quarta-feira, 30 de outubro de 2013





NORTE


Acabei de ler há dias, um livro emprestado pela minha mãe, sobre um sobrevivente de Auschwitz, Viktor Frankl, de seu nome. Este digníssimo senhor, morreu em 1997, com 92 anos. Era judeu austríaco e era formado em Medicina. Foi deportado para Auschwitz no auge da sua juventude, separado da mulher, grávida, dos Pais e dos irmãos e sobreviveu! Há imensos livros sobre o Holocausto e já tenho lido muitos e visto filmes também. É um tema que me prende a atenção, como já disse aqui e aqui, não só porque já lá fui, a Auschwitz e vi e olhei e percorri aqueles corredores e deparei-me com aquele portão de ferro preto, com letras grandes que dizem ARBEIT MACHT FREI, como também porque é um tema que encerra em si uma carga enorme de sofrimento, mas também, paradoxalmente, em muitos casos, de HUMANIDADE!
Este livro, por isso, prendeu-me a atenção. Li as suas cento e poucas páginas, muito rapidamente e tenho andado, desde que o acabei, a conversar com ele... "O Homem em busca de um Sentido", de Viktor E. Frankl, editado em Portugal pela LUA DE PAPEL, em setembro de 2012, embora a edição primeira seja em alemão e de 1946. 
Pois é, pois é... impressionou-me muito o sofrimento espelhado em todos os relatos, mas, sobretudo, a escolha de como reagir a esse sofrimento, recusando uma entrega ao desespero e assumindo que ter um sentido para a vida nos mostrará sempre o NORTE, mesmo nas situações mais dolorosas, mesmo perante a aleatoriedade de uma violência gratuita que não tinha explicação racional para existir.
... qualquer homem pode, mesmo nas piores circunstâncias, decidir o que fazer!... ou, ... tudo pode ser tirado a um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas - a possibilidade de escolhermos as nossas atitudes, em qualquer circunstância, de escolhermos a nossa maneira de ver as coisas"...  (pp.76)

Estou a tentar já não começar outro livro... tenho alguns em fila, à espera, na minha cabeça, na minha vontade e na minha curiosidade, mas este ainda anda a conversar comigo e acho, por respeito, que devo ir-lhe respondendo. (Ainda sou do tempo em que acho que os livros nos merecem respeito, e agora?)
Não tenho tido, de facto, ENORMES contrariedades na vida, daquelas assim devastadoras e dolorosas que sei que existem e que são maiores que muitos sofrimentos que podemos passar e não sei como reagirei se algum dia tiver que me deparar com essas contrariedades malvadas, que chegam sem pedir, mas sei que sim, que a vida tem que ter um sentido, que se o tiver, será mais fácil o foco de atenção e ação, que no meio do medo bloqueante, podemos pensar sempre em qualquer coisa bonita, que nos faça sorrir e que, VERDADE MAIOR, temos sempre, mas sempre, mas sempre, na extrema e individual liberdade, a opção de escolher as nossas atitudes!
Sou muito pequenina, minúscula, infinitesimal, insignificante, inexistente, perante a grandiosidade do testemunho deste livro, mas esta desproporção que vejo, abre-me horizontes de análise, leva-me para fora de mim, faz-me rever posturas e faz-me querer, por agora, só ir conversando comigo, assim em modo repetição para ver se escolho bem as atitudes que devo ter perante algum cinzentismo que me cerca... E essa opção será sempre e só, minha!



terça-feira, 22 de outubro de 2013



NOVE MINUTOS

(o que consegues fazer em nove minutos?)


-Oh mãe, faltam nove minutos para o meu futebol, ouviste mãe, NOVE MINUTOS!!!
- Filho, não imaginas o que a TUA mãe consegue fazer em nove minutos... a sério!!
- Oh mãe, mas são só nove, ouviste?... nove!!! Bolas, é sempre a mesma coisa, já vou chegar atrasado!!
Não lhe liguei nenhuma e lá seguimos os dois para o carro...







Cada vez que me lembrava da cara dele a dizer-me isto, dava-me vontade de rir. Tenho a certeza que não percebeu e que achou que eu estava apenas a implicar com o SEU futebol do coração!! Não pude deixar de me lembrar do dia de hoje, passá-lo em revista...


Deitei-me ontem já passava das três da manhã, mas o filme, no canal por cabo, prendeu-me à televisão e já que é tão pouca a que vejo, não me ia sentindo tão culpada! O filme era muito giro, adoro filmes giros, com gente gira, histórias profundas, uma pitada de romance, mensagens implícitas e recados que ficam para nós, saltam do ecrã para cá e pairam na nossa vida, assim, sem pedir licença. Há pouca coisa que para mim possa substituir em qualidade um bom filme, talvez só alguma leitura... a casa estava silenciosa e eu reinava no meu sossego, um bem tão escasso, às vezes, por aqui e eu saboreei-o sem culpas... Hoje, esperei estar mais cansada, mas lá me aguentei, talvez por ser o primeiro dia de uma semana de trabalho que é sempre cheia, cheia, talvez porque venho ainda com um bom endurance dos grandes sonos de domingo; decerto lá para quarta-feira estarei já mais extenuada, ah isso é certo, mas pronto, quarta-feira passada, semana acabada, já dizia a senhora minha avó! Quando cheguei a casa, com a minha agridoce do meio, com 45 minutos pela frente até à próxima saída, consegui fazer sopa, estender roupa, pôr roupa a lavar, apanhar uma que estava estendida, dobrá-la, preparar o cesto para que a minha querida e útil ajuda a possa depois passar, fazer um lanche para o caçula, que está sempre em modo esfomeado quando sai da escola e ir buscá-lo.  Depois, deixei a filha do meio a meio caminho, voltei a casa rapidamente pois ainda me escapo, a esta hora, do caos do trânsito, adiantei o resto do jantar, escrevi um bilhete com os pormenores para ultimá-lo, preparei um segundo lanche, saí outra vez para ir levar o pequeno ao futebol, apanhei as outras duas pelo caminho, já despachadas, aferindo chamadas e recados: vai para ali, espera por mim do outro lado da rua, vai andando que apanho-te no trânsito, entra, entra rápido que tenho um carro atrás... 
Lá fui sobrevivendo... chegaram todos a casa sãos e salvos e eu aterrei numa formação, que está nos últimos dias, pelo caminho ainda pedi a um amigo (ah, grande rede de motoristas solidários!!) que me levasse o pequeno a casa depois do treino, hoje o pai não poderia lá estar e as irmãs abrem-lhe a porta, não te preocupes... Ufa, ufa, ufa!! 
Estas coisas todas são normais para muitas mães que conheço e eu não faço nada de especial, MESMO (!!!) e ainda bem que nem todos os dias são assim; ainda bem que há outros dias em que não me apetece fazer nada disto, em que não adianto jantar nenhum, em que não ando em modo motorista, em que não quero saber de nada destas logísticas e só vou estar sozinha um bocadinho onde me apetecer, ou beber café com uma amiga querida, ou ler uma revista, ou estar só assim, em modo pseudo-egoísta-e-de-defesa-pessoal-para-autopreservação-e-sobrevivência e aí, o stress vira sobremesa e saboreio-a, também quase sempre, por mais de nove minutos!! 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013




SALADA DE FRUTAS






Gosto de pêras, de maçãs, de uvas, de melão, de pêssegos, de morangos, de figos, de laranjas, de ti...
De mim? Então achas que eu tenho cara de fruta???
Um sorriso maior que ela iluminou-lhe a cara... e eu acho que percebi a resposta!!

(Diálogo entre mim e a A., de 5 anos)


Era uma casa com ar familiar. Tinha umas escadas grandes com chão de pedra e um corrimão de madeira dos dois lados, no qual eu gostava de deixar escorregar a mão enquanto descia, levada pelo meu pai, ou pela minha mãe. O chão cheirava a encerado e era sempre brilhante e muito limpo. Havia sempre quadros bonitos na parede, com paisagens, ou caras de pessoas e bordados de ponto cruz e também arranjos de flores secas. O ar paira-me na lembrança, as escadas, os quadros nas paredes, o recreio lá fora, onde se repete como um beat teimoso, a algaraviada que as crianças faziam lá fora. De vez em quando tocava a campainha e era uma mãe, ou um pai que chegava. Aí, limpavam-nos a cara, o nariz e as mãos, penteavam-nos e lá íamos embora, mais compostos ao fim de um dia de escola. Mas do que me lembro mesmo, mesmo como se fosse hoje e como se estivesse ali ao lado no meu forno, é do cheiro do pão torrado que a cozinheira punha em grandes tabuleiros retangulares, já cortado em fatias e já barrado com manteiga. O efeito do calor do forno já quente, naquela manteiga e naquele pão, atravessaram décadas comigo e hoje, fazem-me sorrir sozinha quando recordo aqueles finais de tarde de Jardim-de-Infância!
Devo ter, lá ao fundo, outras recordações dos meus tempos de pré-escola, certamente que sim, já que fiz o percurso normal de três anos de Jardim-de-Infância, o que, na época, não era assim tão comum como é hoje, mas é disto, deste cheiro do pão, que me lembro, a par de algumas caras/rostos que me ficaram para sempre. Ainda hoje recordo aquele cheiro e também alguns sorrisos.
E é assim: a ternura vem sim, selada com cheiros e sorrisos, no fundo, com afetos e estes, são ABSOLUTAMENTE estruturantes para a edificação da personalidade futura. O Pré-Escolar é um percurso com etapas claro, com objetivos e competências a atingir e desenvolver e deve ser visto e considerado com exigência e rigor técnico, mas é um período florido da vida dos meninos e das meninas que devem poder ter consigo, durante os seus dias, pessoas crescidas que lhes sorriam, que os tratem com carinho, que os considerem e que com eles se relacionem de forma ternurenta. E isto sem "paternalizar" em excesso, sem os "estupidificar", porque são tão queridos, tão pequeninos, tão fofinhos
Sei que as escolas estão diferentes do que eram... também os meninos e meninas, também os pais e as mães. Sei que os horários das famílias mudaram, as avós e os avôs trabalham ainda, muitas vezes para ajudar a sustentar a família que é desorganizada, ou mais fragilizada. Sei que os afetos vão estando diferentes e que há a tendência para achar que não são importantes, já que o imperioso é o saber, saber, saber; mas pronto, mea culpa, é aqui nestas idades que a ternura salta ainda pelos poros e pelos olhinhos que brilham para nós e é aqui nestas idades que percebemos que haverá sempre coisas que não passarão de moda, ou não deixarão se ser importantes! Não me cansarei nunca do o dizer, assim como não me cansarei de sorrir quando me lembro da frase que transcrevo no início deste post. Este sorriso vem, não pelo elogio que poderá estar implícito no pequeno diálogo, mas sim pela certeza de que, para estes meninos e meninas que agora me dizem coisas destas, poderei estar a ser uma pedrinha importante no seu muro de afetos e quem sabe um dia, no futuro, já com filhos, possam recordar-me, ainda que de forma difusa, pouco nítida e perdida num cantinho da memória, mas doce, doce como uma salada de frutas!!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013






O MEU HÉRCULES



Diz a lenda que Hércules era filho de Zeus (deus dos deuses, deus dos céus e dos trovões, segundo a mitologia grega) e de Alcmena, uma mortal. Foi adotado pela mitologia romana e o seu nome mudou de Herácles para Hércules. Era considerado um semi-deus e um líder sábio e bom amigo. É também considerado o mais célebre de todos os heróis, um símbolo do homem em luta contra as forças da Natureza, um exemplo de masculinidade e um paladino da ordem olímpica. Continua a lenda, explicando que foi amamentado por Hera, deixando o peito da mãe a verter gotas de leite que formariam a Via Láctea. São inúmeras as suas façanhas, consideradas todas como atos de valentia e coragem. (...)

www.wikipédia.pt

Diz o senso comum e o meu genérico conhecimento que o nome Hércules está ligado à força e à valentia. São comuns expressões como, "força hercúlea", "lutei como um Hércules" e lembro-me também de um amigo que tinha um cão, com fama de mauzão, que se chamava Hércules... Não gosto de imaginar um Hércules em forma de estátua, daquelas que representam os deuses gregos e romanos, ou com tantos músculos, tantos músculos que descaracterizam a beleza masculina... talvez o imagine como o Aquiles, naquele filme com o Brad Pitt, mas isto já é outra história, eh, eh... 
Pois é... eu tenho-me sentido um Hércules em versão feminina... Não tanto no que diz respeito à força física, mas nas outras valentias, se é que as há.Tive um início de ano letivo complicado e conturbado, como já referi  aqui (http://agridoceedoce.blogspot.pt/2013/09/contrato-termo-certo-mesmo-que-me.html) e isso fez com que toda a logística inerente ao arranque de um novo ano escolar fosse, no meu caso, muito mais condensada. Já não discuto acerca deste sistema escolar que tantas incongruências tem, mas sinto que tenho que ter um super sónico radar que se vire em todas as direções, para poder responder acertadamente a tudo, sinto que tudo acontece a mil à hora e eu, qual corredora de fundo, tenho que controlar a respiração para não hiper ventilar e poder chegar ao fim com qualidade pessoal e profissional e depois, em casa, as situações também se sucedem a 200%, proporcionais a três filhos, em três ciclos de ensino diferentes. O tal oh mãe constante, repete-se como um eco teimoso e eu continuo a correr, a correr, a correr sem parar para conseguir chegar a tudo. Às vezes penso que o que me vale são os pedacinhos que invento (literalmente...) para mim, de muitas formas e maneiras, pedacinhos curtinhos, mas intensos e diários e que me fazem recarregar baterias e energias, um pouco como aqueles sítios da auto-estrada, onde podemos descansar por minutos!! E só agora, já o outubro vai a meio é que me vou sentindo a serenar e sentindo o apelo para responder a outros chamados de que eu tanto gosto. Agora, já o outubro vai a meio é que a rotina se vai instalando e sendo eficaz aos poucos, como aqueles unguentos gordos que se põem sobre a pele e vão atuando, atuando... As pecinhas vão encaixando, os horários vão-se definindo, os dias da semana vão-se organizando, os tempos para mais isto, ou mais aquilo, vão surgindo... E neste aterrar suave e progressivo da rotina, é interessante ver, em perspetiva, como somos diferentes os dois, eu e o meu mais-que-tudo, como reagimos a esta aterragem da rotina que não é instantânea, como nos defendemos, como reagimos. Eu, acelero, grito, discuto, vocifero às vezes, faço 30 coisas ao mesmo tempo, intuo, vejo em perspetiva; ele, tão diferente, mantém o ritmo, não grita, discute em modo mais suave, não vocifera, não faz 30 coisas ao mesmo tempo, mas as que faz, fá-las muito bem e há dias, tive mais uma certeza (que se junta a todas as outras) que era também uma versão masculina BEM LINDA de um Hércules, pelo menos para mim e isso foi o suficiente, quando depois de um dia de trabalho intenso e de mais isto e aquilo, arrastado pelo cansaço, foi assaltado pelos três filhos à sua volta, para estudar Matemática, para tirar dúvidas, para esclarecer o cálculo, a fórmula, assim, de repente, ao mesmo tempo, porque a urgência é assim, inesperada e espontânea e às vezes não se compadece do cansaço extenuado dos pais! Esta história da Matemática é pois e sim um pelouro do pai... Em perspetiva ia vendo a sua reação, a forma assertiva e eficiente como valeu aos três, de três níveis diferentes, de seguidinha, a paciência que teve nas respostas, a insistência que deu à sistematização, a tranquilidade e segurança que lhes transmitiu, apesar do seu próprio cansaço. Amei-o muito nesse pedacinho de dia e admirei a sua capacidade e paciência, às vezes e nessa vez tão diferentes da minha, que é tão estouvada e acelerada, a forma tão calma como lida com o cansaço que nos assalta aos dois, senti-me muito sortuda por estarmos todos juntos, por sermos assim, tão diferentes, e por ter a certeza que ele tem sim senhora, vários pedacinhos de Hércules de que tanto gosto!! E assim deixei isto a pairar em mim por uns dias...

terça-feira, 8 de outubro de 2013




PÉROLA PEQUENINA


Sempre gostei de reparar nas mãos das pessoas. É uma mania como qualquer outra. Gosto de ver mãos arranjadas, mas naturais, confesso. Não sou super fã de unhas de gel e afins que agora existem e que tentam embelezar as mãos, a não ser que aquelas tenham um ar super natural e isso implica que sejam muito bem feitas, o que nem sempre acontece. Acho que um ar natural, dá às mãos a maior beleza. Num homem, é das coisas em que mais reparo. Gosto de mãos grandes, calorosas, sendo muitas e muitas vezes as acompanhantes perfeitas de uma lágrima, um desabafo, um ânimo, um entusiasmo, um beijo, contribuindo para um calor e magia especiais de duas pessoas que se tocam. O poder do toque é enorme e maravilhoso! As mãos, para mim, são quase sempre, complementos da voz, da frase, da expressão. Aí, ganham vida própria e energia, embaladas pelo que vou dizendo, por isso sempre me disseram que falava com as mãos também, como se às vezes eu parecesse uma orquestra (nem sempre afinada, admito!) de voz, mãos, corpo, palavra.
E esta orquestra de voz, mãos, corpo, palavra, vive dias intensos nos meus dias de trabalho e fez-me hoje descobrir um tesouro...à tarde, uma pessoa pequenina do meu grupo escolheu um livro para a HORA DO CONTO. - É este, sim, este é lindo! Vi de relance que não era um livro de histórias e que tinha sido atraído pela cor e desenhos lindos da capa, mas isso foi apelativo e, mesmo contrariada (não me apetecia nada contar aquela história...), resolvi aceder ao pedido. Então, expliquei, é um livro que explica coisas, não tem mesmo uma história, mas vamos ver as imagens, ouvir o dizem as frases e aprender, porque é mesmo assim, nem todos os livros são de histórias... pois não, diziam, há dicionários, livros da escola e esses não têm histórias, pois claro, mas nós vamos transformá-lo...
E lá começámos o "PARA QUE SERVEM AS MÃOS" ( não me lembro agora do nome do autor e editora... tenho o livro na escola...). A minha orquestra começou a tocar e a voz, o corpo, a expressão e as mãos, lá iam dando vida àquele livro que se tornou tão giro de repente (e tenho-o há tanto tempo e nunca lhe tido ligado nenhuma!!)... Com o estribilho repetitivo de "AS MÃOS NÃO SERVEM PARA BATER", lá se explorava todo o esquema corporal, a higiene, a alimentação, as relações sociais, as rotinas diárias, os afetos, viajando à volta do mundo inteiro que é formado por aquele universo de coisas que podemos fazer com as mãos... escrever, pintar, recortar, fazer ginástica, comer, pentear, lavar (-se) e, de repente, com os olhinhos castanhos postos em mim, aquela pessoa pequenina que tinha escolhido o livro e que tem umas bochechas gordas maravilhosas e um nariz arrebitado disse, em modo sopinha de massa, do alto dos seus três anos e com ar sonhador, mas seguro... com as mãos podemos fazer festinhas, dar abraços, dar miminhos, dar cinco... e ia repetindo, baixinho em quase surdina! Ninguém o ouviu, pois a dinâmica do grupo tão grande seguiu impiedosa e os nossos códigos auditivos vão ficando, mesmo contra a nossa vontade, viciados em barulho, agitação, tornando estas pequeninas pérolas, invisíveis e transparentes, mas eu ouvi e apeteceu-me dizer-lhe meu amor pequenino, tu já sabes tudo e tanto e essa pérola é maravilhosa!!! 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013



LEVA E TRAZ, TRAZ E LEVA...


O dia de hoje foi interminável e vivido dentro de uma nuvem de humidade irritante que resolveu chegar e ficar colada a este tempo atmosférico parecido com o tropical... de peganhice em peganhice, irritada com este calor húmido, lá fui deixando o dia escorrer por entre tudo aquilo que tinha que fazer e ele seguiu por entre as horas cheias, sempre cheias de tudo e mais alguma coisa e recordo: despertar em casa, beijo rápido ao mais-que-tudo que sai antes de nós; miúdos, pequenos-almoços, ida para as escolas (como sou uma mãe louca, tenho os três em três escolas diferentes! Isto há coisas...), trânsito, acerto de pormenores de horários e almoços e saídas à tarde para ti e para ti e para ti; confirmação do horário da mãe neste mesmo dia, distribuição (em andamento, valha-me a filha que vai à frente, no lugar do pendura) de moedas, ou notas para os inadiáveis desse dia, paragem nos semáforos para compor rimel e outras (poucas) coisas, ou para assinar o aviso esquecido na caderneta, beijinhos rápidos de até logo mamã, juízo, beijo também, ida para o trabalho (ufa, alguma música por fim!), café da manhã inadiável e absolutamente obrigatório, chegada ao trabalho, miúdos e pais e mães para receber, acolher, sorrir, recados, anotações, início da atividade na sala, em grupo, elencagem cerebral e teimosa de tudo o que há a fazer na outra vida, aquela que também é nossa fora dali, o almoço que chega apressado, um café rápido em hora social com pares profissionais, a vontade teimosa de fugir um bocadinho dali e ficar sózinha comigo a aflorar-me às vezes o pensamento, o dia a continuar a correr, indiferente a este toque de imaginação e vontade, uma reunião que atrasa o regresso e cansa o cérebro, o regresso a casa, os telefonemas que se aproveita para fazer no caminho, o filho, ou filha, ou filha a telefonar, o acerto do que já se tinha dito de manhã, a sensação de ser taxista a chegar, o leva e traz, o traz e leva, as trinta voltas, a trinta sítios diferentes onde se tem que ir, resolver não sei o quê, o obrigar-me a beber um café, nem que seja em 5 minutos, num cafezinho qualquer da cidade, na rota de uma qualquer das ditas voltas, o bem que me sabe essa cafeína vespertina, mesmo que o calor não passe e que a peganhice se mantenha, o telefonema do mais-que-tudo, recordando hoje, AQUELA reunião de que falara, o resolver-me pelo jantar já feito, mesmo ali, naquela casa de bairro, o enfrentar um supermercado apinhado de gente com tão poucas caixas a trabalhar, mas hoje tinha que ser, porque já não há isto e isto e isto (!!!) as filas intermináveis de gente e coisas e tudo, a falta de paciência que o cansaço traz, o conseguir ainda sorrir ao observar uma menina maravilhosa à minha frente com a mãe, o que ela dizia, como sorria, o ver de uma doce mensagem que faz vibrar o telemóvel e que tempera o cansaço, o vir para casa, 12 horas depois de ter saído, o telefonar pelo caminho para porem já a mesa, sem refilar, que o jantar vai feito, o jantar a quatro, que o pai hoje vem mais tarde, o arrumar da cozinha, o beijo rápido ao pai que chega, o fazer ainda isto e mais isto com um e com outro, porque, MÃE, tenho que levar amanhã (!!!), o repetir pela centésima vez ENTÃO O QUE FIZESTE À TARDE, DEPOIS DAS AULAS??? E pronto, o dia ainda não acabou... ainda vim para aqui, para descompressão, para alívio e respiração funda... serve-me de catarse isto e hoje, ao rever ponto por ponto este meu interminável dia, lembrei-me, não sei porquê, do anúncio da EDP, "A MAIOR ENERGIA É A SUA"! (e passo a publicidade...).
A música é gira, o anúncio "colou" bem, é apelativo, o sexagenário que dá vida ao pequeno filme é bem parecido e personifica tudo aquilo que gostaríamos de vir a ser, um dia na nossa velhice, ativos, multifacetados, autónomos, prestativos, presentes... mas pronto, este dia de hoje tomou conta de mim e, mesmo sabendo que não há dias iguais nesta nossa vida um bocadinho louca, agora só sinto, com dormência, aquilo que a Kika diz na canção:"Can´t feel love tonight"!!!
Bolas, ainda bem que por trás da nuvem, está sempre o sol!!!