ias chatear? - entrei no jogo, pois já sei que com ela o posso fazer...
- Pois, é assim uma expressão... (faz um gesto que mima a expressão e que, mesmo que eu fosse surda, me faria entender...)
- Ok, mas e tu achas que eu te queria lá na minha casa, com os outros meninos todos, a brincar num cantinho com o teu TABLET? E não me fazias companhia?
- Ele faz-me companhia...
Falávamos assim, descontraidamente, num daqueles momentos deliciosos a seguir ao almoço, onde nos sentimos um grupo outra vez e temos só a nossa sala para nós, em que se deixa a conversa fluir, em que os desafio a todos com conversas às vezes destas, assim, nonsense, só para ver o que respondem, como argumentam, até onde a imaginação os leva, até que ponto ela cabe ou não na vida real, de todos os dias, fora dali... Púnhamos a hipótese de irem TODOS a minha casa. Gostam de me imaginar fora da escola, para lá daquele contexto diário, com uma vida se calhar igual à dos pais e das mães... eu também gosto de lhes dar pedacinhos de mim fora dali e acho que é por isso que ficam presos, atentos, talvez porque me achem completa, não sei...
Ela é das mais expressivas do grupo e das mais velhas também.Tem uma capacidade linguística e argumentativa fora do comum, às vezes parece-me uma colega da mesma idade que eu e só quando a olho de frente e lhe vejo a carinha em forma de botão de rosa pequenino é que me lembro que só tem 6 anos!
Deste momento delicioso, igual a tantas dezenas de outros, em que ela foi uma das protagonistas, recordo a sua última frase..." ele faz-me companhia..."
Nem vou perder aqui tempo a analisar os efeitos que isto pode ter e o que isto pode querer dizer-me sobre o tempo e os tempos dos meninos e meninas de hoje e da forma como se ocupam... hoje não me apetece fazê-lo e às vezes já receio que seja um discurso tão recorrente que não surta já efeito. Hoje vou centrar-me naquela frase e no efeito que teve em mim que me considero uma pessoa descontraída e aberta ao que é novo. O que é novo, vai deixando de o ser com o tempo e então não nos deve assustar, para além de que nos abre um caminho imenso de oportunidades e conhecimentos. Então, venham os TABLETS e todos os outros GADGETS supersónicos que nos entram pela vida dentro e nos deixam habituados às suas facilidades, ok, venham eles, mas não consigo deixar de preferir imaginar aquela meia-leca que fala comigo de igual para igual, com o mesmo dedo indicador, super, ultra touch, sujo de chocolate, terra, ou gelado...
Serei old fashioned assim?